segunda-feira, 28 de abril de 2008

Dos Vícios Perdoáveis

F., 29 anos. Nada limpa.

Soundtrack: Janis Joplin - Cry, Baby*


A paixão é tal e qual um remédio tarja-preta.

E dizer isso não é desmerecer a paixão, nem tentar fazê-la parecer menos saudável e necessária. Mas é verdade que paixão vicia. Vicia tanto que ninguém sabe o que fazer quando, de repente, percebe que a cartela está vazia porque o miraculoso e costumeiro comprimidinho acabou no dia anterior.

É exatamente como um tarja-preta: doses individualizadas, porque há quem não tolere altos teores da substância assim, de supetão, circulando pelo organismo; diferentes formas de apresentação pois, enquanto algumas pessoas são capazes de engolir cápsulas e drágeas numa boa, outras precisam beber soluções, xaropes e emulsões, gota a gota ou de colherinha, e existe quem só funcione com a droga lançada sem delongas na corrente sanguínea, direto na veia. E os efeitos colaterais, ah, os inevitáveis efeitos colaterais: boca seca, sudorese profusa, tremores, visão turva, perda de apetite, rubores, vertigens, palpitações, fala embotada, insônia, episódios febris, delírios. Sintomas às vezes incômodos, fora de hora, de um descabimento homérico e transtornante, sem falar no perigo iminente da dependência – mas o remédio é dos bons, deixa a gente mais leve e disposta, vale a pena correr os riscos.

A paixão é, ao mesmo tempo, antidepressiva e ansiolítica, e os efeitos são imediatos. A pele fica mais viçosa, a circulação mais eficiente, o humor menos lábil, a libido mais aguçada, o raciocínio mais rápido, a gente agradece aos céus o bendito “doutorzinho” – ou “inha” – que acertou em cheio no tratamento, e não abre mão da abençoada prescrição por nada nesse mundo. Mas a “paixonina” é ainda mais psicotrópica que a mais potente das anfetaminas: circula livremente pelo organismo e estabelece circuitos de reentrada nos sistemas nervoso e cardiovascular sem sofrer a ação de nenhum mecanismo inibitório, e não há sistema de depuração enzimática que seja capaz de clivar as suas moléculas. É fácil se intoxicar de paixão. Difícil é distinguir com precisão o limite entre o terapêutico e o patológico. Não há antídoto contra a paixonina. O único expurgo cabível é o tempo, mestre na arte de eliminar os excessos e ressacas de paixões tumultuadas e inadvertidamente exacerbadas. É sentar, segurar a cabeça – e o coração – entre as mãos e esperar passar.

E passa. Mas há que se reconhecer a dependência e, sobretudo, há que se ter vontade e disciplina para lutar contra ela, pois as recaídas são freqüentes, massacrantes e terrivelmente... apaixonadas. É um longo e penoso caminho até que o dependente se torne definitivamente capaz de dizer “estou limpo”.Só por hoje, ao menos por hoje, ainda hoje limpo. A paixão se parece deveras com um remédio tarja-preta. É bom, é ótimo ter paixão circulante no sangue – em níveis séricos aceitáveis pelo Ministério da Saúde Sentimental. A gente tem que sorvê-la em doses quase homeopáticas, mas sempre bate aquele frisson de tomar o frasco todo pra curtir o barato lisérgico das paixões cavalares. Overdoses de paixão são tão fascinantes quanto constantes. Talvez pelo medo de seguir à risca as recomendações e sentir, como efeito único, apenas uma coceirinha morna e desmilingüida no meio do peito – até terminar o frasco e descobrir, num pasmo atônito, que a receita se perdeu.


*Janis Joplin foi uma cantora americana de blues, influenciada pelo rock e pelo soul. Lançou quatro álbuns, desde 1967 até o lançamento póstumo, em 1971, do álbum Pearl, gravado com o grupo Full Tilt Boogie Band, de onde faz parte a faixa Cry, Baby. Hoje é lembrada por sua voz forte e marcante, bastante distante das influências folk mais comuns em sua época, e também pelos temas de dor e perda que escolhia para suas músicas. Disse, certa vez: "Do not make compromisses, you are what you've got!" - inglês corrente para "não faças compromissos, tu és tudo o que tens".

32 comentários:

Anônimo disse...

Bueno, tchê, no início tudo é overdose, hipervitaminoses, sobrecargas, exploramos os limites do corpo e da mente, sempre de bom grado e confiando cegamente.
Mas um dia acabamos nos dando conta da velha máxima ("a diferença entre o remédio e o veneno é a dose") e, mais maduros, consumimos o "Diazepam sentimental" como consumimos ao vinho: aquele calicezinho diário que não ofende o corpo, afina o sangue, destrava a voz e faz bem para o ego.

Ótimo post!

Um abraço!

Carmim disse...

As doses homeopáticas não fazem o meu género, sinto sempre ganas de tomar o frasco inteiro; ai ai, não tenho solução!! =)

Menina, o teu gosto musical surpreende-me sempre. Revejo-me em quase tudo o que ouves!!
Janis Joplin foi uma força da natureza!

Um beijo.

benechaves disse...

Oi, amiga: você, que é uma médica, deve saber a dose exata do medicamento.Mas, pra este remédio, eu tomaria,tranquilamente, uma overdose. Acho que não faria mal algum, pelo contrário. Seria salutar, bem salutar...
Muito interessante o seu texto e de uma criatividade ímpar.

Um beijo em overdose...

Anne disse...

Sinceramente, minha linda, podem defender a paixão à vontade, mas eu quero ela láaaaa longe de mim. Prefiro sentimentos mais amenos e que demorem mais a serem construídos, como o amor.

Claro que no começo é tudo lindo...a paixão traz sensações maravilhosas. Mas não demora muito ela começa a tirar a fome, o sono e mtas vezes o sossego, é por isso que ela deixou de me servir, faz tempo!

Pra mim, o encantamento e o que vem depois, de preferencia sem passar pela paixão, é o que serve! Claro que nem sempre dá pra evitar, mas eu ainda vejo ela mais como veneno do que como remédio.

Adorei o post, lindinha...disse tudo! Bjos, amo-te infinito!

Paula Carolinny disse...

pra mim... a gente tem que viver na boa e de boa com tudo...

aproveitar.

Nathália E. disse...

Se dopar de paixão é gostoso, alucinante e, como você disse, traz melhoras significativas. O único problema é o remédio acabar e não conseguir mais a receita.

Beijo!

Anônimo disse...

Flavinha! Eu te disse que adorei o texto né?!! Adorei muito, muitão!
Então...Eu queria ter escrito isso, mas não saberia usar tão boas e belas palavras!
Amúsica, sim ficou muito boa tbm. Embora ache que aquela outra suavizaria um pouco...rsrsrs
Mas essa foi de algum filme, não?!

Paixão: você não tem a opção de escolher não sentir. Mas tem a opção de escolher NÃO SEGUIR!

Lembre-se disto! - Eu me lembro...às mezes!...rsrs

beijos,
Edu.

ps> adorei muito!!!! (pra frisar mesmo!!!) rsrsrsrs

Flávia disse...

JEAN,

Um dia eu chego nessa fase, amigo. Beijo, tchê!

GIRASSOL,

Menina, quanto mais eu penso sobre isso mais eu ratifico a conclusão de que você é um meu outro-eu d'álem-mar... beijo!

BENECHAVES,

Eu não sei, querido, se é interessante viver de overdoses de paixão. A gente sente os efeitos e não se dá conta de que, no final, a ressaca que sobrevém é das mais amargas. Fazer o quê, né? Ninguém pode fugir disso... Beijo!

ANNE,

Amiga... amor, sem dúvida, é ouro, sem comparação com a paixão. Paixão é gostoso, sim. Mas "ressaqueante", PQP... rsrs... amo vc infinito, sempre. Beijos!

LINNY,

Para mim também, flor. Não é à toa que eu não estou "limpa", rs. Beijo!

NATHÁLIA,

Né? Beijo!

EDU,

Você sempre com essas frases certeiras. Eu tô aprendendo a amestrar as minhas escolhas. vou tentar lembrar, pelo menos às vezes (rsrs)... a outra música era boa, e o texto, a priori, foi escrito para ser postado com ela - mas aí, na hora de fazer as correções, eu tava ouvindo a Janis... e achei que casou tão bem a essência dele com a voz cheia de paixão dela, que foi inevitável não mudar a escolha. Não sei se era de algum filme... pelo menos não consigo me lembrar agora. Mas vou dar uma pesquisada nisso. Adoro vc, muito. Beijo!

Ricardo Rayol disse...

doses homeopáticas nem sempre ajudam... o equilibrio, o maldito equilibrio

Renata Silva disse...

Oi, meu nome é Renata e eu sou viciada em paixão.
Hoje fazem 4 meses que eu estou sem tomar uma dose dela.
Já tive várias crises de abtinência, mas por enquanto vivo melhor assim - sem borboletas no estômago.
Talvez volte a ser usuária quando encontrar a tal paixão na dose exata pra mim.

Rs

Beijos

Mila Cardozo disse...

Se assim é... tem como comprar na farmácia? Tem como controlar a dose? Tem amor por lá tb? E tem remédio contra o mal ( ou bem vai saber) do estar como esta?
Doutora Mana Flavissima... acho que preciso de consulta... seguida de internação... hehehehehe
Beijos Mila

Anônimo disse...

P., 25 anos. Nada limpa (também, em demasia).

oxe...
bom é pouco!
aiai.

[Paixão é coisa que enlouquece, na mais forma dotada de razão.]
beijomeu.

PS= assinado, Patrícia.

Elder Sales disse...

Infelizmente gostamos (comentário pessoal. rs) de envenenarmos com grandes porções deste sentimento.
Como droga, se entra uma vez deixa sequelas que nunca sairam completamente, rastros que ficam, não vão.
Porém perigoso como tarja preta atua no sub-consiente para persuadir-nos a fazer coisas erradas para o resto mas, certas em nossa inconsiência.

Abraços.

Anônimo disse...

Ai...Fla...
Eu ando tomando doses cavalares de paixao na veia. Menina...e o efeito eh tao looooooooooooongo!! as vezes dura por diaaaaassss....Eu sou viciada em Pixao!!!
E agora? Sera que isso tem cura?
Bjo...

Flávia disse...

RAYOL,

Maldito. E desejado... beijo!

RÊ,

Coro: oooooi, Renataaaa!! Rsrs... vc tem razão, a abstinência é a pior parte. E a verdade é que nunca dá pra deixar de ser usuário... beijo!

MILA,

Amiga... vamos fazer assim: meter pressão na ANVISA, MS e outros órgãos pra incluir a paixão no rol das substâncias tarja-preta, com direito a CID e tudo. Aí, quem sabe a gente consegue um tratamento de desintoxicação... amor eu não sei se tem na farmácia, mas aqui tem - e uma parte dele é sua! Beijo!

P.,

Huahuahua... desfazendo confusões, hein? Nem precisa assinar, boba. Se paixão enlouquece, o que dizer da gente, né? Melhor nem pensar numa classificação de gravidade... Beijo, amo vc.

SALES_ROOT,

Ei, cara. É por aí mesmo. A gente se intoxica porque gosta. Os rastros ficam, assim com aslembranças do que a gente viveu e, ainda do que a gente não viveu. Louco, estranho e fascinante, isso. Obrigada pela visita - será bem vindo, sempre. Beijo!

TAMARA

Mulé... se tem cura eu não sei. Mas acho que deve ter um controle, sei lá. Não tem gente que vive à base de remédio controlado? Acho que o tal, em relação a paixão, deve ser essa coisa assustadora chamada "razão". Eu tô tentando dar voz à minha... beijo, linda.

Anônimo disse...

Oi F., rssss

Precisando se desintoxicar da paixão?????

Difícil,,,acho mesmo que não depende só da força de vontade, pois a vontade é maior do que a força;;;

Achei muito interessante suas comparações...
Já passei por tudo, TUDO isso que vc descreveu e....ainda não estou limpa!

beijo!!!Gisele

Ah, então já posso dizer que já fiz uso de remédio de tarja preta.rssss

Ciça. disse...

É como tarja-preta. E cê já viu oq acontece se misturarmos tarja-preto com álcool? É uma loucura só, daí que vêm as msgs e ligações no meio da madrugada. Tst.


:*

Anônimo disse...

Olá, Gostaria muito de publicar essa sua crônica no www.veropoema.net Venha participar do site com seus escritos.

Abraços,
Edmir
www.veropoema.net
edmir@veropoema.net

Flávia disse...

GI,

Menina, eu nem sei do que preciso. Uma hora acho que preciso me desintoxicar... noutra acho que não, que não sei mesmo viver sem essa sensação alucinógena que a paixão provoca. Mas acho que todo mundo dever ser meio assim... rs. Beijo!

CIÇA,

huahuahuahua... bem lembrado, bem lembrado!! Beijo!

EDMIR,

Rapaz, que honra... claro que pode publicar, sim! Mando pra vc por e-mail. nossa... obrigada mesmo pelo convite e pelo crédito, tô passando pra visitar o site! Abração!

Van disse...

Muda o template.....
Muda a paixão.......
Mutante o coração.


Saudades de vc lá em casa.
Beijucas

Anônimo disse...

Amora, paixão é bom!
Faz bem ruim é quando acaba.
Dói!
Ainda bem que passa. rs

Me dá umas dicas de template, por favor?

Beijão

Kari disse...

Vicia sim. E como vicia...
E quanto ao tempo, ele faz milagres... Mas não quero esse tipo de milagres por enquanto, estou bem com o meu vício e não largar e nem perder a receita nem tão cedo...

Belíssimo texto! Linda analogia!!!
Beijão

Ingrith disse...

Paixão é o sentimento mais gostoso que existe!!!

Adorei a aula de psicotropicos! hehe

Antonio Ximenes disse...

Flavinha.

Por causa de uma paixão:
1) já corri risco de vida;
2) Perdi a vergonha na cara;
3) Fui ridículo;
4) Quedei-me patético;
5) E não me arrependi de nada... rs.

Janis Joplin (Pearl) - Boa escolha... rs.

Abração do Pitoresco.

Tiago Soarez disse...

gostei mais do template assim, flavinha!

sobre o santa, eu tbm espero nunca mais acabar com ele...

ah, e paixão vicia... e vc sabe como eu ando viciado nisso! rs

Marcelo disse...

Realmente uma droga poderosa essa tal paixão.
Segundo a ciência, ela tem prazo para acabar que vai de 2 meses à 2 anos.
São aminoácidos produzidos pelo hipotálamo que nos dão essas sensação de paixão, por isso um dia termina,rs.

Beijinhos.

Zé Luiz Sykacz disse...

Eu sempre tomo o vidro inteiro de uma vez. A sensação é acachapante, é verdade, mas os efeitos colaterais nem sempre valem a pena.

Tenho que aprender a usar com moderação, às colhoredas...

Beijos moçoila!

P.s.: ai que saudades da Janis!

Flávia disse...

VAN,

Amora, eu troco de templete com troco de roupa, isso tá ficando meio patológico, né, não? Passando para te ver djá. Beijucas!

PAOLA,

Dou sim, com o maior prazer. Vou mandar mas cositas pro seu e-mail pra vc dar uma olhada. Beijo!

KARI,

Ah, menina... tudo de bom pra vcs aí! Beijo!

INGRITH,

Hehehe... precisando de teorias bizarras, tamos aqui, rs! Beijo!

XIMENES,

Homi, eu já fiz tudo isso aí que vc falou. E quer saber? Não me arrependo nem um pouco. Seremos nós doentes terminais? Beijo!

THIAGO,

Se sei, Thi! E que paixão linda... já falei que vcs são meus ídolos, né? Pois é, rs. Quanto ao blog, viva e deixe viver! Beijo!

MARCELO,

Bem lembrado, Marcelo, bem lembrado, rs! Beijo!

ZÉ,

A-CA-CHA-PAN-TE... meu, é a melhor definição pra essa sensação... é igual uma overdose de Janis - saudade da Janis, saudade da Janis... adorei o "moçoila", rs. Beijos!

Aline Ribeiro disse...

Paixão é aquele foguinho de palha, causa uma linda e alta labareda, mas te hora pra terminar. Se virar amor, melhor ainda!

Bjm

Sunflower disse...

um doutorzinho aí, ou pajé, diria eu, enterrou meu nome na boca de um sapo, porque meu coração anda tiquetaqueando mais feliz que cururu em lagoa.

E dói, ai como dói.

Flávia disse...

ALINE,

Tem mesmo, loira. Disse tudo. Beijo!

SUNFLOWER,

huahuahuahua... dói, mas dorzinha feliz é gostoso, né? Beijo!

Mago disse...

Quem é que nunca foi viciado numa paixão? EU mesmo sempre fui, vivia trocando de paixão, toda vez que uma ia se sumindo eu engatava numa nova.