Hoje chove muito. O dia inteiro, a noite inteira. Ruas, becos, casas, o tempo em suspenso. Corações distraidamente rabiscados na umidade das janelas dos ônibus, rostos entreolhando-se por curiosidade ou por hábito através das janelas dos carros, um cheiro sorrateiro de capuccino deixando a cafeteria para deslizar por entre pingos e guarda-chuvas. Chove, faz frio. A cidade, quieta como um bichinho adormecido dentro da própria carapaça. Mas parece mesmo que, nesse dias líquidos, também um pouco de vida brandamente se liquefaz e, generosa, escorre pelas vidraças e frestas desatentas dos corações atentos. E estamos assim, na chuva, com frio, porém intimamente conectados à a inexplicável humanidade que essa chuva traz.
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quinta-feira, 26 de abril de 2012
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Um Beijo. Outro
Não chamei, mas
vi que era você. Reconheci seu modo de andar, de parar em frente às vitrines,
de atravessar a rua depois de olhar duas vezes em cada direção. Pé direito na
frente, sempre. Prudência, seu nome do meio. Já foi o meu – hoje sigo anônima por
entre transeuntes e carros e luzes, buscando um novo signo, quem sabe. Buscando
nada, talvez, que às vezes o próprio caminho é o destino. Houve um tempo em que
caminhávamos os dois a esmo, de mãos dadas, chutando poças de água. Um beijo.
Outro. Preferíamos assim, sem motivo. Não acredito em amor, mas era quase isso.
Não éramos um, éramos eu e você, e isso era bom e soava como se o mundo
continuasse girando a toda velocidade e atirássemos no espaço tudo o que não
era nosso, que a vida é veloz e queríamos viver, e vivemos. E no dia em que
soltamos nossas mãos, confesso: chorei – por mim, por você, pelo mundo que
passou a girar devagar com preguiça de me fazer feliz, pelo dia que haveria de chegar
para eu não sentir mais a sua falta. Sentada no chão da cozinha, quieta, sem
pressa, limpando os olhos com as costas das mãos e as feridas internas com a
saliva que não gastei pedindo coisa alguma. E saí e sequei o choro, e
caminhei, e caminhei, e caminhei, e hoje vi você.
Mas você não me
viu e nem atravessou a rua e não chamei seu nome, e seguimos assim, sem mãos dadas,
por entre transeuntes e carros e luzes, buscando qualquer coisa que seja leve nesse
mundo de passos pesados, buscando qualquer mínima doçura que não rejeite nossa estranha
condição de sermos cada um ao invés de nós dois.