Soundtrack: Ludov - Princesa
- Essa aí.
Cuidado com essa aí que é mãe solteira.
Uma vez ouvi
essa frase da mãe de um amigo de faculdade. Tínhamos acabado de passar no
vestibular e ele estava de namorinho com uma menina do curso de Farmácia; a mãe
soube do relacionamento e, como qualquer boa mãe, tomou para si a missão de
advertir o filho sobre o perigo daquele envolvimento. Afinal, a menina era mãe
solteira: saíra de outro relacionamento com mais experiência e um filho pequeno
para criar. A menina era legal,
divertida, inteligente, mas o namoro não durou muito, não sei por que – embora sempre
tenha desconfiado que a tal advertência materna tenha sido mesmo o começo do
fim. O tempo passou e nunca mais me lembrei dessa história. Até o dia em que
fui convidada para um passeio por um dos meus pacientes e ele, muito educadamente,
complementou o convite:
- A senhora não deixe de levar seu marido.
Confesso que
na hora me bateu um constrangimento. Sincronicamente, ele baixou os olhos para
minha mão esquerda: nada de aliança. Fez-se um breve e pesado silêncio,
tradutor de centenas de perguntas (da parte dele, tenho certeza) e de algumas possíveis
justificativas (não sei explicar porque, mas REALMENTE fiz uma revista mental
em busca de algumas), seguido de um fôlego curto, de coragem ou de alívio, não
sei, mas que foi o abre-alas para a frase que escapou da minha boca e, também
para mim, foi a constatação de um status do qual nem eu havia me dado conta: SOU
MÃE SOLTEIRA.
Sou mãe
solteira. E daí? Sou legal, divertida, inteligente - como a menina do meu amigo de faculdade. Tenho um bom emprego, nome limpo na praça, bons antecedentes,
nada de ficha na polícia. Limpinha, todos os dentes na boca. Porque meu estado civil deveria importar? Porque meu
estado civil importa tanto? E o termo, “mãe solteira”, pesa, infinitamente mais
do que a responsabilidade de ser uma delas. É como se a mãe solteira estivesse
sempre à espreita de uma oportunidade de se dar bem à custa de algum bobão que
leve para casa o “kit” de que outro abriu mão. Ou como se fosse alguém tão emocionalmente vulnerável a
ponto de aceitar migalhas de afeto por pura carência. Ou, ainda, como se fossem
mulheres sem sorte, renegadas: coitada, essa aí não tem sorte com homem: é mãe
solteira. Ninguém nunca parou para pensar no quanto uma mãe solteira pode ser
sortuda? Há bem pouco tempo atrás, a mulher separada e a mãe solteira eram
párias – não havia desgraça maior para uma família do que ter entre os seus uma
mulher largada do marido ou uma moça com um filho sem pai. Hoje, felizmente, a
mulher aprendeu a exigir ser respeitada independente de véu, grinalda, papel
passado e de como administra sua cama e sua vida. E conciliar um filho e
liberdade para ir e vir não é coisa de gente azarada, mas de gente inteligente
e bem resolvida.
Mães solteiras
são mulheres flex – trabalham, criam
seus filhos, estudam, criam seus filhos, pagam suas contas, criam seus filhos,
cuidam de si, criam seus filhos, (às vezes) namoram, criam seus filhos.
Esquecem (às vezes) de si, criam seus filhos. Aprendem a equilibrar nos ombros problemas,
angústias, iminências, esperanças, devaneios, alegrias, tempo. Sobretudo tempo.
Tempo é a coisa mais relativa na vida de uma mãe solteira. Sempre falta mas, no
fim das contas, a gente sempre encontra. Aliás, somos especialistas nisso de
achados e perdidos, porque a rotina, ao contrário de nós, está sempre de pernas
para o ar – e é preciso muita habilidade para não desaparecer em meio ao
de-tudo-um-pouco. É claro que é difícil. É claro que há dias em que a sobrecarga
é tanta que a única vontade é largar tudo, trocar de identidade e correr pro
mundo, mas é uma vontade que nasce para morrer logo em seguida – porque logo
ali, pertinho, sorrindo, existe um rostinho lindo dizendo “eu te amo, mamãe”
que faz tudo, absolutamente tudo valer a pena. Eu não me orgulho de muitas
coisas nessa vida, mas de ser mãe solteira eu me orgulho, sim.
Mães solteiras
merecem respeito. Mais do que isso: merecem aplausos. É coisa para mulheres
valentes, que têm a coragem de dar à luz seus filhos e de conduzir sua vida sem
se submeter a convenções meramente sociais. Não é feio ser mãe solteira. Feio é
ter preconceito e mente pequena, julgar o livro pela capa e o caráter pelo
estado civil. Feio é ser infeliz. E felicidade, certamente, é algo que nunca
nos falta.