Quando eu era criança, minhas irmãs e eu nos indignávamos com minha mãe porque ela se recusava a cantar o Hino Nacional. O ápice da rebeldia acontecia durante as Copas do Mundo - quando ela, além de não pronunciar "ouviram do Ipiranga as margens plácidas", se recusava a vestir a camisa da seleção brasileira e a torcer pela vitória do Brasil durante os campeonatos; sua torcida invariavelmente pertencia a outras seleções e as escolhas que fazia nos pareciam absurdas, mas ela ficava ali, firme, assistindo aos jogos conosco e vibrando a cada gol do adversário independente dos protestos do restante da família. Dizíamos: você é antinacionalista, mãe. Você não ama o Brasil. Ela respondia: eu não me orgulho de muita coisa que aconteceu e acontece nesse país. Não posso vestir a camisa de algo que não me causa orgulho.
O tempo passou, mãe. E ano que vem, finalmente, teremos uma Copa do Mundo neste chão que foi nosso berço, que é a nossa casa. E vou lhe dizer uma coisa: eu também não me orgulho de muita coisa que acontece nesse país. Eu cresci, e agora entendo bem o que você queria dizer. Agora sei que não era rebeldia - era amor, porque só quem ama muito a sua própria terra tem coragem de usar a própria voz para dizer que temos direito a ser cidadãos que se ufanam de sua pátria a qualquer tempo, e não só a cada quatro anos. Eu também não vou vestir a camisa, mãe. E não me interessa se vão me chamar de antinacionalista ou de qualquer outra coisa, pois você me ensinou que a gente só é forte enquanto não desiste de lutar, ainda que a forma de lutar seja apenas não deixar esmorecer o espírito crítico mesmo diante dos apelos da emoção - e da multidão.