fonte: Google (autoria desconhecida) |
O mundo é pródigo em lugares
misteriosos. A colônia de Roanorke. O lago Angikuni. O rio Azul, na China. Quem
nunca estremeceu ao ouvir falar, por exemplo, no Triângulo das Bermudas? O mais
intrigante, entre todos eles, tem como principal característica fazer as coisas
desaparecerem e reaparecerem em datas e locais inesperados – e nisso consiste sua alta periculosidade – e se localiza em território brasileiro, mais
especificamente em território paranaense: o buraco negro da minha casa, que já
tragou de tudo um pouco e teve como última vítima o controle remoto do ar
condicionado.
Há algumas semanas, aproveitando uma
frente fria que baniu temporariamente o calor insano típico do final do ano, meu
marido e eu resolvemos fazer um faxinão em casa. Arruma daqui, limpa dali,
esvazia acolá, ao fim do dia tínhamos a casa brilhando, todos os músculos e
articulações doendo, alguns itens para doação e cinco sacolas imensas de lixo
para descarte (eliminamos tantas inutilidades que, ao término do trabalho, era
possível ouvir um eco estranho reverberando pelos cômodos, que não sei dizer se
desapareceu ou se nos acostumamos com ele). A sensação de dever cumprido era
tão boa quanto a de uma massagem nas nossas costas destruídas.
Frentes frias são como paixões na
adolescência: vêm e vão. Interrompidos por um temporal, os dias amenos foram
substituídos por outros cada vez mais secos e abafados. Consigo tolerar o calor
durante o dia, mas minha ideia de um limbo espiritual pós-morte inclui dormir
suada, grudenta e com mosquitos em redor do meu desditoso corpo pelo resto da
eternidade. Meu marido, por conta de uma rinite alérgica, não é adepto do uso
constante de ar-condicionado; chegou, porém, o inevitável momento em que até
ele concordou em pedir uma mãozinha à tecnologia para driblar o imenso
desconforto causado pelo mormaço. Vamos ligar, pois, o ar condicionado. Mas,
ei, cadê o controle remoto?
Procuramos em todos os lugares: nas
caixas de brinquedos das crianças, nos armários, atrás dos livros da estante,
sob as camas, em cada bolsa/mala/mochila, na geladeira (houve um episódio em
que o buraco negro sumiu com meu smartphone e o fez ressurgir dentro dela), nas
gavetas da cozinha, nos sacos de lixo. Mapeamos a casa inteira, fizemos uma
retrospectiva do dia da faxina, identificamos os pontos estratégicos (leia-se:
os mais improváveis) e nos dividimos na busca pelo ouro.
– E aí,
encontrou?
– Nada. E você?
– Nada.
– Gente.
Os dias passaram. O calor se impôs com
uma intensidade sobrenatural. E o controle remoto havia desaparecido.
– Como está
quente hoje.
– Ô.
– Mas e o
controle remoto?
– Gente.
Tinha que estar em algum lugar.
TINHA QUE ESTAR EM ALGUM LUGAR.
– O cesto de
revistas, o sofá, o cafofo da Sushi. O que ficou faltando?
– Acho que nada.
A gente já olhou tudo.
– Gente. Não
pode.
– Não faltou
nada.
– Gente.
– Uma hora vai
aparecer.
– Não adianta
nada aparecer só no inverno. Tem que aparecer hoje. Sente só esse calor. Não é
de Deus.
– Tá quente,
mesmo.
Demos por encerradas as buscas e
decidimos comprar outro controle remoto, o que não saiu necessariamente barato
– mas valeu, pois o investimento pouparia uma família de ser carbonizada em uma
noite incendiária de verão. Não costumo me lembrar dos meus sonhos; no entanto,
docemente embalada pelo ambiente geladinho, devo ter sonhado, nesta primeira
noite de frescor após tantas outras de tortura, com anjos tocando flautas e
liras ao meu redor. Dia depois veio uma nova frente fria, o calor deu uma
trégua e o condicionador de ar ganhou alguns dias merecidos de folga, mas a
instabilidade climática provocou uma crise de asma no meu pequeno. Fui até a
caixinha de remédios, peguei tudo o que precisava, abri a caixa do nebulizador,
retirei o motor, as máscaras, as cânulas – e reluzente, enigmaticamente, o
controle remoto perdido.
Más línguas dirão que o problema da
minha casa é falta de organização. Não vou me deter a dar mais explicações na
tentativa de convencer os incrédulos, até porque nem tenho tempo hábil para tal:
dessa vez, o buraco negro sumiu com o carregador do meu notebook e a bateria
está por um fio, mas prometo que, assim que ele reaparecer, eu volto.
Um comentário:
Rindo muito aqui. Me identifiquei bastante. Lembrando da "macumba da máquina de levar que some com meias. Sou chata e só coloco na máquina os pares juntinhos. Tenho TOC se desaparece fico 'tonta'...
Seus textos sempre são ótimos.
Postar um comentário