Confesso: matei.
Matei. E, apesar de admitir tê-lo matado,
insisto, não cometi crime algum: sei que mereço perdão. Ele estava
ali, sempre, sem jamais dar trégua. Importunando, cheio de malícia, insinuando
coisas perversas, pavorosas, alimentando mesquinharias. Estava me
enlouquecendo. Como eu podia continuar a conviver com aquilo? Como eu podia não
me rebelar contra tanta nocividade? Ele era inconveniente, arbitrário. Se perdi a cabeça ou se finalmente recuperei meu juízo, não sei dizer; o fato é que matei.
Antes de me condenar, porém, me
ouça. E acredite: tentei, de todas as formas, evitar que o pior acontecesse. E por
um longo tempo, evitei. Insisti para que fosse embora, seguisse seu caminho,
lhe disse várias vezes que jamais seríamos felizes juntos, nós que sempre
desejamos vidas tão diferentes. Eu costumava ser uma pessoa pacífica; a presença
dele, porém, aquela convivência diária causava, dentro de mim, tanta
instabilidade que eu mal me reconhecia. Pedi
que se modificasse. Implorei para que repensasse seu modo de ser, bastava olhar em
volta para ver o quanto seu temperamento difícil tornava tudo amargo, sombrio. Ele,
porém, jamais me deu ouvidos, jamais. Continuou neurastênico, agarrado àquela existência
biliosa como um náufrago se agarra a um bote salva-vidas, tornando meu mundo
escurecido e superficial como uma cova rasa. Quem pode me julgar? Ninguém. Não
conheço ser humano que, no meu lugar, não tivesse feito exatamente a mesma
coisa.
Planejei tudo. Há muito desejava matá-lo.
Imaginei-me fazendo isso de todas as formas possíveis. No fim, decidi que o
faria olhando nos seus olhos, para que ele, antes de morrer, enxergasse nos
meus que eu não sentia qualquer tipo de remorso. Matei-o com um só golpe, e não
foi difícil como eu imaginava – sei tal confissão me faz parecer fria e
calculista, mas acredite: não sou. Tenho bom coração. Sou das pessoas mais
humanas que conheço, não tenho coragem de maltratar vivente de espécie alguma –
mas o que fiz a ele está feito e, se preciso fosse, faria novamente. E me sinto
mais leve, finalmente me sinto livre para viver em paz. Estou em paz, porque
matei. Matei, sim, o Ódio, e não me arrependo.
4 comentários:
Assassina!
Hahahah
Nesse casso morreu o Ódio, mas acredito que Ódio é algo que nem deveria nascer.
Seus textos sempre prendem.
Tem faltado tempo para acompanhar o blog, mas vamos ver se leio o livro inteiro :)
Bjs
Marcos, o pior é que às vezes nasce. E cresce. E reproduz. Mas, ainda bem, morre.
Espero que você leia o livro todo. E espero que, além de ler o livro todo, você goste! =)
Beijos
Fascinanda por teus escritos! Que facilidade de jogar as palavras!
Ah amei o blog! E adoraria vê-lo no meu tbm!
www.cronicasdeanjos.blogspot.com
bjo
Muito bom!
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