Há alguns anos, abri mão de ter empregada doméstica porque não vi muita razoabilidade em pagar uma
pessoa para fazer algo que eu mesma faço, e tão bem quanto.
Mentira. Ficar sem empregada doméstica, àquela altura do campeonato – com uma
rotina de trabalho insana, um filho de três anos, um cachorro indomesticável e
um corpo a caminho dos quarenta, que pode até ter boa vontade, mas,
indiscutivelmente, já não tem o mesmo pique de alguns anos atrás – foi uma
questão de caixa. Não que a mudança na legislação trabalhista das domésticas
tenha me surpreendido: assinar carteira, pagar hora extra, recolher FGTS e combater a informalidade eram rotina na minha vida muito antes da
PEC que regulamentou os direitos dos trabalhadores domésticos. A verdade é que,
mesmo exercendo uma função pela qual sou relativamente bem remunerada, o
amontoado de contas a pagar no início de cada mês fazia meu salário se
transformar rapidamente em nada mais que uma vaga lembrança na minha conta
bancária; colocadas todas as despesas na ponta do lápis, abrir mão da funcionária me renderia uma economia mensal de quatro dígitos, e anual de cinco. Analisei
todos os prós e contras e cheguei à conclusão de que seria perfeitamente
possível dar conta do serviço da casa já que, trabalhando fora o dia inteiro
e com o filho na creche, não nos sobraria muito tempo (nem energia) para fazer
tanta bagunça; a rotina seria, mais ou menos, chegar em casa, passar uma
vassoura, lavar uma loucinha, colocar a roupa na máquina para lavar e deixar o
“grosso" para o fim de semana. Tudo muito harmônico. Até cheguei a pensar duas
vezes, mas a possibilidade de ter um dinheirinho sobrando venceu. E a minha
vida, que já não era lá um exemplo de calmaria, ao contrário do que eu
imaginava, virou definitivamente de pernas para o ar.
A primeira semana sem a funcionária não foi tão ruim – eu estava sob efeito da
empolgação inicial e a casa ainda permanecia razoavelmente organizada, a ponto
de me fazer acreditar que tinha me preocupado à toa. Chegava do trabalho, fazia
o jantar, lavava a louça, varria a casa e passava uma flanelinha nos móveis
para tirar o pó, e a máquina dava conta da roupa suja da semana. Nem percebi
que, pouco a pouco, as roupas começavam a se acumular à espera de que eu me
encorajasse a encarar um ferro de passar somado a algumas horas de pé, e que
meus armários, estantes e banheiros, em questão de dias, pareciam ter sido
varridos pelo furacão Katrina. Intensifiquei o ritmo e passei a limpar, limpar,
limpar – mas, se minha boa vontade era grande, a falta de jeito e familiaridade
era infinitamente maior, e eu tinha a impressão de que tudo estava sempre
caótico. Precisava dividir meu pouco tempo extra entre cozinhar, limpar, lavar,
passar, ser mãe, estudar e, ainda, encontrar alguns minutos para cuidar de mim
– o que foi me deixando cansada e mal-humorada porque, afinal de contas, mesmo
acostumada a fazer várias coisas ao mesmo tempo, não fiz curso de Mulher
Maravilha. Pegar o jeito das coisas não foi fácil; foi um típico “caminho das
pedras”, que me fez ter certeza de que a mudança na legislação dos trabalhadores domésticos
já veio tarde (e que eu gostaria de de ganhar, além de um cachorro autolimpante
e de um robô igual àquele da família Jetson, uma PEC que, diante de tanto
esforço, legalizasse, como um direito “politrabalhista” legítimo e inalienável de toda Mulher
Maravilha diplomada ou não, meu lugarzinho no paraíso). E, passado o primeiro
mês, e o segundo, e o terceiro, finalmente, vi minha vida sem empregada doméstica entrar
nos eixos e passar de caos a uma experiência enriquecedora e (pasmem) prazerosa,
até.
Hoje, além de cumprir minha jornada profissional formal de 40 horas por
semana, sou minha “personal” faxineira, cozinheira, office boy e, muitas vezes,
cabeleireira e manicure (porque o tempo que eu dedicava indo ao salão duas
vezes por semana, agora, é dedicado a
preciosas, merecidas e ansiosamente aguardadas horas de descanso, leitura,
lazer e mimos pessoais). Se compensa? Compensa, quando vejo que o gás de
cozinha dura mais, a conta de energia caiu em mais de 30% e a do supermercado
também diminuiu consideravelmente depois que aprendi a comprar os produtos
certos e a utilizá-los sem desperdício – eu não fazia ideia de quanto podia
durar um frasco de detergente de louças, ou um litro de amaciante de roupas, ou
um quilo de sabão em pó, até essas coisas passarem a fazer parte da minha
rotina. Nem sempre consegui guardar a grana, mas
ninguém pense que torrei o dinheiro com futilidades – ao longo desse tempo all by myself (que deixou de ser all by myself depois que conheci meu atual marido, o qual se mostrou, além de um príncipe encantado, a mola mestra no que se refere aos cuidados com as crianças e com as tarefas do lar), consegui, entre outras coisas, trocar o sofá, comprar a mesa
de jantar dos meus sonhos, refazer a cozinha, investir em um carro melhor, financiar parte da nossa casa própria, quitar várias
continhas e investir em uma série de itens que fazem a vida de qualquer dona de
casa parecer um comercial de Veja.
Apesar de não ser a Mulher Maravilha, nesses anos sem empregada doméstica, acredito que tenho me virado muito bem. Estou pensando em me dar de presente uma folguinha
para voltar a malhar em uma academia, e não apenas entre baldes, panelas e
produtos de limpeza. Ao contrário do que algumas pessoas podem imaginar, não
encaro ter que arrumar minha própria bagunça como castigo:
cuidar da casa virou quase uma terapia. E aprendi a organizar não só o meu
espaço físico, mas também meu tempo, meu dinheiro, minhas prioridades e, por
tabela, até minha própria vida. Ficar sem empregada doméstica, longe do que muita gente supõe, não
foi o fim do mundo, e sim o começo de uma rotina que me ensinou, entre outras
coisas, a otimizar meu tempo e a ser ainda mais prática e independente. Porque
nos dias de hoje, se duvidar, até a Mulher Maravilha deve ter um pezinho na
cozinha – e insistir em manter os pés fora do chão pode custar muito caro. Em todos os sentidos.
3 comentários:
Olá moça bonita...rs
Fazia tempo que não conseguia tempo de passar daqui com calma, as coisas andam corridas por aqui também.
Parabéns pela nova rotina, pelas novas aquisições e conquistas; parabéns por mais uma vez mostrar que a melhor forma de conseguir as coisas é não parando no primeiro obstáculo.
Te confesso que estou com um medinho (bem grande) de não dar conta ano que vem quando casar e tiver que cuidar da casa sozinha, mas com certeza vou ter sempre em mente esse post ;)
E que venham os novos desafios, e com eles novos posts e superações. Beijos
Fla! Ameei!! Admiração por vc ❤ beijos Fabíola
Amei o texto.
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