"Guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta.
Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."
C. F. Abreu em Existe Sempre Uma Coisa Ausente
Soundtrack: Glen Hansard & Marketa Iglova - Once
Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."
C. F. Abreu em Existe Sempre Uma Coisa Ausente
Soundtrack: Glen Hansard & Marketa Iglova - Once
Talvez seja na beirada de um sonho que o mundo acaba, eu não sei. Talvez não acabe e vire coisa diversa, como quando a gente fecha os olhos e descobre uma esquina no canto das pálpebras, é ali que tudo começa mesmo quando termina e cada chance laceia a vida pelos ombros como quem diz “fica, que eu vou cantar pra te fazer dormir enquanto lá fora ainda faz frio, deita aqui”. Talvez, e só talvez, haja pintado em alto-relevo sobre a palma da nossa mão um instante onde viver não sangre, e seja leve carregar nas costas cada pequena fome de amor, e aquele destino parado diante do portão de casa, aquele que um dia foi possível, ainda esteja lá à tua espera, e quem sabe à minha espera, em silêncio, deitando os olhos sobre o ruído das palavras caídas sobre o batente. Eu queria, sim, voltar no tempo e quem sabe cruzar contigo no meio da rua, e te convidar para um café num dia frio e adocicado como aquele do primeiro inverno em que nevou flores, eu guardo ainda algumas pétalas entre as páginas do livro que nunca escrevi. Eu guardo, ainda, mas é um passo em falso quem me leva para casa, onde fica o nosso lugar eu me lembro e não alcanço mais. Talvez seja na beirada de um sonho que o mundo acaba; talvez, e só talvez, não acabe e vire coisa diversa e se incorpore no corpo feito cicatriz, volátil imprecisão é o destino. Eu só preciso aconchegar os pés um pouco mais nessa certeza enevoada que saber demais é desvantagem, e quem sabe o mundo não acabe e sim comece quando a gente abre os braços e enfim se atira.
Eu aprendi a me atirar quando te dei as minhas asas.