sábado, 21 de novembro de 2009

Quando O Que Se Tem É Tudo Que Se Tem

Pensei: vou morrer.

Porque acreditei que não agüentaria esperar o minuto seguinte, eu que deliberadamente não aprendi a ser paciente, eu que não compreendo nem faço questão de crer nessa coisa misteriosa e absolutamente incerta e abstrata chamada futuro. Porque eu respirei e o ar me fazia doerem os ossos e a minha cabeça pesava sobre as idéias que eu tivera e ainda mais sobre as que eu não tivera, a minha cabeça pesava pendular e disciplinada e era como se naufragasse sem resistência entre os meus passos, eu andando em círculos sobre o tapete da sala, indo e vindo, e indo e vindo, e indo e vindo, indo, aonde eu jamais saberia dizer. A mim, talvez. Eu que há tanto tempo apenas desejo meu coração em paz, e não me lembro onde nem em que momento ele ficou para trás. Eu que sofro e choro e rio e me maltrato e me desfaço em rotas internas de complexidade irremediável, eu, intratável, eu que tenho tanto fascínio por profundezas e que, por isso mesmo, agonizo naquilo que é raso, pensei: vou morrer. Hoje. E não desejei que fosse diferente, mas morrer de uma morte macia, embora contundente, sem impressionismos. Nada disrítmico. Nada que me fizesse sentir entorpecida; desejei, exigi, uma morte consciente, assim, meio amarelada, do tom exato das serenidades antigas. E morri. Eu, a intratável de coração perdido num dia que ainda não chegou. Sem pedir licença para ir embora. Sem traje bonito, sem óbolo sobre a língua, sem arrependimento ou confissão. Sem documentar a minha morte, com a discrição elegante dos que jamais perdem a hora da chegada ou da partida. Morri dispensando boas intenções e ladainhas e sinos e beatitudes e o sétimo dia, e tão definitiva e imperceptivelmente que ninguém percebeu, além de mim, que eu já havia nascido de novo.