soundtrack: Lorene Scafaria - We Can't Be Friends
Você, aquele seu olhar de pureza,
sempre me desnorteou. Você tinha nos olhos aquela coisa de pureza, uma coisa
muito louca, eu olhava pra você e pensava que parecia um anjo, e eu, que nunca
acreditei em Deus, flagelava minha descrença até ela quase se transformar em fé, e deve ter se transformado, por alguns segundos, algumas vezes, desconfio.
Não o suficiente para que eu desejasse o paraíso, nessas horas eu desejava
apenas que você jamais deixasse de olhar para mim daquele jeito, mesmo quando
você me beijava a boca, a nuca, e as suas mãos seguravam os meus seios com uma
delicadeza morna e úmida, uma delicadeza desistindo de ser lúcida, e a minha pele quase virava a sua – eu aceitava o fim
do mundo e o meu próprio sem receio ou barganha porque aqui, nesse lapso efêmero onde
somos carne e sangue e osso entremeados de absurdas repercussões sensoriais, eu
pertencia a você e você e você a mim, ninguém sendo dono de ninguém, nós apenas
nos descobrindo, redescobrindo. Cobrindo-nos de profundidades. Ainda durmo sem
travesseiro e com os pés para fora da cama – mas, desde que você se foi, minha
pele não se acostuma, e os cantos da casa me olham inquisitivos, atônitos, eu,
blasé, mentirosa, respondo: é a vida. Não é a vida, meu amor, não é. Não é a
vida, é a minha descrença despencando em queda livre na vontade reprimida de que exista
de fato um Deus, uma força, uma entidade que faça todo o transitório ser menos
hostil sem você. Porque a vida é transitória, relapsa e insinuadora de desvios.
E a minha descrença, permanente e vígil como qualquer promessa de eternidade,
se fere inteira em cada “e se”, e eu não consigo mais secar suas feridas. Ou,
talvez, não queira.
A verdade é que não acredito em
paraíso. Mas em nós, eu acreditava.