domingo, 26 de dezembro de 2010

Uma pequena nota.

Que não pretende ser uma despedida formal nem um bilhete suicida.

Mas que vem para registrar que não vamos nos ver por algum tempo - que pode ser longo ou curto, eu não sei, mas que se faz necessário porque são mesmo necessárias pausas e retiros nessa existência nossa de cada dia, mesmo daquilo que a gente mais gosta e sente falta.

Muitas coisas aconteceram na minha vida nesse último ano. Algumas maravilhosas, como a maternidade, outras terríveis, como uma série de decepções pessoais que não valem a pena lembrar mas que não consigo esquecer. Mudanças demais em tempo de menos, o que me tirou algo que sempre julguei intocável: o pensamento.

Então, cuidem daqui como sempre cuidaram. Estejam por aqui, como sempre estiveram. Permaneçam amigos, como sempre foram. Apareçam para um café ou para uma palavrinha. E obrigada, de coração, por tudo o que aqui me ensinaram e proporcionaram.

Amo vocês.



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Da Pequena e Dolorosa Impropriedade de Não Sangrar Até Viver

"Then share thy pain, allow that sad relief;
Ah, more than share it! give me all thy grief."

(Então compartilha a tua dor, permita que se alivie a tristeza;
Ah, mais que compartilhá-la! dá-me todos os pesares.)

Alexander Pope - Eloisa to Abelard

Soundtrack: Russian Red - Gone, Play On





Hoje, estranhamente, eu quereria sofrer.

Quereria uma dor que me cortasse a carne. Dilacerante. Súbita. Agônica. Feita de infinitas dores menores, aquelas todas que teimei um dia em não sentir ou em não vivê-las com a entrega que mereciam de mim. Uma dor implacável, uma dor agigantada pelo meu próprio medo de sentir dor.

Hoje eu quereria uma dor de coração em frangalhos e choro devastado, de mãos e pernas trêmulas e espasmos de corpo inteiro e joelhos feridos da queda – sem lenços, sem consolações, sem ofertas de ombros ou amparo, sem, sem, sem. Pelo chão, um a um, crises existenciais, mecanismo de luta e fuga, papéis em branco e rabiscos imaginários. Uma dor egoísta: inteira minha. Uma dor que me possuísse com a fúria das dores rejeitadas e menosprezadas que vêm para cobrar seu tributo quando a fragilidade nos assola e não me atreveria novamente a escorraçá-la, venha, eu te acolho nos meus braços suados; apenas me esgote e me anestesie até que eu nada sinta e, então, se despeça com um beijo torto e saciado e vá embora exatamente como veio. De uma vez.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Carta a Samuel



Oi, filho.

Eu gostaria de ter-lhe escrito esta carta há mais tempo; desde que soube que você, meu sonho mais bonito e mais ansiosamente sonhado, finalmente, passara a existir. Algumas coisas, no entanto, acabaram por me atropelar e fui involuntariamente protelando a planejada cartinha. Perdoe o relaxamento da sua mãe. Com o tempo, meu querido, você perceberá que essa sua mãe é mesmo assim: meio com a cabeça em todos os lugares, meio em lugar nenhum, tanta coisa para fazer nesse mundo que você ainda não conhece mas que já o espera como se fosse a sua chegada o sentido de tudo que carece de fazer sentido, é assim que parece ser ao menos dentro do coração da sua mãe. Não se assuste com as confusões que este mundo, provavelmente, trará à sua cabecinha: à primeira vista ele parecerá estranho e difícil, mas haverá muita gente ao seu lado para lhe mostrar que, apesar de estranho e difícil, esse mundo o espera com muito amor. Não tenha medo.

A sua mãe, meu querido, veja que coisa, nascerá junto com você; a sua mãe, até hoje, era apenas uma menina crescida, sem grandes pretensões e responsabilidades. É você quem a está transformando na mulher que ela sempre acreditou que fosse capaz de ser. Seja paciente com ela. Não ria do jeito desajeitado que ela tem de demonstrar amor. Ou melhor, ria: a sua mãe, certamente, rirá junto com você e será ainda mais feliz nesse mágico instante de descontração e cumplicidade. A sua mãe espera por você como quem espera pelo momento em que nós, pobres seres humanos, frágeis, fugazes seres humanos, nos damos conta de que tudo o que vivemos, e tivemos, e sofremos nessa vida valeu a pena. E tudo valeu a pena, meu querido, por você.


Amor, da sua mãe.


sábado, 7 de agosto de 2010

Segundo Domingo de Agosto


Assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido.

Soundtrack: Bird York - In The Deep




- Oi, mãe.

O filho de Luci a desperta com um beijo, já esquecido da sensação estranha da véspera. Era mais difícil quando criança; depois entendeu que Luci era mãe pai, e duas vezes cada um – ela tinha trauma de parto e nem a análise a encorajara a gerar uma criança mas tinha instinto de mãe, seu amor gerara aquele seu filho. O menino era ainda piá que mal sustentava as pernas e já sabia que seu primeiro lar não fora o corpo de Luci, mas que o lar definitivo seria para sempre ao lado dela. Sabia-se amado, piá de sorte. Foi na escola que descobriu que, além de mãe, existia aquilo de pai, ele que até ali acreditava que pai era só Deus, que ele nunca tinha visto mas Luci afirmava que Deus existia e ele não duvidava, Luci não mentia. Só que havia para cada menino um homem de carne e osso que ele via e os meninos gostavam e ficavam orgulhosos exibindo aqueles pais que não eram Deus mas que os levavam pela mão de volta para casa, ele se sentia diferente. Depois, muitos anos depois, entendeu. Era mesmo diferente, seu pai era uma mulher, era também Luci, pai homem fazia falta e sempre ia fazer, mas Luci era Luci e pronto. O filho de Luci a desperta com um beijo e lhe prepara o café da manhã, e lhe entrega o presente cuidadosamente embrulhado em papel colorido e atado com fita de cetim, “feliz Dia dos Pais, mãe”. Sabia-se amado, piá de sorte.

Na casa da avó, Victor assiste aos desenhos animados esparramado no tapete da sala, com os pezinhos descalços aproveitando o dia morno, esquecidos de que ainda era inverno. O pai leva-lhe um pedaço de bolo e instintivamente se detém a alguns passos para observar o menino. Conheciam-se há poucas semanas. Não fora fácil aceitar o fato de que ele era, realmente, seu filho, esperara mesmo que o resultado do teste de paternidade fosse negativo; o primeiro encontro entre ambos não havia sido muito confortável, o menino se atirara no seu colo e ele se sentia avesso para abrir-lhe os braços, era uma completa desconhecida aquela criança. Victor. Durante cinco anos só conhecia dele o nome. O menino parecia não se importar com as esquivas do pai; contava histórias, inventava passeios, perguntava coisas que ele fingia não ouvir ou respondia monossilabicamente. Não era nada fácil amar um desconhecido. Na noite daquele primeiro dia, foi até à varanda sozinho para respirar um pouco. Perdeu a noção de quanto tempo ficou por ali; só se recobrou quando percebeu Victor parado a sua frente, os olhos graúdos sob cílios compridos a analisá-lo demoradamente. Quis levantar, mas o menino estendeu as mãos – tão iguais às suas! – e tocou a barba crescida do pai, que permanecia petrificado, por alguns segundos. Em seguida, se sentou sobre suas pernas e debruçou a cabeça em seu colo. O homem sentiu o coração bater acelerado quando o menino lhe enlaçou o pescoço e disse, com toda a suavidade:

- Sabe? Eu gosto de você. Você é igualzinho ao que eu achava que você era.

Quando deu por si, os braços já haviam se aninhado em torno do pequeno. Naquele abraço, quem sabe, já havia amor. Deixou que o menino adormecesse e o levou com cuidado para a cama, para que ele não acordasse. Chorou em silêncio, tanto rejeitara aquele filho. O mesmo gosto de choro lhe voltou à boca enquanto observava o menino estirado no tapete da sala, absorto diante da televisão. Os pés, tão iguais aos seus. Victor. O garoto inclina levemente a cabeça para o lado, percebe a presença do pai, levanta e o pega pela mão, o faz sentar no tapete, deita a cabeça no seu colo, sorri. O homem acaricia os cabelos do filho, sem pressa – era apenas o primeiro domingo de muitos. Victor. Não era tão difícil assim amar um desconhecido.

Devia ter ligado para o pai no início da manhã, não ligou. Há exatos trinta e três dias o pai lhe telefonara pra dar os parabéns; fora seu aniversário. Passara a semana inteira angustiada pensando no que diria quando ele atendesse ao telefone; há muitos anos não se falavam, o primeiro e único contato havia sido aquele telefonema. Sentiu o coração acelerar quando reconheceu o número do pai no display do celular e lhe faltou coragem para atender à primeira ligação, teve medo que ele não insistisse, ele insistiu, chamou outra vez. Ela atendeu porque André estava ao seu lado segurando sua mão; amava André O pai dizia do outro lado da linha que a amava, percebeu que havia bebido um pouco, a voz era pastosa e pequena, “meu Deus”, pensou, “ainda nem é meio-dia”. O pai dizia do outro lado da linha que a amava, sabia que havia bebido para ter coragem. O pai tinha agora outras duas filhas que ela não conhecia nem queria conhecer, em parte se sentia magoada e substituída. Lembrava-se do pai abstêmio da infância, era o homem mais bonito que já havia visto. Era, também, o mais inteligente e atormentado. Todo mundo dizia que eram muito, muito parecidos; o mesmo sorriso, o mesmo jeito de andar, os mesmos olhos sonhadores. A mesma personalidade atirante. Tinha medo de ter o mesmo destino que ele. O pai era brilhante, sucumbira. Devia ter ligado para ele no início da manhã, sabia que estaria esperando por ela. “Oi, pai, como vão as coisas, liguei pra te dar os parabéns, se precisar de alguma coisa é só dizer”, ele ficaria feliz porque ela, a filha doutora, a primogênita, se lembrava, “eu te amo” daria nó na garganta e ficaria ali, não sairia. Devia ter ligado, não ligou; estava trabalhando, cuidando da guria que tivera uma crise nervosa porque enterrara o pai naquele domingo de comemoração, e de Rodolfo, que perdera os dois únicos filhos há dois anos em um incêndio, e de Jaqueline, que entrara em trabalho de parto, e de tantos outros, cada um com sua história. André não estava ali para segurar a sua mão, ela amava André e amava o pai, a ambos tinha de uma forma estranha e dolorosa. Disca o número do pai, a enfermeira irrompe no consultório e convoca para uma emergência. Telefona pouco antes da meia-noite, o telefone chama até cair a ligação, alguns segundos mais e de repente já era outro dia. Chorou; sabia que ele dormira esperando, entristecido por acreditar que ela não se importava, ela que tanto queria dizer “eu ainda sou a sua menina, pai”. Deitou o corpo no sofá da sala e adormeceu com o rosto ainda molhado.

E em poucas horas findava o dia e chegava a segunda-feira para o rosto molhado da amiga de Luci, Nívea, que amava o pai de Victor, André, que já não estava lá mas que segurara sua mão quando Antônio, seu pai, lhe telefonara no dia de seu aniversário. E assim chegaria a terça, a quarta, a semana que vem, o mês dali a cinco meses e o oitavo mês do ano seguinte, cada dia com sua história de amor guardado ou recém-descoberto, humano e imperfeito, esperando para ser vivido e correspondido no segundo domingo de agosto de um ano qualquer.


*Leia também: Homem e Menino


Gente: Feliz Dia dos Pais, para todos vocês. A resposabilidade de que este seja um dia realmente feliz é de cada um. Felicidade não cai do céu: é preciso semear e cultivar, diligentemente. Que cada semente plantada por cada um de nós - independente de sermos (e termos) ou não pais, mães, filhos ou solitários na multidão - floresça e frutifique não só neste dia, mas em todos os dias das nossas vidas.

Beijos a todos!



segunda-feira, 26 de julho de 2010

Polaróide

tudo dito,
nada feito,
fito e deito.

(Paulo Leminski)

Soundtrack: Iron and Wine - The Sea and the Rhythm






Hoje, por um momento, pensei mesmo em lhe telefonar.

Eu, que algumas vezes mal me lembro da sua voz e, noutras, me espanto com a nitidez do seu timbre a invadir meu esquecimento e se aninhar nos meus ouvidos em minhas noites de insônia, pensei mesmo em lhe telefonar. Não me agrada nem um pouco dizer “oi”, nem perguntar trivialidades, nem me despedir; então, em resumo, nem sei por que motivo lhe telefonaria. A verdade é que senti que lhe devia isso: confessar que a tal foto – a mesma que lhe afirmei, com o rosto anuviado por um quase orgânico impulso de fingir a indiferença que nunca fui capaz de representar sequer razoavelmente, ter perdido num surto de voluntária displicência – ainda existe. A parte estranha é que, de fato, não senti necessidade de falar com você: a necessidade era de dizer nada e estar, beber esse tempo partilhado num copo de prata, sentir seu sabor encorpado no vermelho da língua. E, se tivesse de dizer alguma coisa, diria somente que aquela vontade que um dia senti de nunca soltar a sua mão ainda está acima dessa desfeita que você me fez: de arrancar de mim a parte sua que me fazia mais eu, eu era mesmo mais forte quando meu olhar desfalecia enxergando além do que jamais vi antes de aprender a observar o seu sorriso surgindo para se espraiar em todos os lugares que minha mente alcança. Ausente, sua boca ainda me fala daquelas histórias contadas com suave saliva que me partiam e partem ao meio, e se funde comigo, e vai virando esse instante que engole as horas e as cores daquela fotografia que tiramos no único dia que, para nós, não terminou, porque era feito das verdades que nunca nos dissemos; então, alheios a nós, intimamente desconhecidos de nós, naquele dia fomos felizes. Mas não ligue, nem se assuste e nem se impressione – a foto vai ficar exatamente onde está e o telefone também, isso logo passa, quem sabe é apenas melancolia. Ou saudade com meio palmo de língua para fora, cansada de ser.



quinta-feira, 22 de julho de 2010

Aquilo Que Um Dia Você Chamou de Amor

Dos amores idos, nem sempre esquecidos.

Soundtrack :José Gonzalez - Heartbeats



Aquilo que um dia você chamou de amor bateu na minha janela ontem à noite, acometido de uma palidez que me surpreenderia se eu já não o soubesse meio borráceo como um desenho velho de giz, os olhos atônitos desprovidos do brilho que costumavam ter, um desassossego fosco, uma ausência súbita e irreversível. Não sei explicar, mas algo havia de tão comovente ali, naquele conhecido há tanto tempo distante e que reaparecia diante de mim de forma assim inusitada, que eu não soube o que fazer. Desejei convidá-lo a entrar e fazer perguntas calorosamente desnecessárias, um “como vão as coisas” ou “chá ou café?” ou ainda assentir, por educação ou amizade, que sim, me recordo de coisas que absolutamente já não me dizem coisa alguma; ou lhe perguntar se estava tudo bem, se tinha onde ficar, se desejava passar a noite ali pois eu ainda me lembrava: aquilo que um dia você chamou de amor tinha aversão a frio e, de fato, suas mãos tremiam, enluvadas pela temperatura incerta daquele reencontro. Desejei coisas tantas, todas tão cordiais. Aquilo que um dia você chamou de amor estava parado do lado de fora da minha janela no meio da noite e, pasme, embora tão dissolvente, ainda se parecia tanto com você. E eu, que há muito tempo deixara de parecer comigo e me espantara muito com o fato de que ele me reconhecera em meio às tantas outras “eu” que já haviam passado por mim, nada fiz. Nada disse. Apenas o olhei de frente, longamente. Como alguém que oferece, ao punhal, o peito e uma rosa. E anônimo, confuso, quieto, aquilo que um dia você chamou de amor se afastou com a dignidade dos que não pertencem mais ao seu próprio passado e a segurança dos que desconhecem seu próprio destino, sem olhar para trás. E acredite: já não tremia.



sábado, 3 de julho de 2010

Algo Parecido com Você

Cadê eu?

...perguntava-me.

E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e
categoricamente: tu és tu mesma.

(Clarice Lispector)

Soundtrack: Natalie Walker - Urban Angel






Fazia tanto tempo que eu não saía para andar à toa. Desde você. Nem lembrava mais como era essa disciplina de um passo de depois do outro sem necessariamente precisar de direção, a cidade estava lá, inteira, eu só lhe roubaria algumas ruas e ela nem daria falta e eu sou ainda muito justa: empresto, devolvo, intacto. Como no dia em que emprestei seu carro e saí sem fazer barulho para comprar cervejas. Dezesseis para as quatro, se não me engano. Descalça. Clichê, enrolada no cheiro do seu sono. Tarde quente aquela, como nunca houve outra desde que descobri que era uma catarse ver você dormir com os lábios quase imperceptivelmente entreabertos de quem balbucia um desejo sonhado. Energia medida em quanta. Ainda hoje eu não teria coragem de interromper seu sono; a gente dorme, acorda, dorme, acorda, dorme e tudo que quer é desentender que a vida é paga com juros e parar de lembrar de despedidas, o sino da igrejinha velha, lembra?, acabou de tocar, sete badaladas – sete horas, sete dias, sete anjos, sete selos, sete palmos, uma alma vai, outra vem; sete e um. Escurece por onde volto sob um tempo que se fecha e fica tão bonito assim, cinza, sempre gostei de exceções. Ouvi dizer que vão cortar o pinheiro da rua de cima porque cresceu demais e pode desabar, tudo o que cresce demais vira uma ameaça – é assim com saudade, raiva, medo, amor. Amor. Você cresceu demais mas não me importo, portanto desabe sobre mim e outra vez me acaricie as costas com o peso de toda história nossa que cabe nas suas mãos sem medo de me machucar, sou forte o suficiente para você. Para nós. Para quem fui, para quem me tornei – algo parecido com você, sempre que me lembro, e me lembro sempre do seu modo de segurar a xícara e de caminhar de manhã e de abrir um livro numa página qualquer e de, e de, e de. E de. Está tão calmo aqui. Volto para casa debaixo de uma chuva fina, abro a porta, olho o relógio na parede, sete e meia, noves fora zero e resta um: eu. Ainda faltam cinco minutos para mim.

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Depois de um hiato de 4 meses - em que estive ausente curtindo a gravidez e tocando projetos profissionais - eis que o "Sabe de uma Coisa?" está de volta. Agradeço a todos que permaneceram visitando este espaço mesmo durante o tempo de quiescência, aos que mandaram mensagens de "volta, Flávia!" e àqueles que, mesmo distantes, sempre curtiram este blog tanto quanto eu. Obrigada, e bem-vindos todos!


sábado, 30 de janeiro de 2010

Todas as Canções São de Amor

Para você, todo amor que houver nessa vida.

Soundtrack: Frejat - Amor Pra Recomeçar





Eu ainda não conheço você. Não sei se os seus olhos são castanhos como uma tarde repousada sobre a noite que ainda caminha sobre as horas, ou de algum outro tom entre a tranqüilidade e a inquietação. Não conheço ainda a sensação do toque as sua pele, eu que desejo tanto tocá-la. Não conheço ainda a sua risada; não conheço seus tiques, suas manias, a textura do seu cabelo cuja cor também desconheço.

Não sei se você gostará de Português ou Matemática. Não sei se preferirá azul ou amarelo; cachorros ou gatos; maçãs ou peras; brigadeiros brancos ou pretos; leite gelado ou morno. Se gostará de livros. Não sei o que quererá ser na festa de aniversário; não sei o que quererá ser quando crescer. Se terá medo de escuro e pedirá para deixar acesa a luz do armário na hora de dormir; se escreverá cartinhas ao Papai Noel ou se terá uma verve mais moderninha e esperará sem grandes superstições pela primeira bicicleta.

O que eu sei é que já há tanta coisa que gostaria de dizer, e sei também que todas essas coisas virarão apenas um silêncio bobo e emocionado quando eu olhar para você pela primeira vez. O que eu sei é que eu estarei ao seu lado na sua primeira cólica, na sua primeira gripe, na sua primeira febre, no seu primeiro passo, no seu primeiro tombo, na sua primeira palavra, no seu primeiro dente, no seu primeiro dia de aula, no seu primeiro amor, na sua primeira desilusão, e em quaisquer outra situações – porque eu ainda não conheço você mas já carrego você dentro de mim, e dentro de mim, além de você, carrego um amor que é o maior do mundo e que já é todo seu, eu que ainda não conheço a sua voz mas sei que ela será, para mim, todos os dias, a música mais doce, porque, com você, todas as canções são de amor.


O texto mais especial da minha vida para alguém
que existe há apenas 5 semanas e 1 dia, mas que já
é a pessoa mais especial da minha vida: meu filho.




domingo, 10 de janeiro de 2010

Porta-Retratos

"Que te dizer? Que te amo, que te
esperarei um dia numa rodoviária,
num aeroporto, que te acredito, que
consegues mexer dentro-dentro de mim?"


(Caio Fernando Abreu)

Soundtrack: Maxi Priest - Fields of Gold





Lembro de quando decidimos reinventar essa coisa toda de destino e, sem resistência, encantados com a idéia de domar o incerto, redesenhamos o imprevisível a lápis numa cartolina branca imaginária. Foi o desenho mais bonito que fizemos juntos, porque o fizemos de lábios colados naquela noite onde o que não era sonho era cumplicidade – e apenas a paixão adormecendo satisfeita entre as minhas pernas e os seus quadris quase tirava nosso sossego, num murmúrio de não necessidade de palavra, você e eu formados por um pedaço de cada atordoamento de amor errado que amamos nessa vida e, no entanto, tudo tão perfeitamente certo. Eu, enfiando o rosto no seu peito, encontrando ali a segurança do instante único em que o mundo para inteiro a fim de caber na palma da nossa mão; você, de olhos fechados e com o polegar me acariciando com suavidade uma unha – não o dedo, a unha, tão engraçado achei aquilo, e tão bom. Era a sua forma de declarar presença dentro da vida que eu ainda nem sabia que, dali em diante, seria a minha, e que nascia em silêncio enquanto eu observava o quanto o seu rosto ficava bonito daquela maneira, rasgando a penumbra como um facho de claridade de longos cílios. Lembro de como foi surpreendente nada mais ter importância. Foi a primeira vez em que não me desagradou não pensar e que acreditei que podíamos, sim, gozar esse mistério que é a felicidade absoluta, eu nem sabia se o que senti enquanto abracei o seu corpo morno e nu era mesmo felicidade mas era quase uma invulnerabilidade o que eu sentia; então acho que naquele instante eu completamente fui feliz, sim. Morno e nu, seu corpo. Escudo. Altar. Eu soube, ali. E nem precisaria muito mais para que aquele instante se perpetuasse, mas, confesso, guardei – num canto da minha memória que é o mais belo e enfeitado com o melhor que jamais houve mim – a tal cartolina imaginária e o desenho rabiscado, justamente o mais bonito, feito a quatro mãos, a lápis, a salvo do tempo, dos esmorecimentos e das desatenções.

É esse o quadro que beijo com carinho todas as noites antes de dormir.

Para L.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010