terça-feira, 26 de agosto de 2008

Dos Vícios Perdoáveis

A paixão é tal e qual um remédio tarja-preta.

E dizer isso não é desmerecer a paixão, nem tentar fazê-la parecer menos saudável e necessária. Mas é verdade que paixão vicia. Vicia tanto que ninguém sabe o que fazer quando, de repente, percebe que a cartela está vazia porque o miraculoso e costumeiro comprimidinho acabou no dia anterior.

É exatamente como um tarja-preta: doses individualizadas, porque há quem não tolere altos teores da substância assim, de supetão, circulando pelo organismo; diferentes formas de apresentação pois, enquanto algumas pessoas são capazes de engolir cápsulas e drágeas numa boa, outras precisam beber soluções, xaropes e emulsões, gota a gota ou de colherinha, e existe quem só funcione com a droga lançada sem delongas na corrente sanguínea, direto na veia. E os efeitos colaterais, ah, os inevitáveis efeitos colaterais: boca seca, sudorese profusa, tremores, visão turva, perda de apetite, rubores, vertigens, palpitações, fala embotada, insônia, episódios febris, delírios. Sintomas às vezes incômodos, fora de hora, de um descabimento homérico e transtornante, sem falar no perigo iminente da dependência – mas o remédio é dos bons, deixa a gente mais leve e disposta, vale a pena correr os riscos.

A paixão é, ao mesmo tempo, antidepressiva e ansiolítica, e os efeitos são imediatos. A pele fica mais viçosa, a circulação mais eficiente, o humor menos lábil, a libido mais aguçada, o raciocínio mais rápido, a gente agradece aos céus o bendito “doutorzinho” – ou “inha” – que acertou em cheio no tratamento, e não abre mão da abençoada prescrição por nada nesse mundo. Mas a “paixonina” é ainda mais psicotrópica que a mais potente das anfetaminas: circula livremente pelo organismo e estabelece circuitos de reentrada nos sistemas nervoso e cardiovascular sem sofrer a ação de nenhum mecanismo inibitório, e não há sistema de depuração enzimática que seja capaz de clivar as suas moléculas. É fácil se intoxicar de paixão. Difícil é distinguir com precisão o limite entre o terapêutico e o patológico. Não há antídoto contra a paixonina. O único expurgo cabível é o tempo, mestre na arte de eliminar os excessos e ressacas de paixões tumultuadas e inadvertidamente exacerbadas. É sentar, segurar a cabeça – e o coração – entre as mãos e esperar passar.

E passa. Mas há que se reconhecer a dependência e, sobretudo, há que se ter vontade e disciplina para lutar contra ela, pois as recaídas são freqüentes, massacrantes e terrivelmente... apaixonadas. É um longo e penoso caminho até que o dependente se torne definitivamente capaz de dizer “estou limpo”. Só por hoje, ao menos por hoje, ainda hoje limpo. A paixão se parece deveras com um remédio tarja-preta. É bom, é ótimo ter paixão circulante no sangue – em níveis séricos aceitáveis pelo Ministério da Saúde Sentimental. A gente tem que sorvê-la em doses quase homeopáticas, mas sempre bate aquele frisson de tomar o frasco todo pra curtir o barato lisérgico das paixões cavalares. Overdoses de paixão são tão fascinantes quanto constantes - talvez pelo medo de seguir à risca as recomendações e sentir, como resultado único, apenas uma coceirinha morna e desmilingüida no meio do peito. E aí a gente continua embarcando nessa viagem, sem moderação, sem preocupação. Até terminar o frasco e descobrir, num pasmo atônito, que o efeito passou e a receita se perdeu.


Publicado originalmente em abril de 2008

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Doce

Das luzes essenciais.


Os olhos eram meigos, dessa meiguice revelada a contragosto - dessa doçura que, apesar de arredia, insiste em ser doce. Riam o riso desabituado aos lábios que pouco se aventuravam a trilhar sorrisos. Às vezes a doçura ocultava-se entre as linhas da testa franzida, ocupada em vigiar que os olhos não se ameigassem tanto, mas volta e meia sobrevinha a distração e aquela cor castanha desanuviava-se num brilho derramado de lua crescente. Era bonito ver o rosto dele metamorfosear-se assim. Não que a seriedade lhe tirasse o encanto; porém, aquela transformação tão patente apesar de involuntária, aquela meiguice tanta que chegava a pendurar-se nos cílios e nos cantos da boca, aquilo tudo era único. Eu sempre me perguntei se era para mim que aqueles olhos sorriam ou se tais lampejos de doçura eram nascidos de algum sonho acordado que lhe afagava com suavidade o coração.


Uma doçura insistente em ser doce, apesar de arredia. Dessas que se escondem tímidas sob as pálpebras para se atirarem, num repente de confiança, nos braços de outros olhos, como faz uma criança que desiste de temer o frio e se oferece inteira à chuva. Dessas que se agigantam e vão tomando conta de tudo. Eram meigos, eram meigos os olhos dele - dessa meiguice revelada a contragosto, rebelde a reprimendas, fagulhada na urgência cristalina daqueles olhos vivazes. Eu sempre me perguntei se era para mim que aqueles olhos sorriam.


Eu sempre me perguntei, mas limitava-me a ficar observando - e perdia-me de bom grado nessa contemplação, até que meus olhos desistissem de ser meus e se mudassem nos dele, inteiramente apossados do meu rosto, este pouco a pouco tranfigurando-se num sorriso vermelho-abraço, meu de fato e dele por direito. Eram meigos os olhos dele. E eu sempre me perguntei se ele sabia que era por ele que eu sorria.

domingo, 3 de agosto de 2008

Recesso

Pois é, gente.

A partir de hoje, este blog está oficialmente em recesso - por tempo indeterminado. Os motivos dessa vez são vários, entre eles:

1) meu PC morreu de novo;

2) meu tempo para escrever anda cada vez mais escasso;


3) minhas idéias para escrever andam ainda mais escassas que o tempo cada vez mais escasso;

4) tenho uma viagem para fazer na próxima semana e só consigo pensar nisso;

5) o segundo semestre desse ano será integralmente dedicado à preparação para as provas de residência médica a serem realizadas no fim do ano pela blogueira que vos escreve - o que exigirá minha dedicação full time.

Sempre que possível, passarei por aqui e nos blogs amigos para matar as saudades. E comportem-se por aí.

Beijos!