quarta-feira, 25 de junho de 2008

13º Andar

"Entrou em pânico quando percebeu que ela, de fato, não respirava. A flacidez fria daquele rosto pequeno, de traços levemente orientais, de súbito assumira uma assustadora lividez, anúncio de uma realidade tão inesperada quanto irremediável. Morta. Sentiu o sangue congelando de imediato nas veias ao contato daquele corpo inerte, o coração prestes a se despedaçar tão descompassado se havia tornado. Adormecera bêbado ao lado de uma desconhecida no quarto mofento de um hotel vagabundo e acordava desagradavelmente sóbrio, nu, dividindo a cama com um cadáver – circunstância que o nauseava, embora não conseguisse se afastar dali e sequer desviar os olhos da mulher. Que teria acontecido? Perplexo, imerso numa desorientação que o mantinha preso ao colchão desarrumado com cheiro de bebida, observou o terrível contraste entre os cabelos escuros e a pele muito clara já vencida pela palidez mórbida da morte, os seios pequenos e rijos repousando sobre o peito imóvel. Morta. Não ouvira gritos, não notara quaisquer indícios de suicídio – ela não parecia mesmo o tipo de mulher disposta a se matar. Sem sinais de violência, sem marcas de qualquer natureza, sem nada. Absolutamente nada. Apenas morta.


Como se chamava mesmo, Virgínia? Vanessa? Valéria? Bianca? Nem guardara o nome, não o ouvira mais de uma vez desde que se haviam encontrado naquela boatezinha chinfrim de periferia. Ela era bonita, parecia uma índia de pele branca, o corpo apertado num vestido transpirando vulgaridade e luxúria, o desejo queimando nos olhos oblíquos semi-ocultos pelos cílios pesados de rímel. Fora dela a sugestão do hotel, fizera o convite em meio a beijos lascivos regados a muito álcool. Abriram a porta do quarto cambaleando, às gargalhadas, ela segurando nas mãos uma garrafa de tequila, ele já demasiadamente tonto, tentando arrancar-lhe o vestido. Beijos, carícias, goles, goles, goles. Depois mais nada, lembrança alguma. Apagara. Esforçava-se para compreender o que teria acontecido, o suor escorrendo pela testa gelada, a respiração ofegante e curta, o olhar acorrentado a um ponto situado entre o coerente e o inverossímil em qualquer lugar no encardido da parede, que teria acontecido? Tudo era confuso, borráceo, esdrúxulo, aquela mulher morta, aquela bosta de hotel, aquele embrulho no estômago, mistura de náusea, ressaca e medo, aquele silêncio de tumba violentado pelo som da sua própria respiração, que teria acontecido? O medo maior era de tê-la matado. Tornado-se um assassino. Por que mataria aquela mulher? Matara aquela mulher? Aquela merda de silêncio. Aquela merda de silêncio e de repente trrrrrrim! – chicoteando-lhe os ouvidos, sacudindo-lhe o corpo num pulo, a mão indo parar sobre o seio já semi-enrijecido, ele se assustando com a textura do corpo, nojo, náusea, medo, a bola no estômago irrompendo garganta afora, vou vomitar, banheiro, merda de telefone. Tarde demais, o peito sujo, o colchão sujo. Fétido, tudo fétido, o quarto, ele, ela, a situação, tudo fétido, tudo sujo. Tudo demasiadamente sujo. (...)"


Leia o final dessa história aqui, em Novas Visões. A gente se vê por lá ;)


E falando em ler, hoje tem postagem da Van lá no Palavras Para Aquecer. Uma linda reflexão cheia de delicadeza, sobre os pequenos milagres de cada dia - esses que nos aparecem disfarçados de pessoas, de acontecimentos, de momentos... sobre as chances que damos (ou não) ao nosso coração quando a vida nos coloca diante delas. Edu, Van e eu esperamos por vocês com um café quentinho para acompanhar mais essa fornada de palavras fresquinhas, desmanchando na boca e no coração de tão gostosas. ;)



Aproveitando pra agradecer à Aline pelo selinho LINDO, criado por ela própria, com o qual me presenteou: Este Blog É Estampado de Idéias Criativas. Muito obrigada, adorei a lembrança!

Repasso para: Lomyne, Ingrith, Ceisa, Rê e Nathália.





Beijos!

domingo, 22 de junho de 2008

Algumas Coisas Sobre Mim


Esse meme me foi passado pela Tâmara. Outro que eu já tinha visto e que achei bem bacana. Praticamente um auto-retrato. Vamos lá:

Eu quero: ser mãe.

Eu tenho: otimismo.

Eu gostaria de ter: um projeto social.

Eu gostaria de não ter: mágoas guardadas.

Eu acho: nunca acho nada. Eu acredito.

Eu odeio: deslealdade, superficialidade, preconceitos, gente que subestima a minha inteligência.

Eu sinto saudades: de tudo que é importante para mim. Sou assumidamente nostálgica e saudosista.

Eu faço: de tudo um pouco.

Eu fiz e não faria de novo: abdicar dos meus planos para viver os de outra pessoa.

Eu fazia e deixei de fazer: me preocupar com o julgamento das pessoas a meu respeito.

Eu escuto: Pink Floyd desde que eu estava na barriga da mamãe.

Eu cheiro: a flor e cheirinho de neném.

Eu imploro: nunca imploro.

Eu pergunto-me: "e se?" - devia riscar isso do meu vocabulário.

Eu arrependo-me: de não ter arriscado mais nessa vida.

Eu amo: infinitamente, incansavelmente, indiscutivelmente.

Eu sinto dor: quando traem minha confiança.

Eu sinto falta: da minha mãe. Mesmo que ela esteja no quarto e eu na sala.

Eu sempre: sorrio.

Eu não fico: sem música.

Eu acredito: em Deus.

Eu danço: o tempo todo - quando pareço estar parada, danço por dentro.

Eu canto: o dia inteiro, até em pensamento.

Eu choro: muito - mais por coisas boas do que por coisas ruins. Chorar de rir é comigo mesmo.

Eu falho: eu falho e isso é fato. Fazer o quê?

Eu luto: até vencer. Dou o sangue pelo que quero.

Eu escrevo: porque as palavras vivem aprontando dentro minha cabeça e eu preciso fazer alguma coisa útil com elas.

Eu ganho: mesmo quando tudo indica que perdi.

Eu perco: a paciência com gente mal-educada e metida a espertinha.

Eu nunca: volto atrás em uma decisão. Nunca finjo para agradar ninguém. Nunca bajulo. Nunca aceito menos do que eu mereço. Nunca priorizo quem não me prioriza.

Eu estou: indo, fazendo, buscando.

Eu sou: Flávia. Sem rótulos. Muito prazer.

Eu fico feliz: com pequenas grandes coisas.

Eu tenho esperança: eu tenho esperança. Eu tenho esperança. Eu tenho esperança.

Eu preciso: do simples.

Eu deveria: ser menos perfeccionista.


Repasso para quem estiver a fim de fazer, até porque muita gente que conheço já fez e sinceramente não consigo lembrar quem ainda não respondeu, rs.

Pra não dizer que não falei de música, John Mayer pra embalar essa penúltima segundona de junho.

Beijos e excelente semana!



Aproveitando a deixa pra fazer uns reloads:

1) O caso do Heliarly (lembram do caso do SENAC-ES?) tá tendo seus desdobramentos. Já virou até notícia de jornal. Espera-se uma decisão amigável mas, se necessário, nosso amigo recorrerá aos meios legais para solucionar a questão e assegurar seu direito a ingressar no curso de Web Design da instituição. Aliás, a galera do jurídico que estiver a fim de se manifestar e dar um apoio pode fazê-lo aqui ou no blog do próprio, a gente agredece de antemão;

2) Como tem muita gente me perguntando sobre layouts, vou preparar um post sobre o assunto e publicar ainda essa semana n'Os Bloguistas, com dicas de sites com templates prontos e outros que ensinam a customizar o próprio template. Aguardem;

3) Já leram o post do Edu no Palavras? Lindo. Recomendo.

sábado, 21 de junho de 2008

Das Coisas Que Eu Preciso Para Viver

Do (meu) mundo.

Soundtrack: Marisa Monte - Vilarejo



Eu preciso, para viver, morar em uma cidadezinha perdida no meio do nada, dessas com nome de santo, onde haja uma casa ludicamente pequena na qual eu possa criar todos os bichos e sonhos que baterem à minha porta.

Eu preciso, para viver, de um amor que me ame seja dia ou de noite, seja longe ou perto, porém imortal e pleno ao menos durante brevidade de um agora, posto que não existe o depois; um amor que me beije, que me fale, que me ouça, que me saiba; um amor que não adivinhe pensamentos, nem faça promessas, nem beire a loucura, mas que, apenas, seja um amor com a serenidade mágica dos amores cúmplices.

Eu preciso, para viver, de um refúgio seguro para resguardar a imaterialidade dos meus tesouros, de um horizonte no qual eu possa ver muito além do que há em mim, de um mapa em branco onde eu possa riscar um traçado de sonhos que me leve direto ao meu pote de ouro no fim do arco-íris.

Eu preciso, para viver, plantar um livro, escrever um filho, ter uma árvore.

Eu preciso, para viver, reconhecer meu rosto em qualquer espelho teimoso que insista em dizer que não me vê.

Eu preciso, para viver, ter a exata noção do meu lugar do mundo, bem como a dimensão do lugar do mundo em mim; eu preciso perder a noção de espaço, de tempo e de todas as limitações que me cerram os pulsos para, enfim, em um repente louco e há tanto desejado, abrir minhas asas e ganhar os céus.

Eu preciso para viver, que não me chamem anjo nem demônio; preciso apenas que me chamem – pelo que sou e, sobretudo, pelo que ainda posso ser.

Eu preciso, simplesmente, ganhar o mundo. O meu. E, nesse dia, saberei que nada mais me falta, pois terei, pulsando em meu peito, ao invés de um coração, a doce certeza de que tudo possuo, entre todas as coisas de que preciso para viver.


Publicado originalmente no extinto blog Cotidianidades em agosto de 2007.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Reformão, Meme, Presentes e Papo sério

Este blog foi presenteado pela Nathália com o selinho que ela mesma criou - "Este Blog Ameniza Todos os Meus Problemas Mentais", e pela : Porque Ter um Bom Blog Não Tem Preço". Tem até presente pro Espasmos, que foi lembrado pela Edna: "Este é um Blog Muito Bom, Sim Senhora!". Meninas, adorei, obrigada mesmo pela lembrança! Esses eu faço questão de repassar pra todo mundo. Estejam à vontade para pegar os selos (vide final dessa postagem) e levar pra casa.


Ah, sim. E eu fui amaldiçoada:

*Você acaba de ser amaldiçoado(a). *Faça uma lista das 10 coisas mais bizarras a seu respeito. *Amaldiçoe mais cinco pessoas.

A Rê fez isso comigo. Vamos lá:

1) Adoro fazer imitações. Desde expressões, trejeitos, até vozes. E sou tão boa nisso que às vezes escapa sem querer nas horas mais impróprias.

2) Canto, danço e interpreto em frente ao espelho.

3) Aos seis anos me convenci de que podia voar e me lancei do alto de uma escada. Desde esse dia a cicatriz no meu lábio inferior me diz que voar é coisa para os pássaros. Ainda bem que não tive a brilhante idéia de me jogar pela janela. Hoje em dia tenho medo de altura. Não subo nem em cadeira. Compreensível.

4) Tenho pavor de água. Não é nada disso, não sou nenhuma sujismunda, tomo banho direitinho e todo santo dia, cheiro muito bem, obrigada. Tô falando é de travessias fluviais, marítimas e congêneres. Passo mal, fico enjoada, levo uma frasqueira cheia de remédios pra enjôo, vômito, dor de cabeça e um calmante natural à base de maracujá e revistinhas de cruzadas. E nem pra ir ao banheiro me separo do meu colete salva-vidas. E parem de rir que isso é muito sério.

5) Tenho acessos de riso em momentos altamente impróprios. ACESSOS. Intermináveis e histéricos. Basta lembrar de alguma coisa e pronto. O mais estranho é que não preciso de ninguém pra rir comigo: dou risada sozinha e quanto mais as pessoas me olham tentando entender, mais nervosa eu fico e aí é que o acesso piora, os olhos enchem de lágrimas, o rosto fica vermelho, a bexiga enche, um desastre. Rolei de rir inclusive na defesa do meu TCC, na hora do meu primeiro beijo e num velório onde eu havia confundido os defuntos.

6) Não como nenhum tipo de salgadinho industrializado desses que vêm em pacotinhos, tipo doritos e correlatos, seja de qual sabor ou marca for. Para o meu olfato super sensível, todos eles têm cheiro de pum.

7) Não consigo fazer aquela brincadeirinha de dobrar a língua ao meio. A minha não dobra. Mas, em compensação, consigo mexer o couro cabeludo inteiro em todas as direções como se ele fosse uma peruca. É como mexer as orelhas, mas eu mexo o couro cabeludo inteiro.

8) Voltando pra infância: durante um certo tempo tive uma grande desconfiança com... maçãs. Uma vez sonhei que minha mamis tinha feito uma dieta e havia emagrecido tanto que acabou virando uma maçã, daquelas mordidinhas dos lados, com bracinhos, perninhas e uma cabecinha que me chamava de "minha filha" enquanto eu chorava compulsivamente... então, eu não comia maçãs. Pra falar a verdade, até hoje acho muito desagradável ter que comê-las, e ninguém nunca entendeu a minha cara de constrangimento diante delas...

9) Sempre faço confusão com nomes e endereços ( e até com defuntos, como ficou claro no item 5)... chamo Cláudia de Cátia, Márcia, Sílvia, Madalena, Antônia... menos de Cláudia. Endereços, idem, nunca me perguntem como chegar a algum lugar porque sem querer vou mandar vocês para uma emboscada.

10) Faço listas de coisas bizarras a meu respeito. Rá.

Ciça, Pavón, Lorita, Nathália, Tâmara - sua vez.


Mudando de assunto - e enveredando para um tema realmente sério - todo mundo sabe da obrigatoriedade de adequação dos ambientes físicos aos portadores de necessidades especiais. A Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a livre locomoção de indivíduos com mobilidade reduzida (leia-se: qualquer deficiência física que impeça ou dificulte a locomoção). Apesar disso, esse ainda é um grande problema no Brasil inteiro - e o SENAC do Espírito Santo, infelizmente, não foge à regra. O Heliarly, do Doideira Pura, se viu impedido de ingressar no curso de Web Designer porque os laboratórios ficam todos localizados no terceiro andar do prédio (que evidentemente NÃO está adaptado para receber cadeirantes como o nosso amigo blogueiro). O assunto foi levado à diretoria da Instituição e a resposta foi que, infelizmente, nada poderia ser feito a respeito.

Nas palavras do próprio Heliarly, o e-mail está sem prazos, sem idéias, sem propostas ou soluções. Até quando será assim? Não vejo como um instituição como o SENAC não possa pôr 5 computadores no térreo e marcar uma data para um professor ministrar as aulas. Eles estão tão acostumados a espalhar por aí muitos “sinto muito” que é possível que essa história de licitação nem exista. Vou mandar e-mails e fazer contato com as instituições devidas. Comentem e repassem esse post. Quanto mais pessoas fomentarem a idéia, melhor.

Eu aderi e convido todo mundo a fazer o mesmo. Causa mais do que justa, por um cara mais do que gente boa, e que pode mais que ajudar muita gente por aí que tem as mesmas necessidades. Passem lá no Doideira e leiam mais sobre a questão. Agradeço a todos que puderem meter a sua colher.

Excelente semana pra todo mundo,

beijos!

P.S.: quanto tempo será que esse template dura? Façam suas apostas...




quarta-feira, 11 de junho de 2008

(P) Rumo

E crendo.

E sendo.

E indo.

Soundtrack: Pink Floyd - Fearless



E se está sempre a um passo de, e a vida anda em círculos, eu sei, eu acredito; e que é o destino senão uma gigantesca e imprevisível esfera? Vão-se as pernas parindo caminhos interminados sempre, calcados na sinuosidade serpenteada das cogitações, na constância insistente das transitoriedades; vai-se o coração desnorteando humores, e esperando, e desesperando, e certo, e incerto, e ainda assim esmagadoramente coração que pulsa, e vai – entidade diversa e voluntariosa, excêntrica e ignorante de riscos ou culpas. Insensato, pobre coração. À beira de uma desconjunção qualquer. À beira de si, tão doce abismo, margeado por ânsias cujo hálito cheira a calor de braços e apaga da boca o gosto amarelo das reticências engolidas a seco. Insensato, pobre coração.

Vão-se as pernas no ritmo do bater dos cílios, fiando um rosário de despertares iminentes, pés lavados de horas e quase-fé – e há sempre um segundo onde o impossível se esquece de sê-lo e um suspiro guardado no peito, e é tanto o que cabe num suspiro. Vai-se o corpo gravitando rumo a um lugar ainda por haver num deslizar ondulante entre as mãos espalmadas do infinito: hoje. Vão-se os dedos desenhando quimeras na pele, vão-se os lábios desferindo impropérios na carne, vão-se os dentes devorando famintos os dias, vai-se o coração, insensato e pobre, descuidado de si, ocupado em apenas ir. Vão-se as pernas, os dedos, os lábios, os dentes, vai-se o corpo, eu sei, eu acredito, coração sempre a um passo de. À beira de uma imolação qualquer. Desaprumado, indo, sendo, somente e então. Pobre, insensato, universo-coração.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Faxina

Das pequenas grandes mudanças.

Soundtrack: Laura Veirs - Wrecking


Seria um dia como todos os outros, mas foi meu dia de arrumar a casa.

Pó e teias de aranha subjugavam todos os meus cantos. Tralhas inúteis acumuladas a perder de vista, engolindo as portas com voracidade, a obstruir implacáveis minhas já débeis ousadias de enxergar que sim, que havia mundo além de mim... um colorido indefinível e carcomido era o triste estado das minhas paredes; ocupando por inteiro a solidão dos meus cômodos, o ar pesado, quente e sufocante que há tanto tempo alimentava meus pulmões.

Mas era meu dia de arrumar a casa. E meu peito se encheu de uma compaixão arrependida, ao ver que ainda havia beleza jazendo sob os destroços do que um dia fora segurança e aconchego. E eu, outrora tão alheia e negligente, não mais conseguia sequer cogitar a idéia de abandoná-la, e percebi, em meio àquela desordem completa e descabida, que era chegado o momento de enfrentar o caos.

Penosa me foi a tarefa de recolher cacos e bugigangas, amontoados que estavam por todos os lados. Esvaziei os armários não sem dificuldade; me desfiz de meu velho e pesado baú de memórias, repleto de mágoas, insensatezes, rancores, frustrações – alguns tão antigos que nem me recordava ainda estarem ali. Feri-me, é verdade, fiz calos nas mãos; contudo, a despeito do corpo alquebrado, sorvi a certeza de me saber mais leve.

Vasculhei todos os cantos em busca de pó e teias de aranha, e vi os raios de sol entrarem tímidos, porém festivos e resolutos, através das frestas diminutas que se revelavam diante da claridade tão desejada e enfim presente. E restaurei minhas paredes rotas, gastas, e as vi ressurgirem vibrantes, imponentes, refletidas com todos os tons que se irradiavam de minhas cores nascentes. E, em um arroubo, abri todas as portas e janelas, e respirei profundamente a pureza do ar que havia banido de mim, e que agora me invadia com a benevolência lépida e impetuosa de uma correnteza.

Arranquei sem piedade as ervas daninhas que se haviam multiplicado junto aos meus muros. E até esses fiz virem abaixo – pois para coisa alguma jamais serviram tais muros, afinal. Replantei meu jardim em um pedaço de terra que, de tão esquecido, virara terreno baldio – mas que, embora ignorado, recebeu minhas sementes e as germinou com amor de ventre materno. E me aninhei naquela terra, e a senti cálida e amorosa, e vi como era bonito o nascer dos girassóis... e chorei todas as lágrimas felizes e serenas que havia guardado sem saber para quê, e vi essas gotas de mim serem chuva fecunda para o novo universo que despontava diante dos meus olhos.

E embebida de um cansaço feliz repousei placidamente o corpo sobre aquele chão tão deliciosamente meu, e me deixei ficar a apreciar minha obra, e me permiti ser parte de tudo o que havia brotado da labuta de minha alma. Pois fora meu dia de arrumar a casa. E, enfim, era doce e reconfortante me sentir habitável.

sábado, 7 de junho de 2008

Oito Coisas pra Fazer Antes de Morrer

Vamos por partes.

PARTE 1: MEME

A Tâmara - a gracinha lá do Intimidade - me passou um meme que eu já tava a fim de responder desde que li por aí. No melhor estilo Jack Nicholson e Morgan Freeman em "Antes de Partir" (quem não assistiu, assista), o lance é fazer uma lista com oito coisas pra fazer antes de morrer. Como eu não sei quando vou morrer, escolhi coisas que tenho chance de fazer (ou não) a curto prazo:

1) Roteirizar um curta-metragem. Ou um longa, se existir alguém doido a ponto de me aceitar como roteirista dele.

2) Mochilar pela Zoropa sem data certa pra voltar.

3) Publicar um livro. Nem que seja de receitas.

4) Ir para a FLIP (Feira Literária de Parati) e tietar todo mundo que eu tenho direito. Os que não tenho também.

5) Ter um filho. Ou dois. Ou três...

6) Assistir um musical na Broadway e/ ou no West End.

7) Aprender a tocar violão decentemente.

8) Dar um abraço de verdade nos amigos reais que fiz nesse louco e surpreendente mundo virtual.

Pati, Anne, Vinícius, Marta, MH. : vocês fariam o quê?


PARTE 2: PRESENTES.

Muitos. Obrigada, gente, de coração!

Presente da Marta, do Encontros e Balelas, que odeia O CARA tanto quanto eu (maiores esclarecimentos sobre a identidade de O CARA lá no blog dela). Repasso para 3 pessoinhas que sempre me divertem horrores:

(Devaneios e Insanidade); MH (Bomba MH); Bill Falcão (Jornal da Lua).


Presente da Ciça, do O Céu, o Sol e o Mar. Repasso pra 5 blogueiros que me adotaram, aturam as minhas manias, entendem (há controvérsias, haha) as minhas loucuras, respiram fundo cada vez que conto mais um dos meus absurdos planos infalíveis, estão comigo pra qualquer coisa e que eu amo de paixão.

Anne (Chá de Sumiço); Mila (O Estranho Mundo de Mila); Edu (Lettres et Mots); Van (Van Filosofia); Lola (Encontros e Desencontros).


Presente da Gi, do A Vida da Atriz. Repasso para:

Nathália (Cólica Mental) - porque na playlist dela constam Beatles e Led Zeppelin e eu amo quem ama esses caras.
Edu (Lettres et Mots) - porque adoro as músicas que ele usa nos posts;

Lorita (Vestido Estampado) - porque ela está sempre ao som de alguém que eu também estaria ouvindo;
Van (Van Filosofia!) - porque ela escreve, compõe, canta, toca, assobia e chupa cana ao mesmo tempo. Tudo fodasticamente;
Nina (La Musique Automatique) - ela curte o David Bowie. Simplesmente o máximo.

Presente do Vinícius, do Pensamentos e Realidades. Repasso para:

R. Lima (O Avesso da Vida);
Ingrith (Um Blog pra Chamar de Meu);
Linny (Meu Retrato).




Presente da Lorita, do Vestido Estampado. Repasso para:

Marta (Encontros e Balelas);
Luciano (Tudo ou Nada);
Paulinha (Maçã do Topo);
Gi (A Vida da Atriz);
Ciça (O Céu, O Sol e O Mar).







Presente da Tâmara, do Intimidade. Repasso para:

Pavón (Máfia dos Pavões);
Pedro Nelito (Citadino Kane);
Thiago (Santa Ironia);
MH (Bomba MH);
Vinícius (Pensamentos e Realidades).




No mais, um fim de semana daqueles pra todo mundo.

Beijos e até segunda!

terça-feira, 3 de junho de 2008

Caminho

Carpe Diem.

Soundtrack: Frou Frou - Let Go




Quando o dia lhe sorriu, ela soube: era chegado o tempo de colher nos lábios o gosto das risadas semeadas durante as longas noites adormecidas em silêncio. Abriu os olhos, cravou os sonhos na palma das mãos abertas para acariciar a manhã. Esqueceu-se das beligerâncias; as casmurrices, as trancou na gaveta de miudezas sem uso e jogou a chave fora. E o riso saiu lépido, batendo portas e escancarando janelas, agitando os varais, pendurando-se nos cílios e nos cantos da boca úmida de acordes inventados.

Enfeitou-se de olhares de seda e voz de veludo, descalçou os pés e os motivos para pisar macio as rotas do pensamento. Misturou-se às gotas de música que sapateavam em passos desmanchados sobre os braços abertos, ofereceu o rosto à vontade mais próxima, fez-se oceano de compassos – seus, inéditos, vibrando no ritmo daquele corpo quente embalado de cor.

Despediu-se das velhas lembranças com um beijo de gratidão, abraçou-se às notas nascentes no seu coração de gente-quase-nuvem e desceu a rua, bailante por dentro, ao som do sol que girava vermelho na sua saia rodada - ouvinte de cores, amante dos próximos passos, as pernas prenhes de estrada. Sem “entretantos”, que a volta é caminho sem ida; era acordada que sonhava.


E hoje tem novidade no Espasmos de Riso! Tem a estréia do novo layout e, como não poderia deixar de ser, um post da Anne explicando o porquê dessa mudança. Esperamos vocês por lá para um café fresquinho na casinha reformada, acompanhado de boas gargalhadas!