terça-feira, 5 de novembro de 2013

da via crúcis de conjecturar.

Imagem: "Blow, Wind, Blow" - Couting Alyis

Ando cismada com pessoas volúveis. Mais que o habitual. Mais do que consigo ignorar. Porque opinião, ainda que febril, não é coisa que dá e passa. Não arrisco falar de sentimentos: os meus têm raízes profundas, robustas - mas são os meus e, mesmo assim, penso que só sei deles o essencial para não me desconhecer completamente; do coração alheio não se fala, quando mal se sabe o próprio. Preciso perder essa mania de discutir com quaisquer uns, mesmo em silêncio, para provar que tudo está do avesso e não se pode viver de/para efêmeros; devo, talvez, tentar ser mais indulgente com as circunstancialidades. Quem sabe eu esteja errada, e a facilidade que certas pessoas têm de volatilizar isto e aquilo seja um bônus, e fidelizar-se a algo que ninguém mais conhece seja, de fato, a grande loucura da vida. Claro que é.


Eu nunca fui muito lúcida, mesmo.



domingo, 27 de outubro de 2013

do lado de dentro.

Imagem: Bailey Elizabeth (in deviant art)

Há algo sempre comigo. 

Nestes dias, principalmente. A vida segue quase comum - tudo igual, exceto essa coisa que está sempre comigo e que, agora, mal se restringe a me fazer companhia. Não sei dizer seu nome. Não sei dizer o que me provoca - comoção, angústia, tristeza, raiva, euforia, orgasmo. Uma iminência, um pressentimento, talvez. Seja lá do que for. Roo as unhas enquanto tento delimitar um espaço entre mim e esta coisa. Inútil; nem ela e nem eu nos habituaríamos a outras presenças, ou a presença nenhuma, nos momentos em que é preciso levar as mãos ao peito e comprimir com firmeza para que o coração não salte e se choque com a palavra paralisada entre os dentes. Esta coisa é quem limpa minha sujeira quando os sentimentos me evisceram. Esta coisa é que segura minha mão quando medos íntimos me violentam no meio da noite. Há tanto tempo me falta jeito para dizer amor ou delicadeza, mal me lembro se um dia foi fácil e deslizou através dos meus lábios como se tivessem carne de cetim. Roo as unhas, mordo as pontas dos dedos, arranco um pedaço do que faz meus olhos verterem casulos e perscrutações. Não há nenhum ruído lá fora, quase ouço o que se passa dentro de mim - mas esta coisa, esta que permanece comigo consistente e vígil como um cão de guarda, obscurece o silêncio cada vez que, de olhos fechados, me observo e insisto em me cobrar: quem é você?

Roo as unhas, meus dedos sangram um pouco. A dor me salva de (me) saber.




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

DA HABILIDADE HUMANA DE JOGAR PEDRA NA GENI


Tenho visto um auê danado em torno da separação de um casal lindo, bem-sucedido, perfeito e famoso. Segundo a mídia, o motivo da separação seria uma moça igualmente linda, bem-sucedida, perfeita e famosa, mas que, ao contrário da esposa traída - alvo de toda solidariedade por parte da mídia e da opinião pública - é "uma puta rodada". 


Traição é algo desnecessário, doloroso, feio, essa coisa toda? É. Quem já foi traído sabe. Eu sei, porque já fui, então aprendi na pele, como aprendi algumas outras coisinhas:

1) Nenhum casal, mesmo lindo e bem sucedido, é perfeito.

2) Ninguém obriga ninguém a trair seu parceiro. a moça que está sendo chamada de "puta rodada" provavelmente não ameaçou o cônjuge alheio com armas, blackmails ou frases do tipo "transe comigo senão vou matar toda a sua família" a fim de que o rapaz dormisse com ela.

3) Machismo e déja vu caminham de mãos dadas na sociedade brasileira - e, infelizmente, esse "passeio no bosque" está a anos-luz de ter um fim. A esposa traída é sempre a vítima; a amante é sempre a puta desgraçada destruidora de lares; o marido sempre sai à francesa da história sem um arranhão. o homem que trai, trai porque é homem. A mulher que trai, trai porque é vagabunda. e a mulher que se sujeita a ser a outra é nada menos que o anticristo.

4) Nenhum relacionamento termina exclusivamente por causa de uma terceira pessoa. O buraco que mantém - ou deixa de manter - duas pessoas juntas é muito, muito mais embaixo.

Menos hipocrisia aí, sociedade.


(que fique claro que em nenhum momento estou fazendo apologia de traição. já fui traída, e sei que é algo que dá início a um processo muito doloroso de juntar os cacos de tudo o que é destruído dentro de nós quando passamos por isso. só estou dizendo que toda traição é multifatorial, como todo relacionamento também é, como indivíduo também é.)



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

só pensando.

antes, rezava a lenda, todo mundo tinha um pouco de médico e louco. hoje, graças à internet, todo mundo tem um pouco de médico, louco, jornalista, cientista político, social media, voyeur e babalorixá. 

bom ou ruim? depende de quanto tempo você passa - e do que você procura - olhando pelo buraco da fechadura. ou daquilo que você mostra ao deixar, propositalmente, uma fresta da janela aberta.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pausa Para Respirar


Entendi que não gosto de perder o fôlego. Não gosto de taquicardia. Eu aceito a taquicardia como um mal necessário, mas gosto, prefiro, meu coração batendo sem maiores tropeços. Singular e íntimo, como um bom blues. Porque a gente tem que parar para respirar fundo. Desaprender o vício que é estar sempre alerta, experimentar outras percepções – próprias, alheias, comuns. Deixar essa preocupação besta de viver tudo ao mesmo tempo. Não se trata de ser zen ou de se espiritualizar, eu não sou zen e nem me espiritualizei mais do que ontem ou há dez anos; se trata de fazer uma pausa para respirar, pelo tempo que for necessário, apenas para existir um pouco mais. E tenho feito as minhas, ainda que elas não me elucidem (tudo é dicotomia – e me conheço melhor desde que aceitei não saber exatamente quem eu sou).

Respirar, respirar, respirar.


A vida é feita também de pausas.


Imagem: Deviantart

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A Cultura do Jeitinho

Dia desses, em meio a uma polêmica suscitada por uma discordância entre condutas profissionais, ouvi de uma colega de trabalho a assertiva “pode ser ilegal, mas não é imoral”. A discórdia que deu origem às discussões era, basicamente, o quanto um determinado hábito, arraigado há muito e perpetuado a fim de facilitar algumas coisas, pode ser nocivo mesmo que sua intenção seja dar um jeitinho de resolver eventuais problemas. Passei dias matutando a frase da moça. E não consegui chegar a outra conclusão senão esta: em tudo se pode dar jeito – mas nem tudo se resolve dando um “jeitinho”.

Diz-se que o Brasil é o país do jeitinho – e é verdade: dá-se um jeitinho para fazer um favor, para sair de um aperto ou, mais frequentemente, em causa própria. Há quem dê jeitinho por compulsão – de fato, deve haver quem seja viciado em jeitinho. Não se sabe como começou, mas o jeitinho virou uma coisa tão tradicional para o brasileiro quanto a feijoada dos fins de semana, a camisa verde e amarela da seleção ou errar a letra do Hino Nacional. Quem renega o jeitinho é chato, caxias, maniqueísta. Quem pratica é querido, esperto, prestativo. Fazemos parte de uma cultura na qual quem se nega a dar um jeitinho nas coisas frequentemente é interpretado como disfuncional e antipático. O jeitinho brasileiro é conhecido mundo afora. Quem tem DNA brazuca faz, e isso tem seu lado bom – o jeitinho brasileiro é uma das maiores expressões da criatividade que nos permite dar a volta por cima em situações altamente desfavoráveis, e isso é necessário e saudável, e tão automático que, embora seja quase sempre uma atitude lúcida, às vezes acontece de maneira até inconsciente. O lado ruim do jeitinho é que, cada vez mais, se cruza uma fronteira delicada quando a prática deixa ser exceção para se tornar a regra: seja por comodismo, viés de planejamento ou porque “isso aqui não dá nada”, entre jeitinhos e “jeitinhos”, o que é lícito e ético, e o que deixa de ser?

Dar um “jeitinho” – assim mesmo, entre aspas e com jeitão de gambiarra – não é simplesmente feio. Soltar um pum e colocar a culpa no cachorro é feio. Quando, ao dar um “jeitinho”, há a intenção de obter alguma vantagem, paralela ao fato de que alguém, direta ou indiretamente, em diferentes escalas, arcará com o prejuízo – seja financeiro, moral ou emocional, consciente ou não – o “jeitinho” deixa de ser inócuo e vira uma praga. Senão ilegal, no mínimo, imoral. Sendo assim, não há diferença entre quem sonega impostos ou o centavo de troco daquilo que custa 1,99, ou entre aquele que chega atrasado e fura a fila para ser atendido primeiro e quem rouba no peso do quilo da cebola, ou quem superfatura nota fiscal, ou quem adultera atestado documentos, ou quem finge doença pra passar uns diazinhos em casa. Dá um “jeitinho” quem faz gato na rede elétrica, quem rouba o sinal da tevê a cabo do vizinho, quem delega suas responsabilidades a terceiros com o objetivo de tirar vantagem. E dá um “jeitinho” quem se acumplicia com o jeitinho alheio, mesmo ciente de que sempre haverá alguém para pagar o pato. Ninguém conseguiu, até hoje, foi dar um jeitinho para acabar com o “jeitinho”. E, embora tantas discussões, cada vez mais calorosas, a respeito de moral e ética, a prática segue inversa à teoria.

Diz-se que o Brasil é o país do jeitinho – e é verdade. O que não quer dizer que, individualmente, o brasileiro não tenha solução: aquilo que praticamos no dia a dia e o quanto somos capazes de nos portar corretamente quando ninguém está olhando dá o tom de quem realmente somos. Que o jeitinho brasileiro, um dia, deixe de ser sinônimo de gambiarra e passe a ser visto como uma das nossas qualidades mais notáveis. Até lá, o jeito é praticar o desapego do tal “jeitinho” e demonstrar que sabemos arrumar a casa sem jogar a sujeira debaixo do tapete. Porque pode até ser que ninguém saiba que ela está lá – mas sempre existe um dia de ventania, e aí...


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A PEC da Mulher Maravilha

Há alguns anos, abri mão de ter empregada doméstica porque não vi muita razoabilidade em pagar uma pessoa para fazer algo que eu mesma faço, e tão bem quanto.

Mentira. Ficar sem empregada doméstica, àquela altura do campeonato – com uma rotina de trabalho insana, um filho de três anos, um cachorro indomesticável e um corpo a caminho dos quarenta, que pode até ter boa vontade, mas, indiscutivelmente, já não tem o mesmo pique de alguns anos atrás – foi uma questão de caixa. Não que a mudança na legislação trabalhista das domésticas tenha me surpreendido: assinar carteira, pagar hora extra, recolher FGTS e combater a informalidade eram rotina na minha vida muito antes da PEC que regulamentou os direitos dos trabalhadores domésticos. A verdade é que, mesmo exercendo uma função pela qual sou relativamente bem remunerada, o amontoado de contas a pagar no início de cada mês fazia meu salário se transformar rapidamente em nada mais que uma vaga lembrança na minha conta bancária; colocadas todas as despesas na ponta do lápis, abrir mão da funcionária me renderia uma economia mensal de quatro dígitos, e anual de cinco. Analisei todos os prós e contras e cheguei à conclusão de que seria perfeitamente possível dar conta do serviço da casa já que, trabalhando fora o dia inteiro e com o filho na creche, não nos sobraria muito tempo (nem energia) para fazer tanta bagunça; a rotina seria, mais ou menos, chegar em casa, passar uma vassoura, lavar uma loucinha, colocar a roupa na máquina para lavar e deixar o “grosso" para o fim de semana. Tudo muito harmônico. Até cheguei a pensar duas vezes, mas a possibilidade de ter um dinheirinho sobrando venceu. E a minha vida, que já não era lá um exemplo de calmaria, ao contrário do que eu imaginava, virou definitivamente de pernas para o ar.

A primeira semana sem a funcionária não foi tão ruim – eu estava sob efeito da empolgação inicial e a casa ainda permanecia razoavelmente organizada, a ponto de me fazer acreditar que tinha me preocupado à toa. Chegava do trabalho, fazia o jantar, lavava a louça, varria a casa e passava uma flanelinha nos móveis para tirar o pó, e a máquina dava conta da roupa suja da semana. Nem percebi que, pouco a pouco, as roupas começavam a se acumular à espera de que eu me encorajasse a encarar um ferro de passar somado a algumas horas de pé, e que meus armários, estantes e banheiros, em questão de dias, pareciam ter sido varridos pelo furacão Katrina. Intensifiquei o ritmo e passei a limpar, limpar, limpar – mas, se minha boa vontade era grande, a falta de jeito e familiaridade era infinitamente maior, e eu tinha a impressão de que tudo estava sempre caótico. Precisava dividir meu pouco tempo extra entre cozinhar, limpar, lavar, passar, ser mãe, estudar e, ainda, encontrar alguns minutos para cuidar de mim – o que foi me deixando cansada e mal-humorada porque, afinal de contas, mesmo acostumada a fazer várias coisas ao mesmo tempo, não fiz curso de Mulher Maravilha. Pegar o jeito das coisas não foi fácil; foi um típico “caminho das pedras”, que me fez ter certeza de que a mudança na legislação dos trabalhadores domésticos já veio tarde (e que eu gostaria de de ganhar, além de um cachorro autolimpante e de um robô igual àquele da família Jetson, uma PEC que, diante de tanto esforço, legalizasse, como um direito “politrabalhista” legítimo e inalienável de toda Mulher Maravilha diplomada ou não, meu lugarzinho no paraíso). E, passado o primeiro mês, e o segundo, e o terceiro, finalmente, vi minha vida sem empregada doméstica entrar nos eixos e passar de caos a uma experiência enriquecedora e (pasmem) prazerosa, até.

Hoje, além de cumprir minha jornada profissional formal de 40 horas por semana, sou minha “personal” faxineira, cozinheira, office boy e, muitas vezes, cabeleireira e manicure (porque o tempo que eu dedicava indo ao salão duas vezes por semana, agora,  é dedicado a preciosas, merecidas e ansiosamente aguardadas horas de descanso, leitura, lazer e mimos pessoais). Se compensa? Compensa, quando vejo que o gás de cozinha dura mais, a conta de energia caiu em mais de 30% e a do supermercado também diminuiu consideravelmente depois que aprendi a comprar os produtos certos e a utilizá-los sem desperdício – eu não fazia ideia de quanto podia durar um frasco de detergente de louças, ou um litro de amaciante de roupas, ou um quilo de sabão em pó, até essas coisas passarem a fazer parte da minha rotina. Nem sempre consegui guardar a grana, mas ninguém pense que torrei o dinheiro com futilidades – ao longo desse tempo all by myself (que deixou de ser all by myself depois que conheci meu atual marido, o qual se mostrou, além de um príncipe encantado, a mola mestra no que se refere aos cuidados com as crianças e com as tarefas do lar), consegui, entre outras coisas, trocar o sofá, comprar a mesa de jantar dos meus sonhos, refazer a cozinha, investir em um carro melhor, financiar parte da nossa casa própria, quitar várias continhas e investir em uma série de itens que fazem a vida de qualquer dona de casa parecer um comercial de Veja.

Apesar de não ser a Mulher Maravilha, nesses anos sem empregada doméstica, acredito que tenho me virado muito bem. Estou pensando em me dar de presente uma folguinha para voltar a malhar em uma academia, e não apenas entre baldes, panelas e produtos de limpeza. Ao contrário do que algumas pessoas podem imaginar, não encaro ter que arrumar minha própria bagunça como castigo: cuidar da casa virou quase uma terapia. E aprendi a organizar não só o meu espaço físico, mas também meu tempo, meu dinheiro, minhas prioridades e, por tabela, até minha própria vida. Ficar sem empregada doméstica, longe do que muita gente supõe, não foi o fim do mundo, e sim o começo de uma rotina que me ensinou, entre outras coisas, a otimizar meu tempo e a ser ainda mais prática e independente. Porque nos dias de hoje, se duvidar, até a Mulher Maravilha deve ter um pezinho na cozinha – e insistir em manter os pés fora do chão pode custar muito caro. Em todos os sentidos. 



terça-feira, 25 de junho de 2013

Ordem e Progresso.


Quando eu era criança, minhas irmãs e eu nos indignávamos com minha mãe porque ela se recusava a cantar o Hino Nacional. O ápice da rebeldia acontecia durante as Copas do Mundo - quando ela, além de não pronunciar "ouviram do Ipiranga as margens plácidas", se recusava a vestir a camisa da seleção brasileira e a torcer pela vitória do Brasil durante os campeonatos; sua torcida invariavelmente pertencia a outras seleções e as escolhas que fazia nos pareciam absurdas, mas ela ficava ali, firme, assistindo aos jogos conosco e vibrando a cada gol do adversário independente dos protestos do restante da família. Dizíamos: você é antinacionalista, mãe. Você não ama o Brasil. Ela respondia: eu não me orgulho de muita coisa que aconteceu e acontece nesse país. Não posso vestir a camisa de algo que não me causa orgulho.


O tempo passou, mãe. E ano que vem, finalmente, teremos uma Copa do Mundo neste chão que foi nosso berço, que é a nossa casa. E vou lhe dizer uma coisa: eu também não me orgulho de muita coisa que acontece nesse país. Eu cresci, e agora entendo bem o que você queria dizer. Agora sei que não era rebeldia - era amor, porque só quem ama muito a sua própria terra tem coragem de usar a própria voz para dizer que temos direito a ser cidadãos que se ufanam de sua pátria a qualquer tempo, e não só a cada quatro anos. Eu também não vou vestir a camisa, mãe. E não me interessa se vão me chamar de antinacionalista ou de qualquer outra coisa, pois você me ensinou que a gente só é forte enquanto não desiste de lutar, ainda que a forma de lutar seja apenas não deixar esmorecer o espírito crítico mesmo diante dos apelos da emoção - e da multidão.

Eu não vou vestir a camisa, mãe. Você tinha razão. Você sempre teve.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

que tamanho você tem?


Sempre acreditei que a gente não cresce por fora, mas por dentro.

Cresce quem aprende a ser honesto.
Cresce quem aprende a ser humilde.
Cresce quem aprende a ser correto - consigo mesmo e com os outros.

Cresce quem aprende que conquistar o próprio espaço não significa invadir o espaço alheio.

Cresce quem aprende que conhecimento não significa inteligência, e inteligência não significa sabedoria.

Cresce quem aprende que cada palavra semeada tem uma raiz que nunca se arranca - e aprende a calar antes de dizer palavra que semeie o mal.

A gente cresce com espírito, coração e mente.

Se, para você, os anos passaram mas mente, espírito e coração continuam pequenos, definitivamente, você não cresceu. Mas ainda dá tempo: nunca se está velho demais para aprender a ser grande.





segunda-feira, 27 de maio de 2013

uma ideia não de todo má.


Estou pensando em incluir - lá em cima, no menu flutuante - uma lista com nome e link de todos os plagiadores que entram aqui e surrupiam meus textos com toda a cara de pau que Deus lhes deu. Por enquanto é só uma ideia, mas não se espantem se, um belo dia, virar realidade. Porque, infelizmente, tem gente que só fica vermelha quando vê seu nominho exposto em circunstâncias desagradáveis. E, depois que passou a existir essa fofoqueira profissional chamada Google, nada é impossível de achar - e eu não tenho preguiça de procurar.

Então, cleptomaníacos que não estão a fim de virar estatística: parem de copiar sem citar a fonte e comprem o meu livro, porra. É mais inteligente, mais bonito e não fará você passar vexame.

Gracias.

A gente se vê.



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Tratado Geral Para os Males da Alma



Chegou!

E esse livro, meu segundo!, chegou lindo, gente -com 25 crônicas deliciosas, e cheio de boas energias. Meus agradecimentos à Editora PenaluxTonho Franca FrancaGustavo MartinsWilson GorjRicardo Vlv Augusto Paixão e a todos os que sempre me apoiaram nos meus projetos, especiamente neste aqui 

Essas belezinhas de 14x21 já estão à disposição no site da Editora Penalux e com esta que vos escreve. Espero que curtam muito a leitura. 

Aquele beijo!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Algo Sobre Minha Mãe




Das raízes. As minhas.



Observo minha mãe e meu filho adormecidos ao meu lado no sofá. É quase meia-noite. Ele nos braços dela. Minha mãe e meu filho ressonam enquanto permaneço de olhos abertos diante da tevê, aguardando pacientemente que a insônia que me visita todas as noites se exaspere da minha monótona companhia e se vá – e me deixe descansar, enfim. Tranquilos, minha mãe e meu filho dormem. Não consigo deixar de pensar na segurança que é nos perpetuamos naqueles que amamos. Minha mãe e meu filho estão ali, e ignoram a noite e seus pequenos ruídos, e me ignoram e ignoram o velho filme policial e minha insônia fiel. Estão ao meu lado e, apenas, dormem.

Observo minha mãe com meu filho nos braços e imagino quantas noites essa mesma cena deve ter se repetido comigo. Eu me orgulho de ter boa memória, mas, confesso, as primeiras lembranças que tenho de minha mãe datam do nascimento da minha irmã caçula (quando eu tinha por volta de quatro anos), ou seja: quando ela tinha a idade que tenho hoje eu contava apenas seis anos, portanto, não recordo assim tanta coisa. Lembro, contudo, dos olhos, que sempre foram impressionantes e, àquela época, eram marcantes mesmo para mim – uns olhos profundos, inquisitivamente melancólicos, que pareciam trespassar a tudo e a todos com sua languidez misteriosamente castanha. Não sei se ela percebia, mas um de meus passatempos preferidos era, sempre foi, observá-la. Ela era bonita, muito bonita, com uma pele muita branca sem nenhuma mancha ou imperfeição e um corpo miúdo e ágil como o de uma bailarina – e aquele corpo pequeno se movimentava tão rápido que eu tinha certeza de que, se quisesse, ela poderia ficar parada no ar, como um beija-flor. Às vezes parecia caminhar na ponta dos pés – como se, a cada passo, dançasse pelo mundo uma valsa suave. Fisicamente sempre fui mais parecida com meu pai, e essa semelhança era algo que realmente me desgostava – não porque não gostasse de meu pai ou porque sua aparência fosse desagradável, ao contrário: meu pai havia sido um homem muito bonito em sua juventude. O que me desagradava não era a semelhança com ele, mas a falta de semelhança com ela. Eu era forte e robusta, e cresci bem rápido: mal entrara na adolescência e meu corpo, já sinuoso e efervescido pelos hormônios, havia ultrapassado o porte de minha mãe, o que me deixou triste porque sua pequenez delicada de bailarina era até ali (como sempre seria) meu ideal de beleza e feminilidade.

Minha mãe nunca passou despercebida: estava sempre muito bem arrumada e com os cabelos dourados e lisos muito bem cortados, invariavelmente na altura da nuca. Era uma daquelas pessoas para quem o tempo não ousava passar: eu ouvia as histórias sobre ela, contadas pelos meus avós e tios, e eram histórias bonitas e comoventes, algumas engraçadas e outras nem tanto, mas todas parecendo ter saído de algum romance – os mesmos romances que eu lia nos livros em cuja contracapa ela rabiscava cartas com sua letra grande e redonda, vigorosa e fluida como ela própria. Minha mãe tinha um cheiro sempre muito bom e peculiar – e não sei se era um cheiro que só eu percebia ou se, quando ela passava, todos sentiam aquele perfume delicado a imiscuir-se descerimoniosamente em todas as superfícies e narinas. Quando ela ria, era impossível não rir também – porque era uma risada sonora e muito diferente das outras, não por ser a risada dela, minha mãe, mas porque o som que nascia através daqueles lábios – os mesmos lábios que, feito róseos e delgados braços de menina, se contraíam levemente quando ela estava triste ou aborrecida – ia tomando conta de tudo em volta como se aquele momento feliz fosse feito para acabar jamais, e o rosto dela corava muito suavemente, tão suavemente que era perceptível apenas porque vê-la rindo nos absorvia de tal maneira que era impossível desviar os olhos para outra direção.

O início da minha vida adulta foi quase um martírio para nós duas. Por algum motivo, na minha cabeça, cortar o cordão significava contrariá-la de todas as formas possíveis. Sinceramente, não me lembro se um dia pedi desculpas por cada uma das dores que lhe causei. Continuo não me parecendo com ela fisicamente, mas me vejo repetindo muito de seus gestos, hábitos e maneiras, como, acredito, meu filho também fará quando tiver a idade que tenho hoje. Um dia direi isso a ela, como também lhe direi que toda a animosidade daqueles anos não significava que eu não a amasse, mas que a amava tanto a ponto de não saber o que fazer. Éramos dois gigantes permanentemente em luta – ela por desvelo, eu por rebeldia. Ambas, por amor. E foi justamente por essa época que aprendi que o amor, sobretudo o amor entre pais e filhos, embora não seja capaz de simplificar as coisas, tem o dom de nos fazer crescer apesar delas – ainda que as diferenças pareçam assustadoramente abissais. 

Observo minha mãe e meu filho, o quanto são parecidos – a mesma pele branca e sem imperfeições, os mesmos olhos melancólicos e misteriosamente castanhos, o mesmo cabelo dourado – e penso que, um dia, daqui a muitos anos, esta cena se repetirá e serei eu adormecida no sofá com meu neto nos braços enquanto meu filho, insone e pensativo, rememorará qualquer coisa marcante a meu respeito. Não consigo deixar de pensar na segurança que é nos perpetuamos naqueles que amamos, esta segurança morna e adocicada que alisa nossos cabelos enquanto dormimos e que, enquanto dormimos, sussurra aos nossos ouvidos que alcançar a eternidade é, sim, possível – e que nós vivemos para sempre por sermos feitos muito mais de amor do que, meramente, de carma e DNA.


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créditos da imagem: Google (desconheço autoria)



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Des(a)tino


Daquele lugar, aqui.



Enquanto meus olhos repousam sobre a contraditória indiscrição que é viver, apenas observo. Não a minha vida, não necessariamente a vida de alguém: observo, escondida naquele canto esquecido entre uma vaga lembrança e uma existência presente, escuro e empoeirado como um vão da escada que se dirige àquele lugar que tanto evitamos e que tanto nos fascina justamente porque não o conhecemos, observo a imagem em reflexo àquilo que eu costumava chamar de “aqui”, sem sê-lo – uma espécie de ponte talvez, eu que tanto medo tenho de pontes embora goste de caminhar sobre, partindo de, em direção a. Um abismo contundido, uma brisa contundente, um contudo – um, contudo. Conteúdo. Tenho todos os dias mais uma chance de desatar de mim o laço que amarra a alguns receios minha liberdade. Tenho. E aperto o nó, como se aperta a garganta de um sonho para fazê-lo lutar para sobreviver ao pressentir a iminência da própria morte. Há dias nos quais desconfio que a coragem seja um pretexto para desistir insuspeitadamente, pois, para resistir, é preciso precaução – e alguns medos são, de fato, o que nos mantêm vivos. 

Partindo de, em direção a. E lá vou eu em busca de qualquer des(a)tino que me caiba na vida, mais uma vez.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Onde a Mágica Acontece

Soundtrack: Jim Sturgess - All My Loving

Aí você pensa: por que esses desencontros acontecem justamente na minha vida?

Você está sozinho e, um dia, conhece alguém legal. Legal é pouco: extremamente legal. Além de extremamente legal, a criatura é bonita, simpática, inteligente, divertida, bem-sucedida e compatível com você do ponto de vista intelectual, sexual e até astrológico. Como se não bastasse, move montanhas para estar ao seu lado, ama sinceramente o seu cachorro de estimação, prepara como ninguém o seu prato favorito e, por motivos óbvios, virou o xodó da família. Tudo o que você sempre quis – mas, por algum motivo, depois de algum tempo, você começa a se perguntar se tem algum problema de audição ou se os sininhos realmente não tocaram pois tem a sensação de que, embora não falte nada, falta. Logo você está all by yourself de novo, se perguntando por que esses desencontros acontecem justo na sua vida e as suas borboletas gástricas ignoraram a existência de alguém que, sem dúvida nenhuma, era o seu número. É, colega. Não adianta insistir. A gente não escolhe por quem se apaixonar. É assim: você estava de coração aberto, mas a mágica, simplesmente, não aconteceu.

Ninguém se apaixona por outra pessoa só porque ela saltou de bungee jump carregando uma faixa com o seu nome. Ou porque ela preenche absolutamente todos os requisitos que você inclui naquela lista enorme repetida à exaustão, durante a sua vida inteira, em cada prece em favor da sua vida amorosa. O pacote completo impressiona à primeira vista, mas os detalhes, ah, os detalhes, essas coisas às vezes inapropriadas que nos saltam aos olhos tão apropriadamente. A gente se apaixona nos detalhes. No detalhe do sorriso, no detalhe do olhar, no detalhe do clichê, no detalhe de alguma frase ridícula. A gente se apaixona no detalhe da camisa fora de moda que não tem nada a ver com a produção mas tem tudo a ver com a sua alma demodê e pode se apaixonar definitivamente no detalhe “não acredito que a gente tem o mesmo filme preferido, cara”. A gente percebe que o estômago virou uma sede de borboletas hiperativas diante da banalidade, porque o “especial” nasce aqui dentro, muito dentro, é algo muito particular: um belo dia, o modo como alguém segura a caneta, diz “oi” ao telefone ou passa a mão nos cabelos ganha um novo significado diante dos seus olhos, e o simples ato de mascar um chiclete pode abrir a porta para uma observação demorada – e enamorada – do quanto os músculos faciais do destinatário da sua paixão ficariam ainda mais bonitos durante o um beijo. Ah, os detalhes. Quem nunca sorriu um sorriso bobo diante do gesto cotidiano de alguém, quem nunca se sentiu andando nas nuvens ao acompanhar alguém em sua caminhada, quem nunca teve certeza de que a terra parou de girar no exato instante em que alguém se sentou ao seu lado puxando conversa, quem nunca se surpreendeu com a própria vulnerabilidade ao ser surpreendido pelo próprio coração me perdoe, mas não sabe o que é se apaixonar.

Não existe a pessoa errada, tampouco a pessoa certa – o que faz a gente se apaixonar depende menos do que o outro nos oferece e mais, infinitamente mais, de quem somos no momento em que encontramos alguém. Na dúvida, a culpa é sempre nos neurotransmissores. Porém, se você não está disposto a se apaixonar, um conselho: ignore os detalhes. Por mais que se diga que a paixão é mera questão de química, os tais detalhes são o mínimo múltiplo comum entre o que acontece mundo afora e tudo o que vivemos coração adentro. Há quem diga que é química, mas, no fundo, é como mágica. E a mágica – por sorte – não tem hora para acontecer.

Imagem: Google

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Sonho


O que me lembro é de ver muita, muita água.  E de ver aquela água toda subindo muito, muito rápido.

Eu estava de pé em frente à máquina de lavar roupas e, de repente, um cano estourou. Nem sei bem se foi um cano mesmo, não vi nada nem ouvi ruído nenhum; na verdade não me recordo bem do que realmente aconteceu na hora, só de subitamente sentir os pés molhados para, logo depois, entrar em pânico ao perceber que a água já estava pelos joelhos e, sem que eu tivesse tempo de piscar os olhos, pouco acima da minha cintura. Sei que não havia paredes porque, de onde estava, enxergava com nitidez a laranjeira e a casinha do cachorro – mas, espantosamente, a coluna de água se elevava à minha volta autônoma e faminta, senhora de si, como se eu fosse não mais que uma insignificância a ocupar seu território. Foi um sonho – mas, ao acordar, eu podia sentir meu corpo úmido e o pavor a me fazer respirar fundo, pelo nariz e pela boca e com a boca muito aberta, pronta para trocar qualquer pedido de socorro por todo o ar capaz de manter viva. É um sonho recorrente este, como se a ira divina, volta e meia, me observasse pelo buraco da fechadura. Os detalhes diferem grandemente entre si; o cerne, porém, é sempre o mesmo – água que surge de repente, imprevisível, e vai subindo, subindo, engolindo tudo enquanto eu, impotente e assustada, vejo minha existência inteira diluída, escorrendo pelos meus dedos em gotas miúdas.

Sempre tive medo de água. Nos pesadelos de infância o bicho-papão era sempre um rio, um mar, uma lagoa, até mesmo uma banheira. Água, só no chuveiro ou na geladeira. Um medo incoerente, reconheço. Nascemos da água: passamos 280 dias mergulhados em líquido amniótico no calor do útero materno. Nós, seres humanos, somos, em média, 70% água. Dizem os evolucionistas que foi na água que a vida começou – num caldo quente e multivitaminado onde o que não virou sopa se transformou em tudo o que nasce, cresce, reproduz e morre sobre a Terra, e há quem diga que é debaixo d’água que o mundo se acabará. A onipresença da água é inconteste mesmo quando não nos damos conta disso. Quando, por exemplo, nos resignamos diante das dificuldades pensando: depois da tempestade vem a bonança, água mole em pedra dura tanto bate até que fura (ou não, pois dar com os burros n’água é sempre uma possibilidade). E que expressão define melhor a deliciosa sensação de leveza e bem estar que sobrevém após a tempestade do que “alma lavada”? Chamamos “líquidas” às coisas perfeitamente determinadas e “liquidado” àquilo que já chegou ao seu fim. As emoções humanas, quando em sua máxima potência, são expressas por água – damos vazão a elas através de lágrimas, desarranjos intestinais ou até xixi nas calças. Água, água, água. Potável, boricada, de melissa, tônica, com gás, sem gás, aquela que passarinho não bebe. Assumo com a cara mais lavada que tenho medo de água e, se você não tem, lavo minhas mãos. Somos água e óleo, fazer o quê.


Digo, porém: apesar do medo, admiro a água. Admiro sua força, sua fluidez e capacidade transformadora. A água, como raros agentes nesse mundo, percorre o quer que seja em toda a sua intimidade. Respeito a água porque a água – como a vida –  não respeita o caos. Diante do caos, ou até mesmo por causa dele, a vida resiste sem remorso. E a água, aos poucos, após o caos, a sujeira e o pânico, vai recolocando cada coisa em seu devido lugar.




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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

E se a sua vida for mesmo um conto de fadas?



"- Você poderia me dizer, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
- Isso depende bastante de onde você quer chegar (...).
- Eu não me importo muito com isso (...).
- Oh, então pouco importa que caminho você irá tomar."

(L. Carrol em Alice no País das Maravilhas)



Problemas. Sempre eles.

Atire o primeiro livro de contos de fadas quem nunca desejou ter uma varinha de condão capaz de solucionar qualquer transtorno com dois ou três plim, plim. Ou quem nunca se sentiu virando a abóbora mais murcha da paróquia muito antes da meia-noite. A vida não é fácil. Mas se a sua for mesmo um conto de fadas, aí sim, você está definitivamente em maus lençóis.

A heroína que sofre durante toda a história para ter direito a ser feliz no fim, ou aquela que passa a vida inteira encastelada aguardando que um príncipe encantado a resgate da maldição que a impede de viver além dos muros do quarto mais alto da torre, costuma não enxergar as coisas como elas realmente são. Sorte que qualquer miopia existencial pode ser perfeitamente corrigida com as maravilhosas lentes do bom senso, as quais nos permitem não somente enxergar a realidade como também auxiliam a modificá-la de maneira que ela passe de masmorra a céu aberto – pois liberdade, mais do que se atirar de cabeça no que a gente quer, é não se deixar acorrentar por aquilo que a gente pode até querer, mas não nos serve.

A vida se torna especialmente difícil justamente quando se está feliz: sempre aparece alguém oferecendo uma maçã envenenada. A parte boa é que a gente sempre pode recusá-la. Ou, na pior das hipóteses – quando a mordemos por descuido, por ingenuidade ou por birra, mesmo – ainda dispomos da prerrogativa de vasculhar nossos confins interiores em busca de um antídoto ao invés de simplesmente adormecer para o que se interpõe no caminho a fim de nos fazer mal. Descalçar os sapatinhos de cristal, arregaçar as mangas e ir à luta. Trocar o choramingo de acreditar que a vida é a madrasta malvada que nos obriga a perder o melhor da festa pela consciência de que cada um de nós é sua própria fada-madrinha: somos o que nos permitimos ser e, sobretudo, o que trabalhamos para nos tornar. Abrir os olhos para a trilha de migalhas de pão que a intuição deixa em certos trechos do caminho, a não ser que a ideia seja mesmo virar comida de lobo.

E, porque verdades não são relativas – verdades são verdades, relativo é o que fazemos com elas – não custa lembrar: sapos não viram príncipes, e príncipes, além do potencial de se transformarem em sapos, não são garantia de felicidade. Será mesmo vantagem passar a vida esperando por um ser encantado que só aparece no fim da história, depois que você, sozinha, matou dragões, salvou a vovozinha, se livrou do caçador, deu uma lição na bruxa má – tudo isso, sem dúvida, perdendo um pouco da elegância e muito da paciência em inúmeras situações, mas igualmente sem dúvida, dando conta do recado magna cum laude? A gente anda tão dependente de relacionamentos que muitas vezes confunde se apaixonar com querer se apaixonar - por um medo irracional da solidão ou do preconceito subliminar que determina ser socialmente inaceitável estar só e ser feliz assim. Amor só rima com dor enquanto a gente permite. E nos empenhamos tanto em procurar a pessoa certa, e queremos tanto reconhecê-la em meio aos demais, que nos esquecemos de nos tornar a pessoa certa para nós mesmos.

Moral da história: cada pessoa é autora de seu próprio roteiro, e ninguém precisa esperar até a última página para ser feliz. O País das Maravilhas é um estado de espírito permanentemente em construção, e a melhor varinha de condão se chama “mãos à obra”. Ser capaz de enfrentar a vida como ela é, com todos os seus problemas, reveses e imprevisibilidades, sem perder o brilho nos olhos também é um jeito, quem sabe o mais lúcido, de ser feliz para sempre.


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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Feridas, Suturas e Cicatrizes

O menino chegou pouco antes do meio-dia com aquele corte na testa, resultado de uma brincadeira malsucedida entre amigos. Pequeno, agarrado a uma das pernas da mãe, choramingava menos de dor que de medo da agulha e de toda aquela gente vestida de branco. Quietinho, até, dado o contexto da situação. Não pude deixar de pensar no porquê de as crianças só ficarem quietas quando se machucam (e penso nisso sempre porque já fui uma e, embora tendo sido uma, a questão continua a ser um mistério para mim). 

- Oi.

Nada.

- Oi. Qual o seu nome?

Ele continuou me ignorando. Mas eu conhecia um truque que, até aquele momento, era infalível.

- Puxa. Parece que você se machucou, né? Eu também tenho um desses. Veja aqui.

Ele se virou, ressabiado mas curioso – porque nas crianças, ainda bem!, a curiosidade supera a desconfiança com anos-luz de vantagem. Mostrei-lhe a cicatriz que tenho próxima à sobrancelha direita, estrategicamente disfarçada pelo desenho dos pelinhos. Ele olhou, olhou, deslizou o dedo indicador com a minúcia de quem analisa uma novidade. Estava ganho.

- Como foi?

- Eu caí. Devia ter a sua idade. Quantos anos você tem?

- Cinco. 

- Doeu?

- Deve ter doído um pouco. Mas, sinceramente, não me lembro.

- Levou ponto?

- Minha mãe diz que sim. Uns três. Vê como ficou legal? A gente nem enxerga. Só enxerga se olhar bem de perto, como você fez agora.

- É.

Ele ficou quieto por alguns segundos. Alguns.

- Vou ter que levar ponto também?

- De verdade? Acho que vai, sim. Você é muito bonito pra ficar com essa ferida aberta. A gente faz uns pontinhos, ela sara mais rápido, para de sangrar. Daqui a um tempo vai estar igual à minha e você nem vai lembrar que ela estava aí. Prometo que não vai doer. Tenho aqui uma pomadinha mágica que tira a dor. Você só precisa fechar os olhos. Abra os olhos só quando eu mandar. Certo?

- Tá bom.

Ele finalmente deitou na maca. Pedi que me trouxessem o fio mais fino e apliquei sobre o ferimento um pouco de gel de lidocaína para amortecer a dor, cobri seu rosto com um campo estéril e, quando infiltrei o anestésico local com a agulha de insulina, ele já estava tranquilo e seguro, e não precisou permanecer imobilizado. Os três pontinhos necessários para aproximar as bordas do ferimento foram feitos sem dificuldade embora minuciosamente – pois qualquer tração desnecessária na delicada pele da face pode deixar uma cicatriz esteticamente desagradável. O resultado me deixou feliz: bordas aproximadas e pele sem retrações. Em algum tempo restaria apenas uma linha esbranquiçada e tênue como lembrança. Sua memória de criança de cinco anos não seria páreo para novas aventuras – e ele, quando chegasse à minha idade, provavelmente teria algumas outras marcas além daquela, a primeira, que mesmo discreta e inaparente nunca deixaria de ser uma cicatriz e o acompanharia para toda a vida. Não doeria. Não arderia. Não sangraria. Mas talvez, provavelmente, até, incomodaria somente por estar ali. São assim as cicatrizes: quem sabe incomodem tanto porque, ao olhar para elas, imaginamos que, se tivéssemos feito as coisas de um jeito diferente, com mais cuidado, elas não estariam ali para nos lembrar de algo que deu errado.

São assim as cicatrizes. E são assim as feridas. Evitáveis – mas quem as evita? A gente quer mais é correr o risco. A emoção, a adrenalina, as surpresas do caminho entre partida e chegada. E aí vem o susto quando a gente se machuca, mesmo quando se está ciente de que havia grandes chances de as coisas terminarem assim. Fechar o corte é quase um rito de passagem. E, quando cada ponto já está em seu devido lugar, percebemos que a dor não mata nem dura para sempre, e que há vezes em que a tal sutura é mesmo a solução, embora, num primeiro momento, pareça aviltar ainda mais o que já está suficientemente ressentido – porque ferida aberta, além de doer pra burro, sangra e pior: infecciona. Por mais feio, inchado e roxo que possa parecer, os pontos caem, a vida passa e a gente esquece. A gente aprende, cedo ou tarde, que é preciso ter cuidado para não se machucar e que todo o cuidado do mundo nem sempre dá certo, e que as cicatrizes fazem parte.  Não posso deixar de pensar no porquê de as pessoas só ficarem quietas quando se machucam. E pensando, bem, ainda bem.


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