terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tchau.


Tempos atrás, postei neste blog um texto sobre mães solteiras. Mais do que isso, porém, o texto era um desabafo pessoal sobre uma experiência igualmente pessoal e, portanto, intransferível, como são todas as experiências pessoais. O que você vive é, apesar de quaisquer semelhanças, unicamente seu; não existem duas histórias iguais. Apesar disso, encontrei meu texto plagiado em outros blogs, no Facebook, no Sonico, no flogão, em perfis de sites de encontros e até no site de uma conselheira matrimonial. Não foi a primeira vez que encontrei um texto meu espalhado por aí como se fosse domínio público: já achei desde minha biografia a poemas, fragmentos do meu livro, textos referentes a meu filho, minha mãe, meus relacionamentos e até a meu gato de estimação. E isso me deixou, além de chocada, triste e revoltada, muito, extremamente desanimada - desanimada por ver a falta de respeito que as pessoas ainda têm com as histórias e palavras alheias. E, por isso, decidi encerrar meu blog. Não dá mais, gente. Não consigo mais conviver com isso. Não consigo mais ver a hipocrisia de ladrões de propriedade intelectual se vangloriando de algo que não passa nem perto de ser seu. Estou cansada. Desse tipo de coisa, desse tipo de gente e da proliferação cada vez maior desse parasitismo, sem que se possa fazer absolutamente nada para coibi-lo. Encerro meu blog hoje, com uma ressalva: a maior parte da minha produção está devidamente registrada na Biblioteca Nacional, e cada plágio que eu encontrar, seja de texto inteiro, parágrafo ou sequer frase, será devidamente cobrado através de medidas judiciais. Não tenham dúvidas: irei atrás de TODOS. A quem sempre me respeitou e incentivou, minha sinceras desculpas. Estou à disposição de vocês, sempre. E sentirei saudades, muitas.



Beijo pra todo mundo. Inclusive pra você que se esqueceu de mencionar o meu nome   quando me plagiou e que, a partir de hoje, não vou deixar que esqueça quem eu sou.



Tchau.


P.S.: em breve coloco aqui uma lista com TODOS os plagiadores. Tem gente que se deu o trabalho de copiar praticamente o blog inteiro.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Com Amor, F.



Soundtrack: Allie Moss - Corner


Então: lembre aquilo que eu lhe disse. A razão das coisas é serem imperfeitas. Imperfeitas como meu café sempre mais forte ou mais fraco ou mais doce ou mais amargo do que deveria.  Imperfeitas, e ponto final. Como minhas cartas: sem cabeçalho e repletas de incorreções e autenticidades desnecessárias. É assim. Portanto vamos às notícias, que é o que interessa.

As notícias são as mesmas de sempre, não fosse o ineditismo de meu primeiro fio de cabelo branco – há quem insista para que eu o arranque mas o deixo ali entre os outros, único e reluzente, quase como uma coroa. A parte minha mais parecida comigo, esse inevitável fio de cabelo branco. Que fique aí e, insidiosamente, se multiplique – porque nunca temi velhice e meu grande medo sempre foi, e ainda é, perceber ser inconveniente para mim mesma. Vou mudar outra vez – de cidade, de casa, de vida. Encontrei um apartamento não tão grande mas espaçoso, com jeito de antigo e cheiro de dias melhores se aproximando, com muitas e amplas janelas, dessas que  permitem à luz entrar também dentro de nós. Ficará ainda melhor com um pouco de cor. Ainda não decidi onde vou arrumar os livros e discos e você sabe, gosto deles um tanto desarrumados porque assim me parecem mais interessantes; as fotos, inclusive aquelas que você achava estranhas por se assemelharem demais a sentimentos desconhecidos se aproximando íntimos o suficiente para desvendar nossos segredos, creio que gostarei delas pelas paredes, perscrutadoras dos meus tons de vida. Ando em busca de olhos fiéis.

Troquei novamente o número do meu telefone. E confesso: não me lembro do seu. Preciso de uma agenda telefônica daquelas antigas, de papel mesmo – nada dessas geringonças eletrônicas que parecem fantásticas mas que, de uma hora para outra, se tornam mais inúteis que uma pilha gasta. Eu costumava ter boa memória antes dessas coisas virarem rotina; a rotina, hoje, é não recordar sequer o que comi no café da manhã. Faz parte. Não faz parte é esperar, isso ainda não aprendi. Mas pratico – diária e diligentemente, porque o erro maior é não procurar saber. Portanto, quando precisar de mim, ou quando quiser falar comigo, estou todos os dias, à mesma hora, na esquina daquela rua inventada onde o tempo não passa porque ali é sempre quando fui mais feliz nessa vida, e eu não me lembro quando foi, mas sei que foi um dia muito, muito suave, como uma canção de ninar na boca de uma mãe ou um par de mãos dadas. Passo, paro, respiro, observo, sigo adiante – mas sempre volto. Sempre.

Então, eu não vou me despedir de você porque nenhum de nós está partindo. E, em meio a tudo isso, lembre aquilo que eu lhe disse: as coisas são assim, marginais, sabiamente defeituosas. Como a imperfeição dos cafés, cartas, memórias, juízos, com a virtude incógnita de serem certas em seus desvios, tão incógnita quanto amores perfeitos.



 



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um Instante de Felicidade



"Capineiro de meu pai
não me cortes meus cabelos.
Minha mãe me penteou;
minha madrasta me enterrou,
pelo figo da figueira
que o passarim beslicou."

(Belchior - Aguapé)




Tenho um bonsai de figo.

A verdade é que, nem sempre, o bonsai me pertenceu; foi, originalmente, um presente dado por mim a meu ex-marido e que ele, quando nos separamos, por motivos que não vem ao caso, não levou consigo. A separação não foi nada amigável, mas seria uma insensatez cruel deixar a plantinha morrer. Fiquei com ela, no início mais por obrigação do que por opção, e passei e cuidá-la com a disciplina de quem cuida de uma criança pequena – eu que, mais do que desacostumada a vasos, terra e outras peculiaridades do reino vegetal, nunca havia cogitado ter uma planta.

O ex-marido se foi, o bonsai ficou. Acomodei-o num canto iluminado e arejado próximo ao que restara de uma begônia tão presente de aniversário quanto e que eu, apesar dos esforços, não conseguira salvar (tempos depois imaginei que a visão de uma begônia agonizante poderia aterrorizar um pouco o bonsaizinho – mas, como ele continuou viçoso mesmo quando sua companheira, dali a poucos dias, morreu definitivamente, não vi razão para mudá-lo de lugar). Dizem que o bonsai é uma planta de um dono só. Tive, por certo período, receio de que ele, com saudades do antigo proprietário, me rejeitasse, e virasse em poucas semanas uma arvorezinha seca. Não virou. Despreocupei-me.

Confesso: os primeiros dias não foram nada fáceis. Havia mesmo certa animosidade entre nós – e, para quem se pergunta como pode existir animosidade entre um ser humano e uma planta eu digo: plantas são seres mais sensíveis do que certas pessoas e percebem nosso estado de espírito. Mais do que isso, demonstram claramente o seu próprio. Nada que eu fazia lhe agradava. Se lhe oferecia menos água, era pouco; se lhe oferecia mais, era muito. Quando a deixava ao sol, era muito quente – e se a levava para dentro de casa era muito escuro, frio, sufocante para uma planta. Fui até a floricultura onde o havia encontrado, comprei o melhor adubo, terra especial, aprendi tudo sobre bonsais de figo: que gostam da vaporização da copa e de ambientes ventilados e arejados, que o sol reduz a folhagem embora os faça crescer mais vigorosamente, que a sombra aumenta o tamanho das folhas e que bonsais de figo não curtem temperaturas muito frias. Que existem figos “femininos” e “masculinos”, que o figo é considerado um fruto sagrado pelos judeus e que na Birmânia e no Ceilão também é venerada com árvore religiosa; que, na Índia, a figueira é a árvore sagrada sob cuja sombra Buda se acomodava para escrever seus manuscritos. Que os astecas e maias usavam a casca do fícus para fazer papel e os gregos e romanos como medicamento, que existem centenas de espécies de fícus e que meu bonsai se chama, cientificamente, Ficus benjamina. Estabeleci rituais de cuidado seguidos à risca quase com a disciplina e espiritualidade de um mestre zen. Independente do que eu fizesse, porém, as folhas continuavam meio encolhidas, com jeito de ressabiadas, e o que dizer daquele verde? Áspero, mal-humorado, com cara de quem estava achando tudo muito monótono. Aquele verde não tinha nenhum brilho nos olhos. Definitivamente, eu não lhe apetecia.

O que veio a seguir aconteceu em uma noite quente de quase verão. Havia uma brisa fresca e, apesar do calor, a noite era agradável; meu filho, que ainda contava poucos meses de nascimento, dormia profundamente no berço, no mesmo quarto onde minha mãe assistia a um programa de tevê. Decidi passear pelo gramado e acabei me sentando sob uma laranjeira, ao lado de onde havia deixado, horas antes, meu bonsai de figo. Comecei a pensar na vida. E, subitamente, me sentia menina demais para compreender que havia ainda uma vida inteira pela frente. Então, naquela noite – que era, como meus pensamentos, morna e imediata, e que parecia tão eterna e estática como se fosse sempre ser noite escura embora eu soubesse que, após ligeira brevidade, seria manhã – sentei-me com os joelhos cerrados entre os braços e precisei me esforçar para conter a primeira lágrima. Eu sabia que minha pequenina figueira estava ali. Então estiquei uma mão em direção a ela e, ainda com os olhos na direção do nada, disse com uma cumplicidade tanta que até me surpreendeu:

- Você sabe. Eu sei que você sabe o que eu estou sentindo.

Continuei a acariciá-la – até que meus dedos esbarraram em uma forma arredondada, de uma textura diferente e suave. Não me contive: saltei em sua direção e estava ali, o primeiro fruto do meu bonsai de figo! E era, eu tinha certeza, um presente seu para mim. Enquanto minha pele era acariciada por suas folhas, eu me entregava à comunhão silenciosa com aquela arvorezinha. Eu a ignorara durante tanto tempo. Tive raiva dela, até. Mas, naqueles dias tumultuados, eu sabia, agora eu sabia, ela também cuidara de mim, a princípio mais por obrigação do que por opção, como eu fizera com ela quando seu legítimo dono se foi. Mas ela também aprendera a gostar de mim. Havia amor, afinal.

Foi, sem dúvida, um instante de felicidade.




terça-feira, 16 de outubro de 2012

Aquelas Coisas da Cabeça


Cheguei, inclusive, a pensar que fosse algum tipo de brincadeira. Na verdade, cheguei a ter certeza – porque, afinal, quem, em sã consciência, procura um médico para pedir uma coisa dessas? Mas olhei para ele, e ele estava muito sério, sentado ali à minha frente batendo as unhas sobre a mesa e esperando que eu lhe desse uma resposta, que substituí pela única palavra que fui capaz de pronunciar após ouvir seu insólito pedido:

- Como?

- Quero um encaminhamento para um médico especialista em doença.

Ok. Um encaminhamento para um médico especialista em doenças. Certo. E não era piada.

- Ok. Certo. De que doença o senhor está falando?

- Não sei. Doença. Qualquer uma.

- É que, senhor, o senhor precisa me dizer de que doença sofre para que eu saiba para que médico preciso lhe encaminhar.

- Eu não sei de que doença sofro. Por isso preciso de um especialista em doença: para que ele descubra o que é que eu tenho.

Sempre tive tato para lidar com toda sorte de pedidos, talvez mais bom humor até do que tato, e era apenas o comecinho da manhã – além de bom humor e tato eu tinha ainda as vantagens de ter tido uma ótima noite de sono e de ainda sentir, fresquinho na minha bochecha esquerda, o beijo de bom-dia do meu filhote. Então, um encaminhamento para um médico especialista em doenças era algo estranho, enigmático, até certo ponto depreciativo – afinal de contas, que tipo de médica sou eu se meus pacientes precisam que eu lhes encaminhe para que outro profissional que lhes descubra e trate a moléstia? – mas, ok, essas coisas a gente supera. Trabalho é trabalho.

- Mas afinal, o que é que o senhor sente? O senhor tem alguma dor, alguma coisa? Se o senhor acredita que está doente a ponto de precisar de um “especialista em doença”, deve estar sentindo alguma coisa. Se me disser o que é, quem sabe eu possa ajudar.

- Não, não sinto nada, quer dizer, né? Eu sinto assim, de vez em quando uma comichão... de vez em quando uma falta de ar... aí quando vem a falta de ar eu não consigo dormir direito, fico me batendo na cama de um lado para o outro. Fico meio sofrido.

- E quando isso acontece? Todas as noites?

- Não, não. Só quando eu como muito antes de deitar.

Continuei olhando para ele. Àquela altura, eu é que estava batendo as unhas da mão direita sobre a mesa – a mão esquerda permanecia apoiada no queixo (e agora, pensando bem, não sei bem certo se a mão estava apoiada no queixo ou se o queixo é que se apoiava obstinadamente sobre minha mão fechada para se resguardar de cair vertiginosamente e rolar pelo chão), toda a parte que me cabe no latifúndio da criatividade vasculhando as profundezas da minha mente em busca de uma frase de efeito, uma pergunta retórica, um conselho sábio, qualquer coisa que não fosse a ridícula continuidade que dei àquela conversa.

- Sei...

“Sei”. Devo ser uma médica muito ruim, mesmo.

- E outras coisas? Dor de cabeça, “batedeira” no peito, tontura?

- Nada.

Empaquei. E éramos dois batendo as unhas sobre a mesa.

- A senhora pode me encaminhar para um clínico geral, não tem problema.

- É que, bem... o clínico geral sou eu, senhor.

Decidi encaminhá-lo ao psiquiatra. Afinal, ele não queria um especialista em doenças? Eu o enviaria a alguém que poderia decodificar a mensagem subliminar daquele pedido, no mínimo, esquisito. Acontece que, sabe-se lá porque, eu me sentia constrangida em mandá-lo ao psiquiatra porque sentia que havia algo de muito lúcido em toda aquela falta de lógica. Decidi baixar a guarda, “tirar o jaleco” e descontrair.

- Seu Fulano, olha, eu entendo que o senhor esteja preocupado com a sua doença, quer dizer, com a sua possível doença. Mas, ao invés de sair por aí procurando coisas no escuro, por que é que a gente não conversa um pouco mais, o senhor me conta mais sobre a sua rotina, a gente vê o que o senhor precisa, vê aí uns exames se for o caso. O senhor não tem necessariamente que procurar um especialista, até porque, até prova em contrário, pode ser que nem precise de um. Entende?

- E se eu tiver algum problema de próstata?

- Aí eu solicito um exame de próstata e, se estiver alterado, eu o encaminho imediatamente ao especialista.

- E se eu tiver um problema no coração?

- Vou saber se é o caso assim que eu examinar seu coração. E, se for o caso, e se eu não tiver condições de resolver, encaminho o senhor ao especialista sem fazer objeção.

- Não, sem injeção. Por favor, injeção eu não gosto.

- Não, não “injeção”. “Objeção”.

- “Objeção” é grave?

- Na verdade, eu quis dizer que, caso encontre alguma coisa, qualquer coisa, que sugira que eu não poderei tratá-lo sem que isso represente risco para a sua melhora, não criarei nenhum obstáculo para encaminhá-lo a outro médico.

- Hum. Entendi. Então a senhora também é especialista em doença, não é?

- De certa forma, sim. Quer dizer, não existe um médico que saia da faculdade especialista em outra coisa, entende? Um médico está para doença assim como o Neymar está para a seleção brasileira de futebol.

- Sei...

Eu havia vencido? Será? Ele ainda me olhava meio desconfiado.

- É que a senhora é escritora, não?

Então era esse o problema? Toda aquela insistência em ser encaminhado para um “especialista em doenças” se devia ao fato de eu ser escritora? Não pude deixar de respirar fundo (de surpresa, de alívio, de compreensão, de magnanimidade diante de uma hesitação que, confesso, eu também teria se tivesse lido, uma vez que fosse, minha coluna no jornal) e de agradecer mentalmente porque a implicância não era com o meu CRM, mas com a minha identidade (não tão) secreta.

- E daí? O Ronald Reagan era ator de filme de faroeste e foi presidente dos Estados Unidos.

- Aquele, da estagiária?

- Não, esse aí era o Clinton. Bom, esquece. Não tem importância. Vamos fazer uns exames?

- Opa, a senhora é que manda.

Conversamos um algo mais, o examinei, solicitei os exames necessários e, ao fim da consulta, ele se despediu visivelmente satisfeito e aliviado. Ah, aquelas coisas da cabeça. Ah, o medo do grave, do inexorável, da fragilidade. Somos sempre levados a acreditar que tudo é pior do que parece. Somos criados com a concepção de que o irremediável chega sem avisar e alimentamos pequenas doses diárias de hipocondria porque nos esquecemos de nos perceber. Ignoramos o diálogo incessante e fecundo com nosso próprio corpo. Com a nossa humanidade. E eu estava imersa nessas elucubrações quando ouvi o ruído manso da porta se abrindo outra vez, muito lentamente.

- Doutora, só mais uma coisa.

- Claro. Pode dizer. Do que o senhor precisa?

- A senhora pode me dar um autógrafo?



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O ÚLTIMO CAPÍTULO DE AVENIDA BRASIL





E eis que a novela Avenida Brasil finalmente entra na sua reta final. Assisti apenas a alguns capítulos esparsos porque, confesso, não tive coragem de acompanhar a trama integralmente, cena a cena, dia após dia – algumas passagens me pareceram tão chocantes que desligava a televisão antes que o capítulo do dia chegasse ao fim: embora a excelência do elenco, a cenografia, caprichada e o inegável peso do “padrão Globo de telenovelismo”, Avenida Brasil, na minha modesta opinião, foi uma novela estranha. Pesada demais, cruenta demais. Uma versão contemporânea e ipsi literis, quase uma apologia, da tão abominada apesar de incansavelmente praticada lei de Talião. Com suas traições, roubos, trapaças, mentiras, Avenida Brasil me desconfortou desde o início e, provavelmente, desconfortará até o último momento. E, se João Emanuel Carneiro eu fosse, tentaria um pouco de leveza ao menos no capítulo final do folhetim. Minha Avenida Brasil terminaria da seguinte forma:

Tufão finalmente aceita que sua carreira de jogador de futebol acabou e que não tem talento nenhum para empresário e resolve, então, abraçar profissionalmente a atividade que mais desempenhou durante a novela: palhaço de circo.

Jorginho desaparece. Alguns meses depois, Nina é presa pois descobre-se que ela o matou e serviu no jantar quando descobriu que ele tivera uma filha com uma ex-BBB.

Suelen cria um blog na internet onde conta sua vida como Maria-Chuteira. Diante da repercussão, lança um livro que depois vira filme.

Max é preso e passa alguns anos na cadeia até obter liberdade condicional por bom comportamento; ao sair abre uma oficina mecânica e se casa com uma manicure chamada Babalu. Torna-se alcóolatra após ser abandonado pela mulher, que parte em busca do sonho de ser paquita do programa Xou da Xuxa.

Cadinho é abandonado pelas três mulheres e, deprimido, muda-se para o Iêmen, onde se converte ao islamismo e casa-se com outras sete.

Carminha, após driblar o cerco dos mocinhos da trama e transferir todo o dinheiro acumulado durante a novela para um paraíso fiscal, foge de jatinho particular para o exterior e, alguns anos depois, se casa com Marco Aurélio, que estava vivendo fora do Brasil desde a novela Vale Tudo

E se alguém estiver se perguntando por que, no meu último capítulo, a Carminha se dá bem depois de aprontar de tudo e mais um pouco: comparadas as vilanias de todos os personagens, ela não foi a mais podre entre as maçãs. Além disso, admitir é preciso: amo a Adriana Esteves.


E você? Como seria o seu último capítulo de Avenida Brasil



quarta-feira, 26 de setembro de 2012

(e)terno

"olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo"



Ana C.

Ouve o que eu digo, meu amor: o mundo não se acaba hoje, não. 

Essa pressa toda, essa urgência. Ouve o que eu digo: não é preciso. Desde que abrimos a porta, e entrou o primeiro vento, e a vida como a conhecíamos se desorganizou para se acomodar no ruído quase imperceptível dos nossos pés, deslizando mornos sobre este caminho novo, feito das nossas sinestesias, e das nossas esperanças úmidas e vontades bruscas, e dos nossos absurdos, desde então tudo mudou. E o tempo, não se engane, está parado – e, por entre seus dedos imóveis, atravessam infinitas possibilidades, escolher nunca foi mesmo calmaria, uma coisa de cada vez e todas a seu tempo e até viver intensamente pede, cobra, por que pensar que não?, um pouco de parcimônia. Parcimônia, cada gosto de vida derretendo suavemente sobre a língua enquanto os olhos, fechados, procuram intimamente guardar a salvo de nós mesmos as imagens ainda sem nome daquilo que nos faz existir um pouco mais. E eu, meu amor, esqueci-me de tudo para existir. Então se perpetue em mim, que não tenho memória, no enlace lento e silencioso de quem se partilha não só por amar, mas também por saber que o tempo para em reverência a quem se entrega. E por saber que dentro de mim, que não tenho memória, só cabe o que me faz sentir eterna e que é por isso que cabemos, você e eu, em cada cor possível e ainda por nascer. 

O mundo não se acaba hoje, não, meu amor. Nem amanhã. O mundo só se acaba quando a gente quer.



segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Pará e o Pará da Mídia


Meu nome é Flávia, tenho pouco mais de trinta anos e sou paraense. Talvez isso não lhe diga muita coisa sobre mim, embora você pense que essa frase contenha toda a informação necessária para que me conheça bem. Será mesmo verdade?


O Pará não fica no nordeste. Não sou, portanto, nordestina, nem quase baiana, nem paraíba. Não moro no meio do mato, nem em uma aldeia indígena e nunca tive um mico-leão-dourado de estimação. Nunca vi um jacaré passeando pela cidade. Ao contrário do que você se acostumou a pensar e da herança genético-cultural que carrego e da qual tenho muito orgulho, não sou índia: sou mestiça, como a esmagadora maioria dos quase 190 bilhões de brasileiros nesse país – inclusive, provavelmente, você. O Pará só é o fim do mundo para quem ainda não deixou de andar a pé – coisa que nós, paraenses, há muito tempo não fazemos mais: temos um dos aeroportos mais bem equipados do Brasil, frotas marítimas e terrestres que nos levam a qualquer lugar e estão, como nós, de braços abertos para receber quem nos visita. Porque sim, estamos sempre de braços abertos para receber quem quer que seja não por complexo de inferioridade, mas porque nossa educação não nos permite ser diferentes.



Não ouço brega, o que não significa que o desvalorize; não ouço brega porque prefiro o ritmo mais suave da música popular brasileira deliciosa feita por outros artistas tão paraenses quanto eu – artistas que suponho que você desconheça por ter sido levado a acreditar que o Pará é um estado de um ritmo só. Nunca desmatei a Amazônia. Nunca assassinei religiosas por posse de terra. Não saio nas ruas vestida como a Joelma e a Gabi Amarantos, como você também não anda por aí usando trajes à la Fiuk, Cláudia Leitte, Latino ou Alcione. Sim, eu tomo açaí, e tacacá, e tempero a comida com molho de pimenta murupi – e, se lhe parece estranho, vou confessar uma coisa: eu também achava bem esquisito esse negócio de comer peixe cru, até o dia em que deixei os preconceitos de lado e comi sushi pela primeira vez. 

E se você faz parte do contingente de brasileiros que conhece apenas o paraense estereotipado e diametralmente oposto ao da realidade, tudo bem. A culpa não é sua. A culpa é da mídia, que apresenta em cadeia nacional paraenses que desconhecem um simplório telefone celular e se atiram com roupa e tudo no mar de Copacabana como nunca houvessem visto água salgada em toda a sua vida. Ou paraenses que se vestem com figurinos extravagantes porque são artistas que fizeram de tal caracterização sua marca registrada, esquecendo-se de mostrar que esses mesmos artistas também usam jeans, camiseta e Havaianas fora dos palcos e dos videoclipes. Ou, ainda, paraenses que abusam de criancinhas, empreendem rebeliões em presídios, agridem-se no trânsito, agonizam nas filas do SUS e matam-se uns aos outros em conflitos agrários, como se a criminalidade e as mazelas sociais fossem prerrogativas exclusivamente nossas. Agora que já estamos devidamente apresentados, tenha a bondade de me respeitar. E de vir nos visitar, caso queira nos conhecer a fundo. Nós somos de verdade. E queremos ser conhecidos pelo que somos, não pelo que a mídia, com seu reflexo pálido de uma realidade fantasiosa e presumida, diz.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Mosaico


Flores. Girassóis. Se eu plantar a semente, será que nasce uma cerejeira? Sorvete, bombom sonho de valsa, doce de leite, pêssego. Outras delícias.


[e se aquele pedido guardado na boca e esquecido
porque não soube retórica nem houve saída criasse coragem]


Filmes. Vou desenhar você. Música. Tudo bem. Desenhos. Desenhos. Desenhos. Não consigo dormir. Música. Imagem. Música. Casa comigo? Poesia. Música. Te amo. Neruda. Música. Vou plantar um pé de cereja pra nós dois.


[e crescesse num súbito e nesse repente
se fizessem todos os sentidos que a vida escondeu]


Violão de três cordas. Leonor. With or Without You. Não discuto com doida. Somos assim, sempre cuidando um do outroVou enfiar o dedo no seu nariz.Conversa. Música. Vá embora. Fotografia. Música. Choro. Música. Wish You Were Here.

[e as histórias enfim admitissem respostas]

Tatuagem. Espoleta. Sorrisos. Você tá estranha hoje. Brócolis. Cevada. Se adivinhar te dou um doce. All Star. Meu sorriso é o teu sorrindo. Caneca de porquinho. Oinc oinc. Infinito. Infinitos de infinitos.



[e apenas abra os olhos e pense rápido]


Jim Morrison. Por que ainda fala comigo? Mike Patton. Quero sumir. David Gilmour. Desmantelada. Robert Plant. Você tá bem? James Hatfield. Se eu fosse um doce, seria de quê? Joey Ramone. Cale essa boca. Eddie Vedder. Pára.

[porque tudo o que (re)tarda e analisa e ajuíza
também intimida a verdade de qualquer vontade]


Você tá cheirando meia. Beijos muitos. Não há falta na ausência. Beijos outros. Essa música me rasgaBeijos tantos.


[e então sem hesitar me diga - você:

viria?]

For every minute you’re angry you lost 60 seconds of happinessQuintana.Te pego, dedo no nariz e chinelada. Cachoeira. Chata. Churrasco. Eu não sei mais quem você é. Banho + música = Terapia. Nunca estou ocupado  pra você.Sorrisos que não cabem. Ainda te amo. Você não existe. Sinto sua falta. Sinto sua falta. Sinto sua falta.


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ao Meu Futuro Amor


Caro futuro amor:

Talvez você esteja achando muito esquisito ser chamado de “caro” pela própria futura amada – mas, como ainda não nos conhecemos, me sinto pouco à vontade para quebrar as formalidades logo de saída. Vai que você seja daquelas pessoas mais tradicionais, que gostam de tudo bem politicamente correto. Nunca me imaginei apaixonada por alguém assim – mas já tive provas mais que suficientes de que o amor é cego, portanto é mais prudente não cuspir para cima. Não briguemos por causa disso. Não agora.

Não sou a mulher mais linda do mundo, é preciso que você saiba. Também não sou a mais legal. Não tenho dinheiro sobrando e, confesso, há dias em que não sobra sequer paciência. Roo as unhas e fico louca com tubo de creme dental aberto, privada com tampa levantada, copos pela casa e panelas dentro da geladeira. Imagino que você também colecione algumas manias, as quais não farão a menor diferença entre nós dois – desde que, entre elas, não esteja a de me pedir para coçar seu pé. Tenho um pé atrás com a coceira de pés alheios. Com cuecas, idem. Passar, até passo; lavar, jamais. Portanto, é bom que você tenha esse hábito ou, na falta dele, um estoque considerável de underware.

Gosto de barba, só que depende. Sobretudo de como você cuida. Crescidinha, charmosinha, cheirosinha, me ganha fácil. Do contrário, futuro amor, pra quê? Vamos facilitar essa maravilha de contato que é ficar de rostinho colado, pele com pele. Deitadinhos no sofá, assistindo a um filme. Aliás, futuro amor, sou partidária de qualquer sistema de revezamento da tevê que nos possibilite interagir pacificamente sem que comece uma guerra mundial porque eu cancelei a programação do futebol para assistir ao meu filme preferido pela sétima vez, ou porque você mudou para o canal de esportes enquanto fui ao banheiro no intervalo de um episódio do Dr. House. Eu não me incomodo se você dormir de meias, como espero que você não se importe com as minhas pantufas do Scooby-Doo. Não durmo com bobes nos cabelos, não babo e nem ronco à noite – e, de coração, se for o seu caso, relax. Faz parte das coisas com as quais convivo bem e até, quase sempre, finjo que não vejo – a não ser com relação aos bobes.

Não me preocupo com provas de amor. Aprendi a sublimar a demasiada relevância que a maioria das pessoas em um relacionamento sério dá a datas, rituais, simbologias, demonstrações sociais de compromisso, alianças, chaves compartilhadas. O que espero mesmo, futuro amor, é que, quando olharmos nos olhos um do outro, a gente se entenda e se reconheça em meio aos nossos silêncios. Porque há coisas, futuro amor, que jamais devemos nos dizer, como também há aquelas que prescindem da necessidade de verbalizar – e eu confio no amor não dito muito mais do que em qualquer palavra. Confio na confidencialidade de mãos que se tocam, de sorrisos que nascem mútuos para se transformarem em um só. Confio na solidez do amor que não exige razões para ser diuturnamente provado. Se é algo a que você não está acostumado, não se preocupe. Eu ensino. Você perceberá: não há prova de amor que nos faça sentir tão amados quando a sensação de abrir o coração despretensiosamente.

Tenho mil defeitos, futuro amor, tenho mil defeitos. E mesmo que você, depois disso tudo, me ache um pouco estranha e até certo ponto complicada, eu lhe peço: não desista de mim. Sobretudo, não desista de você. Jamais deixe de ser você por minha causa. Lembre-se – será por você que eu me apaixonarei. Pelos seus defeitos, pelas suas ideias, pelo seu jeito engraçado de dizer certas coisas. Também não deixarei de ser quem sou para me tornar quem você quiser que eu seja – sejamos nós dois cada um de nós, para que, ao invés de dividir nossas vidas, sejamos capazes de somá-las. Para nos tornarmos maiores e melhores um pelo outro. Para que eu não o exaspere, e nem você a mim, colecionando mágoas, ciúmes, discórdias. Não desista de mim, futuro amor. Não tenho pressa de nós mas, se estiver por aí, a porta está aberta. Meu coração também – entre sem bater. 




sexta-feira, 25 de maio de 2012

Deselegância

"(...) e nunca te falei nisto porque deve ser o mesmo 
quando uma mulher fala de filhos para um rapaz em início
de namoro, mas eu pensei em ter uma filha com você, que
fosse muito parecida com você. Eu pensei, confesso e 
talvez a imagine, a menina, para sempre."
R.



Perdoe minha deselegância.

Essa, de nunca saber o que responder quando você me diz eu te amo, eu e esse medo meu de coisas bonitas. Eu e essa mania minha de achar que tudo o que é bom dura pouco, como um furtivo e efêmero primeiro beijo. Costumo colocar a culpa de deixar a felicidade escorregar por entre os meus dedos nesses calos de desamor que ainda tenho nas mãos e que doem, ah, como doem quando algo os aperta, mesmo que esse algo tenha, seja, a felicidade com sua  maciez de seda  – e eu, que pensei já ter me acostumado à dor, ainda me assusto, e as minhas mãos se abrem abruptas com a involuntariedade da criança amedrontada que confunde a sombra na parede com um monstro à espreita. Relaxe, você diz, me abrace. E ensaio, quero, mas não encontro no meu baú de habilidades esquecidas o abraço que desaprendi – porque é como se abrir os braços fosse a chave para destrancar meu coração e quero mesmo fazer isso? Não sei.

Eu e esse medo meu de coisas bonitas, como você é bonita. Acredito. Seu vinho, minha cerveja, nosso tempo desconstruído, me perdoe a deselegância de fingir que sou forte demais para me apaixonar de novo. O que estou dizendo, e nem sei se digo isso a você ou a mim, é: às vezes tudo parece leve, tudo parece definido, mas me perdoe a deselegância de sumir de repente dentro de mim mesma sem dar satisfações nem a mim e nem a você. E entre nós a conversa flui tão bem e também o riso, e eu me sinto amada, e existe uma certa responsabilidade em ser amada, entende? Porque a gente tem que ter cuidado com o amor que alguém oferece. A gente tem que ter cuidado, a gente tem que ter. Perdoe minha deselegância de não cuidar bem do seu amor.

Perdoe minha deselegância de não saber o que quero da vida. Às vezes confundo mesmo vontades com pássaros em alvoroço, voando em bando para o nada mais próximo mas que faça recordar em algo o aconchego de um ombro morno. Tenho estado fora do lugar ultimamente. Não peço que você me entenda, só peço que você me perdoe a deselegância de ter medo e de raciocinar demais quando o que eu deveria fazer era sentir, e mais nada. E não pense que estou fugindo, apenas não estou aqui e digo, sei o caminho, só não tenho certeza se já é hora de voltar.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Declaração de uma Ré Confessa


Confesso: matei.

Matei. E, apesar de admitir tê-lo matado, insisto, não cometi crime algum: sei que mereço perdão. Ele estava ali, sempre, sem jamais dar trégua. Importunando, cheio de malícia, insinuando coisas perversas, pavorosas, alimentando mesquinharias. Estava me enlouquecendo. Como eu podia continuar a conviver com aquilo? Como eu podia não me rebelar contra tanta nocividade? Ele era inconveniente, arbitrário. Se perdi a cabeça ou se finalmente recuperei meu juízo, não sei dizer; o fato é que matei.

Antes de me condenar, porém, me ouça. E acredite: tentei, de todas as formas, evitar que o pior acontecesse. E por um longo tempo, evitei. Insisti para que fosse embora, seguisse seu caminho, lhe disse várias vezes que jamais seríamos felizes juntos, nós que sempre desejamos vidas tão diferentes. Eu costumava ser uma pessoa pacífica; a presença dele, porém, aquela convivência diária causava, dentro de mim, tanta instabilidade que eu mal me reconhecia.  Pedi que se modificasse. Implorei para que repensasse seu modo de ser, bastava olhar em volta para ver o quanto seu temperamento difícil tornava tudo amargo, sombrio. Ele, porém, jamais me deu ouvidos, jamais. Continuou neurastênico, agarrado àquela existência biliosa como um náufrago se agarra a um bote salva-vidas, tornando meu mundo escurecido e superficial como uma cova rasa. Quem pode me julgar? Ninguém. Não conheço ser humano que, no meu lugar, não tivesse feito exatamente a mesma coisa.

Planejei tudo. Há muito desejava matá-lo. Imaginei-me fazendo isso de todas as formas possíveis. No fim, decidi que o faria olhando nos seus olhos, para que ele, antes de morrer, enxergasse nos meus que eu não sentia qualquer tipo de remorso. Matei-o com um só golpe, e não foi difícil como eu imaginava – sei tal confissão me faz parecer fria e calculista, mas acredite: não sou. Tenho bom coração. Sou das pessoas mais humanas que conheço, não tenho coragem de maltratar vivente de espécie alguma – mas o que fiz a ele está feito e, se preciso fosse, faria novamente. E me sinto mais leve, finalmente me sinto livre para viver em paz. Estou em paz, porque matei. Matei, sim, o Ódio, e não me arrependo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Status de Relacionamento: Mãe Solteira

Soundtrack: Ludov - Princesa



- Essa aí. Cuidado com essa aí que é mãe solteira.

Uma vez ouvi essa frase da mãe de um amigo de faculdade. Tínhamos acabado de passar no vestibular e ele estava de namorinho com uma menina do curso de Farmácia; a mãe soube do relacionamento e, como qualquer boa mãe, tomou para si a missão de advertir o filho sobre o perigo daquele envolvimento. Afinal, a menina era mãe solteira: saíra de outro relacionamento com mais experiência e um filho pequeno para criar.  A menina era legal, divertida, inteligente, mas o namoro não durou muito, não sei por que – embora sempre tenha desconfiado que a tal advertência materna tenha sido mesmo o começo do fim. O tempo passou e nunca mais me lembrei dessa história. Até o dia em que fui convidada para um passeio por um dos meus pacientes e ele, muito educadamente, complementou o convite:

- A senhora não deixe de levar seu marido.

Confesso que na hora me bateu um constrangimento. Sincronicamente, ele baixou os olhos para minha mão esquerda: nada de aliança. Fez-se um breve e pesado silêncio, tradutor de centenas de perguntas (da parte dele, tenho certeza) e de algumas possíveis justificativas (não sei explicar porque, mas REALMENTE fiz uma revista mental em busca de algumas), seguido de um fôlego curto, de coragem ou de alívio, não sei, mas que foi o abre-alas para a frase que escapou da minha boca e, também para mim, foi a constatação de um status do qual nem eu havia me dado conta: SOU MÃE SOLTEIRA.

Sou mãe solteira. E daí? Sou legal, divertida, inteligente - como a menina do meu amigo de faculdade. Tenho um bom emprego, nome limpo na praça, bons antecedentes, nada de ficha na polícia. Limpinha, todos os dentes na boca. Porque meu estado civil deveria importar? Porque meu estado civil importa tanto? E o termo, “mãe solteira”, pesa, infinitamente mais do que a responsabilidade de ser uma delas. É como se a mãe solteira estivesse sempre à espreita de uma oportunidade de se dar bem à custa de algum bobão que leve para casa o “kit” de que outro abriu mão. Ou como se fosse alguém tão emocionalmente vulnerável a ponto de aceitar migalhas de afeto por pura carência. Ou, ainda, como se fossem mulheres sem sorte, renegadas: coitada, essa aí não tem sorte com homem: é mãe solteira. Ninguém nunca parou para pensar no quanto uma mãe solteira pode ser sortuda? Há bem pouco tempo atrás, a mulher separada e a mãe solteira eram párias – não havia desgraça maior para uma família do que ter entre os seus uma mulher largada do marido ou uma moça com um filho sem pai. Hoje, felizmente, a mulher aprendeu a exigir ser respeitada independente de véu, grinalda, papel passado e de como administra sua cama e sua vida. E conciliar um filho e liberdade para ir e vir não é coisa de gente azarada, mas de gente inteligente e bem resolvida.

Mães solteiras são mulheres flex – trabalham, criam seus filhos, estudam, criam seus filhos, pagam suas contas, criam seus filhos, cuidam de si, criam seus filhos, (às vezes) namoram, criam seus filhos. Esquecem (às vezes) de si, criam seus filhos. Aprendem a equilibrar nos ombros problemas, angústias, iminências, esperanças, devaneios, alegrias, tempo. Sobretudo tempo. Tempo é a coisa mais relativa na vida de uma mãe solteira. Sempre falta mas, no fim das contas, a gente sempre encontra. Aliás, somos especialistas nisso de achados e perdidos, porque a rotina, ao contrário de nós, está sempre de pernas para o ar – e é preciso muita habilidade para não desaparecer em meio ao de-tudo-um-pouco. É claro que é difícil. É claro que há dias em que a sobrecarga é tanta que a única vontade é largar tudo, trocar de identidade e correr pro mundo, mas é uma vontade que nasce para morrer logo em seguida – porque logo ali, pertinho, sorrindo, existe um rostinho lindo dizendo “eu te amo, mamãe” que faz tudo, absolutamente tudo valer a pena. Eu não me orgulho de muitas coisas nessa vida, mas de ser mãe solteira eu me orgulho, sim.

Mães solteiras merecem respeito. Mais do que isso: merecem aplausos. É coisa para mulheres valentes, que têm a coragem de dar à luz seus filhos e de conduzir sua vida sem se submeter a convenções meramente sociais. Não é feio ser mãe solteira. Feio é ter preconceito e mente pequena, julgar o livro pela capa e o caráter pelo estado civil. Feio é ser infeliz. E felicidade, certamente, é algo que nunca nos falta.



terça-feira, 22 de maio de 2012

Flávia Brito na Confraria dos Trouxas - Reloaded

"Oi, xará. Tudo bem?"

A mensagem dela começava assim e, papo vai, papo, vem, um convite: um texto para a Confraria dos Trouxas. Nem pensei duas vezes - porque era um texto para a Confraria dos Trouxas e por ser um convite dela, Flávia Queiroz, minha xará-menina-prodígio, parceira no nome e nesse parto de cada dia que é escrever.

O texto está aqui. Flavinha, DenisonAna SuyAndréCarina e Cláudio Marques, muito obrigada pelas portas sempre abertas.



sexta-feira, 11 de maio de 2012

Um livro.


Cartas Para L. fala de amor. E de toda a bagagem emocional que o amor traz consigo - alegria, solidão, raiva, medo, angústia. Sentimentos sem os quais amor nenhum seria o mesmo. É a história de um amor intenso, genuíno, cortante. O que pode, à primeira vista, dar impressão de ser a tentativa de retomar uma história de amor interrompida é, na realidade, a tentativa de retomar a própria história através da compreensão do próprio coração – mesmo que para isso seja preciso reabrir algumas feridas. É o mergulho na alma de uma pessoa que expõe a si mesma, muito mais que ao destinatário das cartas, suas fragilidades e conflitos, seus temores e desejos, suas reflexões e expiações, fazendo de seu turbilhão interior a catarse que conduz a um caminho de amadurecimento e autoconhecimento.










"(...) Seu livro debut, Cartas para L., é a publicação de uma coleção de correspondências particulares sobre intransferíveis sentimentos que ao invés de cumprirem o acordo de palpitarem secretamente, resolveram gritar e ecoar dentro de um peito que transborda pelos dedos. Por que suas cartas pessoais nos dizem respeito? Pelo senso de comunhão que elas nos remetem. (...)Apesar de não serem remetidas por você nem a você, Cartas para L. lhe foram endereçadas. (...) Cartas que Flávia Brito escreve - para nós e por nós - com muita destreza, na irritabilidade terna, na imponderabilidade palatável das cartas de amor." (Jana Lisboa)




"(...) Cartas para L. é uma consequência da viagem literária e de uma forte experiência de vida. Acredito até que demorou sair, mas tudo tem tempo certo para ser concebido, gerado, parido... Contenho minha ansiedade e espero, com esta apresentação, acrescentar mais vontade a você que está prestes a entrar fundo numa aventura literária repleta de emoções e reflexões, mergulhar numa espiral de Alice desenhada com a instigação de Clarice. Sim, a Flávia me remete a ambas. Bem-vindos ao paraíso emocional de Flávia Brito." (Gustavo Martins)


A partir do dia 26 de maio, Cartas Para L. estará disponível para aquisição na loja virtual da Editora Multifoco ou diretamente comigo. Boa leitura a todos!