sábado, 11 de julho de 2009

Com o Tempo a Gente Esquece

Esquecer é um aparte,
é uma morte,
é uma arte.

Soundtrack: Skank - Vamos Fugir




Com o tempo a gente esquece que a toalha molhada sobre a cama deixou úmido o lençol recém-trocado e se lembra de como foi delicioso tomar um banho demorado depois do dia mais cansativo da semana, porque a toalha molhada sobre a cama é apenas e tão somente uma toalha molhada sobre a cama. Com o tempo a gente esquece a janela aberta, e a porta fica apenas encostada – e por aí vão entrando novas idéias e saindo posturas viciosas, que é preciso mesmo arejar os ambientes e tirar o mofo da vida. A gente esquece as chaves no bolso e desiste de trancar o riso. E, às vezes, também se esquece de lembrar o próprio nome e passa a se chamar Passarinho, Correnteza ou Ventania. Ou Céu.

Com o tempo a gente esquece a reserva que fez no restaurante mais badalado da cidade e passa a tarde no quintal chupando fruta do pé. Com o tempo a gente se esquece de como é que se fuma, e de como é que se bebe, e respira fundo a sobriedade de estar com a cabeça fresca e o corpo pronto para o que der e vier. A gente esquece que acabou a margarina e que faltou sal no feijão, a gente esquece que adoçou o café com açúcar ao invés de adoçante, a gente esquece que o arroz cozinhou demais – e dá de ombros porque nem dá nada passar um dia sem margarina, e sal demais aumenta a pressão, e comer açúcar uma vez na vida não vai fazer disparar o ponteiro da balança, e qual o problema de comer arroz um pouco mais molinho? Com o tempo a gente se esquece de ligar o celular, a tevê e o computador – e dá vontade de encontrar alguém pra jogar conversa fora ou de ficar em casa com o corpo largado no sofá e os pés sobre a mesa, curtindo um abraço e uma caneca de chocolate quente. A gente esquece o guarda-chuva em cima da mesa da cozinha e vê que bom mesmo é sacar fora os sapatos e se enfiar por entre os pingos d’água, bom mesmo é lavar a alma numa chuva inesperada. A gente esquece o relógio e as chaves do carro, e sai a pé e vai lá fora viver sem hora pra voltar.

Com o tempo a gente esquece como é que se faz as malas, porque tudo que se pretende é ficar. A gente se esquece de que tudo tem um preço, e quer mais é pagar pra ver. Com o tempo a gente esquece também de que amanhã é segunda-feira e deixa o corpo se lembrar, com toda a preguiça do mundo, de que hoje é domingo e o hoje está aí pra isso. A gente, com o tempo, até esquece que o filme é dublado, e entra no clima da interpretação canastrona da versão aportuguesada porque o filme é o mesmo, e a gente já viu, e vale a pena ver de novo de qualquer jeito porque o John Malkovich está matando a pau ou a Bette Davis nunca esteve tão malvada. Com o tempo a gente se esquece do bicho-papão, do boi da cara preta, da vaca que foi pro brejo e entende que o que era doce está muito longe de acabar. Com o tempo a gente esquece que cresceu e vê que o tempo que passou não faz tanta diferença assim, e que sempre é hora de esquecer muita coisa para lembrar-se do que realmente importa. É que, com o tempo, a gente se lembra da gente. E disso, quando a gente lembra, a gente nunca mais se esquece.


Com o Tempo a Gente Esquece

Esquecer é uma arte.



Com o tempo a gente esquece que a toalha molhada sobre a cama deixou úmido o lençol recém-trocado e se lembra de como foi delicioso tomar um banho demorado depois do dia mais cansativo da semana, porque a toalha molhada sobre a cama é apenas e tão somente uma toalha molhada sobre a cama. Com o tempo a gente esquece a janela aberta, e a porta fica apenas encostada – e por aí vão entrando novas idéias e saindo posturas viciosas, que é preciso mesmo arejar os ambientes e tirar o mofo da vida. A gente esquece as chaves no bolso e desiste de trancar o riso. E, às vezes, também se esquece de lembrar o próprio nome e passa a se chamar Passarinho, Correnteza ou Ventania. Ou Céu.

Com o tempo a gente esquece a reserva que fez no restaurante mais badalado da cidade e passa a tarde no quintal chupando fruta do pé. Com o tempo a gente se esquece de como é que se fuma, e de como é que se bebe, e respira fundo a sobriedade de estar com a cabeça fresca e o corpo pronto para o que der e vier. A gente esquece que acabou a margarina e que faltou sal no feijão, a gente esquece que adoçou o café com açúcar ao invés de adoçante, a gente esquece que o arroz cozinhou demais – e dá de ombros porque nem dá nada passar um dia sem margarina, e sal demais aumenta a pressão, e comer açúcar uma vez na vida não vai fazer disparar o ponteiro da balança, e qual o problema de comer arroz um pouco mais molinho? Com o tempo a gente se esquece de ligar o celular, a tevê e o computador – e dá vontade de encontrar alguém pra jogar conversa fora ou de ficar em casa com o corpo largado no sofá e os pés sobre a mesa, curtindo um abraço e uma caneca de chocolate quente. A gente esquece o guarda-chuva em cima da mesa da cozinha e vê que bom mesmo é sacar fora os sapatos e se enfiar por entre os pingos d’água, bom mesmo é lavar a alma numa chuva inesperada. A gente esquece o relógio e as chaves do carro, e sai a pé e vai lá fora viver sem hora pra voltar.

Com o tempo a gente esquece como é que se faz as malas, porque tudo que se pretende é ficar. A gente se esquece de que tudo tem um preço, e quer mais é pagar pra ver. Com o tempo a gente esquece também de que amanhã é segunda-feira e deixa o corpo se lembrar, com toda a preguiça do mundo, de que hoje é domingo e o hoje está aí pra isso. A gente, com o tempo, até esquece que o filme é dublado, e entra no clima da interpretação canastrona da versão aportuguesada porque o filme é o mesmo, e a gente já viu, e vale a pena ver de novo de qualquer jeito porque o John Malkovich está matando a pau ou a Bette Davis nunca esteve tão malvada. Com o tempo a gente se esquece do bicho-papão, do boi da cara preta, da vaca que foi pro brejo e entende que o que era doce está muito longe de acabar. Com o tempo a gente esquece que cresceu e vê que o tempo que passou não faz tanta diferença assim, e que sempre é hora de esquecer muita coisa para lembrar-se do que realmente importa. É que, com o tempo, a gente se lembra da gente. E disso, quando a gente lembra, a gente nunca mais se esquece.