segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Proibido Para Maiores

Tentei escrever uma estória para crianças. A primeira coisa a fazer seria a escolha do tema. Difícil. As crianças não são bobas como os adultos imaginam: detestam ser subestimadas. Pensei em escrever uma estória de bicho, já que elas estão saturadas desse negócio de fadas, duendes, princesas e afins. Fantasmas, mula-sem-cabeça e bicho-papão nem pensar. Tudo bem que as crianças de hoje não acreditam em muita coisa e as de amanhã, provavelmente, terão em suas cabecinhas sinapses ainda mais céticas e exigentes, mas escolher um desses seres como protagonista poderia ou assustar um dos meus leitores em potencial ou, na mais frustrante e risível das hipóteses, me garantir, entre os pequenos, o título de “a pior contadora de estórias infantis de todos os tempos”. É um perigo subestimar a inteligência delas. Sei disso porque já fui uma. 

Pensei então em escrever sobre um cometinha que desobedeceu a mamãe-cometa e resolveu sair da própria órbita, acabou se perdendo e veio parar na Terra, mas aí imaginei meu filho um pouco mais crescidinho dizendo “cometas são feitos de rocha, gelo, poeira e gases, mãe; se cair um aqui, a gente morre, você devia assistir Discovery Channel”. Nada bom. Caubóis, cavaleiros, detetives... hoje em dias as estórias para crianças falam do quê, mesmo? Vasculhei os brinquedos do Samuca em busca de uma ideia salvadora, encontrei a bola de plástico verde que ganhamos de brinde no supermercado e pensei “quem sabe uma estória sobre um menino que ganhou uma bola de plástico verde no supermercado e, pouco depois, descobriu era uma bola de plástico verde falante?” – por um segundo, pareceu promissor. Mas, de novo, a voz da razão: “bolas não falam, mãe”. Puxa... nunca pensei que fosse tão difícil escrever uma estória para crianças. 

Pensei em algo do tipo Toy Story ou Pluft, o Fantasminha. “Mãe, isso é plágio”. Amigo imaginário, na minha época funcionava. “Tá tudo bem com você, mãe?”. Um menino que fez um barquinho de papel e nele navegou os sete mares. Uma casa bem-assombrada. Um skate voador. Um golfinho que não sabia nadar. Pensei mil coisas, sem conseguir desenvolver nenhuma. Tudo parecia tão questionável! O que era mesmo que eu curtia ler quando era uma criança? Pouca memória, nem tanta criatividade; me conformei com a tela em branco, larguei o computador e fui brincar no tapete com a cria.

Foi aí que olhei para ele, e para aquele monte de brinquedos esparramados no chão... e percebi o quanto ele, ora compenetrado, ora rolando de rir, se divertia com alguma coisa que eu, por mais que tentasse, não estava enxergando muito bem. Coisa que só ele via. Era isso! Como pude ser tão cega? Crianças não precisam de justificativas; crianças precisam de imaginação, e a imaginação não tem lógica. Crianças enxergam, sentem e amam coisas que não fazem sentido para nós mas que, no mundinho delas, são perfeitamente naturais. Para elas não existe absurdo. E foi aí que desisti de escrever uma estória PARA crianças e decidi escrever uma estória SOBRE crianças para nós, que em certos dias nem tanto, mas que algumas vezes, sem perceber, crescemos demais. Uma estória que nos lembre de que nós, que algumas vezes crescemos demais, talvez não sejamos capazes de alcançar a clareza de espírito dos pequeninos mas que, para isso, seja preciso apenas “desamadurecer” um pouco.


As janelas por onde vejo o mundo fazer sentido:
os olhinhos de jabuticaba do meu pequeno Samuel.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Flávia Brito na Confraria dos Trouxas


Há alguns dias, o Denison Mendes me enviou uma mensagem dizendo "quero te convidar para escrever um texto como convidada da Confraria dos Trouxas, a música da semana é eu sei que vou te amar... topas?". Nem pensei duas vezes. Escrever na Confraria - um espaço lindo, escrito com o maior carinho por escritores de peso como o próprio Denison, Ana Suy Sesarino, Flávia Queiroz, André Salviano, Carina B. e Felipe Carriço e por onde já passaram tantos outros autores que amo - seria mais que uma felicidade: uma honra. 



Convido vocês a visitar esse blog maravilhoso e a conferir meu texto Acordes e todos os outros textos deliciosos dessa gente linda que faz de escrever a sua arte.

Nos vemos lá!

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Incompletudes

(...)Dentro do peito, no entanto; havia ainda aquele ponto
brilhante, incandescente, de onde saía uma chuva de
pequenas fagulhas. Era quase insuportável. Ela mal tinha
coragem de respirar, por medo de atiçar aquele fogo ainda
mais;contudo, respirava fundo... fundo. Quase não tinha
coragem de olhar-se no espelho frio; mas olhou, e ele
mostrou-lhe uma mulher radiante, com lábios trêmulos,
sorridentes, grandes olhos escuros e um ar de quem está
à espera de que alguma coisa... divina aconteça.
Ela sabia que iria acontecer infalivelmente.(...)

Katherine Mansfield in: Bliss



A sua dúvida talvez seja a mesma minha: não saber onde todas renúncias se recolhem à espera de uma segunda chance. Aquele caminho que a gente não seguiu, aonde daria. Parecia tão simples desinibir ternuras alguns dias atrás que não percebi em que momento a espontaneidade se tornou privilégio – e se tornou regra essa cordialidade vigilante, hábil em macerar o dia. Tenho vontades que não morrem. Tenho repentes que inquietam meu coração e fazem doer meus dedos. Parecia tão simples, mas imagino: nada é simples, a não ser fugir – e eu escolhi ficar aqui, e renunciar, e ignorar. Porque certas coisas, quanto mais absurdas, mais adequadas me parecem. Certas coisas, não tão certas. Enquanto escrevo, eu me lembro do cheiro daqueles dias. Então escrevo, e me lembro, e persisto desorientando infinitudes e desafiando incompatibilidades - porque não pude, porque não soube, porque não vi(vi) mas ainda assim acredito num amor imune ao aleatório.