segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Pará e o Pará da Mídia


Meu nome é Flávia, tenho pouco mais de trinta anos e sou paraense. Talvez isso não lhe diga muita coisa sobre mim, embora você pense que essa frase contenha toda a informação necessária para que me conheça bem. Será mesmo verdade?


O Pará não fica no nordeste. Não sou, portanto, nordestina, nem quase baiana, nem paraíba. Não moro no meio do mato, nem em uma aldeia indígena e nunca tive um mico-leão-dourado de estimação. Nunca vi um jacaré passeando pela cidade. Ao contrário do que você se acostumou a pensar e da herança genético-cultural que carrego e da qual tenho muito orgulho, não sou índia: sou mestiça, como a esmagadora maioria dos quase 190 bilhões de brasileiros nesse país – inclusive, provavelmente, você. O Pará só é o fim do mundo para quem ainda não deixou de andar a pé – coisa que nós, paraenses, há muito tempo não fazemos mais: temos um dos aeroportos mais bem equipados do Brasil, frotas marítimas e terrestres que nos levam a qualquer lugar e estão, como nós, de braços abertos para receber quem nos visita. Porque sim, estamos sempre de braços abertos para receber quem quer que seja não por complexo de inferioridade, mas porque nossa educação não nos permite ser diferentes.



Não ouço brega, o que não significa que o desvalorize; não ouço brega porque prefiro o ritmo mais suave da música popular brasileira deliciosa feita por outros artistas tão paraenses quanto eu – artistas que suponho que você desconheça por ter sido levado a acreditar que o Pará é um estado de um ritmo só. Nunca desmatei a Amazônia. Nunca assassinei religiosas por posse de terra. Não saio nas ruas vestida como a Joelma e a Gabi Amarantos, como você também não anda por aí usando trajes à la Fiuk, Cláudia Leitte, Latino ou Alcione. Sim, eu tomo açaí, e tacacá, e tempero a comida com molho de pimenta murupi – e, se lhe parece estranho, vou confessar uma coisa: eu também achava bem esquisito esse negócio de comer peixe cru, até o dia em que deixei os preconceitos de lado e comi sushi pela primeira vez. 

E se você faz parte do contingente de brasileiros que conhece apenas o paraense estereotipado e diametralmente oposto ao da realidade, tudo bem. A culpa não é sua. A culpa é da mídia, que apresenta em cadeia nacional paraenses que desconhecem um simplório telefone celular e se atiram com roupa e tudo no mar de Copacabana como nunca houvessem visto água salgada em toda a sua vida. Ou paraenses que se vestem com figurinos extravagantes porque são artistas que fizeram de tal caracterização sua marca registrada, esquecendo-se de mostrar que esses mesmos artistas também usam jeans, camiseta e Havaianas fora dos palcos e dos videoclipes. Ou, ainda, paraenses que abusam de criancinhas, empreendem rebeliões em presídios, agridem-se no trânsito, agonizam nas filas do SUS e matam-se uns aos outros em conflitos agrários, como se a criminalidade e as mazelas sociais fossem prerrogativas exclusivamente nossas. Agora que já estamos devidamente apresentados, tenha a bondade de me respeitar. E de vir nos visitar, caso queira nos conhecer a fundo. Nós somos de verdade. E queremos ser conhecidos pelo que somos, não pelo que a mídia, com seu reflexo pálido de uma realidade fantasiosa e presumida, diz.