tudo dito,
nada feito,
fito e deito.
(Paulo Leminski)
Soundtrack: Iron and Wine - The Sea and the Rhythm
nada feito,
fito e deito.
(Paulo Leminski)
Soundtrack: Iron and Wine - The Sea and the Rhythm
Hoje, por um momento, pensei mesmo em lhe telefonar.
Eu, que algumas vezes mal me lembro da sua voz e, noutras, me espanto com a nitidez do seu timbre a invadir meu esquecimento e se aninhar nos meus ouvidos em minhas noites de insônia, pensei mesmo em lhe telefonar. Não me agrada nem um pouco dizer “oi”, nem perguntar trivialidades, nem me despedir; então, em resumo, nem sei por que motivo lhe telefonaria. A verdade é que senti que lhe devia isso: confessar que a tal foto – a mesma que lhe afirmei, com o rosto anuviado por um quase orgânico impulso de fingir a indiferença que nunca fui capaz de representar sequer razoavelmente, ter perdido num surto de voluntária displicência – ainda existe. A parte estranha é que, de fato, não senti necessidade de falar com você: a necessidade era de dizer nada e estar, beber esse tempo partilhado num copo de prata, sentir seu sabor encorpado no vermelho da língua. E, se tivesse de dizer alguma coisa, diria somente que aquela vontade que um dia senti de nunca soltar a sua mão ainda está acima dessa desfeita que você me fez: de arrancar de mim a parte sua que me fazia mais eu, eu era mesmo mais forte quando meu olhar desfalecia enxergando além do que jamais vi antes de aprender a observar o seu sorriso surgindo para se espraiar em todos os lugares que minha mente alcança. Ausente, sua boca ainda me fala daquelas histórias contadas com suave saliva que me partiam e partem ao meio, e se funde comigo, e vai virando esse instante que engole as horas e as cores daquela fotografia que tiramos no único dia que, para nós, não terminou, porque era feito das verdades que nunca nos dissemos; então, alheios a nós, intimamente desconhecidos de nós, naquele dia fomos felizes. Mas não ligue, nem se assuste e nem se impressione – a foto vai ficar exatamente onde está e o telefone também, isso logo passa, quem sabe é apenas melancolia. Ou saudade com meio palmo de língua para fora, cansada de ser.
Eu, que algumas vezes mal me lembro da sua voz e, noutras, me espanto com a nitidez do seu timbre a invadir meu esquecimento e se aninhar nos meus ouvidos em minhas noites de insônia, pensei mesmo em lhe telefonar. Não me agrada nem um pouco dizer “oi”, nem perguntar trivialidades, nem me despedir; então, em resumo, nem sei por que motivo lhe telefonaria. A verdade é que senti que lhe devia isso: confessar que a tal foto – a mesma que lhe afirmei, com o rosto anuviado por um quase orgânico impulso de fingir a indiferença que nunca fui capaz de representar sequer razoavelmente, ter perdido num surto de voluntária displicência – ainda existe. A parte estranha é que, de fato, não senti necessidade de falar com você: a necessidade era de dizer nada e estar, beber esse tempo partilhado num copo de prata, sentir seu sabor encorpado no vermelho da língua. E, se tivesse de dizer alguma coisa, diria somente que aquela vontade que um dia senti de nunca soltar a sua mão ainda está acima dessa desfeita que você me fez: de arrancar de mim a parte sua que me fazia mais eu, eu era mesmo mais forte quando meu olhar desfalecia enxergando além do que jamais vi antes de aprender a observar o seu sorriso surgindo para se espraiar em todos os lugares que minha mente alcança. Ausente, sua boca ainda me fala daquelas histórias contadas com suave saliva que me partiam e partem ao meio, e se funde comigo, e vai virando esse instante que engole as horas e as cores daquela fotografia que tiramos no único dia que, para nós, não terminou, porque era feito das verdades que nunca nos dissemos; então, alheios a nós, intimamente desconhecidos de nós, naquele dia fomos felizes. Mas não ligue, nem se assuste e nem se impressione – a foto vai ficar exatamente onde está e o telefone também, isso logo passa, quem sabe é apenas melancolia. Ou saudade com meio palmo de língua para fora, cansada de ser.