quarta-feira, 28 de maio de 2008
domingo, 25 de maio de 2008
In Media Res
Fome, talvez, de vontades. A vontade coibida é uma rosa murcha – o azedume do cheiro, a aparência macerada de coisa cuja hora passou, o rubro virado em tom-qualquer-um, a aversão completa, quase com um quê de piedade, provocada por essa visão de quase-morte, ou quase-vida. E a bola no peito crescendo, crescendo, crescendo, crescendo. Crescendo. E eu fico quieta, muito quieta, naquela imobilidade agressivamente vigil de quem espreita a urgência de um grito, e, de repente, zás! – aquela explosão de sempre, tão destrutiva quanto regeneradora, caos restabelecendo a ordem e o peito serenando, serenando, serenando, serenando... serenando... porque sou aquela intenção de sempre, aquela tensão de sempre, aquela vazão de sempre. Aquela, de sempre.
Não sei sentir, talvez nunca saiba. E minha resignação diante dessa falta é a prova cabal de que tal aprendizado se opõe diametralmente à minha natureza de criatura exacerbada, se debatendo contínua e violentamente dentro de um corpo frágil e limitado até a completa exaustão – derramada inteira nos próprios olhos, estremecida, ávida de sentires caudalosos e irreprimidos. Não sei sentir – e me entrego sem resistências a esse não saber. Desisto de tentar ser quem não sou, de ignorar que carrego no peito o que me pertence. Ninguém consegue medir forças consigo mesmo por tanto tempo.
Nobreza
Acomodou-se como pôde, quase desaparecendo sob a montanha formada pela sacola e pela criança, esta já se agitando num choramingo de impaciência faminta. Ajeitou com capricho a manta e touca do filho, lhe ofereceu o seio, deixou que o menino abrandasse sua fome naquele peito magro. O calor do meio-dia transformava o coletivo em uma estufa; o ar quente e em movimento inundava-lhe as narinas de odores, despertando a fome naquele corpo tão acostumado a privações. O garoto sardento de óculos e uniforme escolar, sentado no banco paralelo ao seu, a observava fixamente desde que ela pusera os pés naquele ônibus. Estava acostumada a ser alvo de análises e observações; gostar, não gostava, mas fazer o quê, era ignorar e pronto. Aquele garoto acabaria encontrando distração melhor.
O bebê, faminto, lhe abocanhava o mamilo com voracidade, as gengivas comprimindo a aréola dolorosamente, sensação que se traduzia na expressão de seu rosto contraído. O coletivo corria aos solavancos; mais de uma vez teve de se agarrar ao assento da frente para não se machucar. Onde será que aquele motorista havia aprendido a dirigir? Tornou a arrumar as roupinhas do filho, vestido com capricho apesar da pobreza; o pequeno era cuidado com todo seu esmero de mãe. Preocupava-lhe o futuro do menino – e o futuro, no caso dos dois, era o dia seguinte, tão próximo e, ao mesmo tempo, tão incerto. Tão incerto."
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Importante!!
Não comentei aqui antes por se tratar de um drama pessoal de um amigo blogueiro. O extinto HYNKEL foi dos primeiros blogs que conheci e que se manteve na ativa por muitos anos. Infelizmente, meses atrás, o FELIPPE descobriu estar muito doente e resolveu fechar o blog, mas criou outro, o CERUMANO - onde passou a descrever tudo que acontecia com ele e sua doença. Atualmente os médicos diagnosticaram que ele desenvolveu leucemia mielóide aguda (LMA) e precisa URGENTEMENTE de um transplante de medula. Peço aos amigos que não só divulguem, mas que, quem puder, faça o teste de compatibilidade. Maiores informações no blog do FELIPPE, o CERUMANO".
Muito, muito obrigada.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Movimento Rápido dos Olhos
Ele a chamara furacão, ela era brisa se desmanchando naquele peito de ausência tão presente. E havia a necessidade veemente e imediata de se entregar à urgência do corpo que emergia da quietude da noite para, incontido e crescente, apossar-se do seu. Havia a necessidade, e ela não se opôs às mãos imaginárias que vorazes a alcançavam inteira, nem se furtou ao seu ímpeto; ao torpor daquela fúria doce submeteu-se obediente, lânguida, as pernas se entreabrindo submissas, caminho e destino que eram do seu desejo.
Ele a fez sua num possuir de corpo todo, entre membros confundidos e a agonia de prazeres entrelaçados. Exausto, tomou-a nos braços, lhe acariciou o ventre com os dedos ainda trêmulos; a qualquer-coisa dita ao ouvido num sussurrado preguiçoso a fez sorrir. Então aconchegou-se-lhe ao seio e retornou para aquele peito inteiro morada sua. Ela virou-se de lado, se abraçou espreguiçante ao travesseiro e adormeceu. Um beijo invisível lhe veio pousar sobre o suor tranqüilo da face.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
Presentes!


Aprecio particularmente em blogs as diversas opiniões e pontos de vista sobre problemas cotidianos, dores de amores, alegrias de amores, amizades, política, sexo e filosofias de todos os tipos.Aprendo muito com isso, aprendo a escrever, a respeitar visões diferentes da minha, aprendo que posso estar errado sobre muitas coisas e aprendo que cada um sente (e entende) a vida de uma forma bem particular. Alguns desses blogs normalmente me fazem pensar mais longamente sobre os assuntos que abordam, e gosto muito disso. Gosto e valorizo muito o chamado conteúdo.Não que os outros blogs que leio não tenham conteúdo, eles tem e muito. Acontece que esses que me refiro são daqueles blogs que faço questão absoluta de ler porque sei que vou sempre encontrar neles assuntos e opiniões que bagunçam as minhas...Portanto, criei um pequeno selo (ou homenagem, ou reconhecimento) para esses blogs. São 7 os indicados, mas são bem mais do que 7 os blogs que tem essa característica que citei acima. Os indicados, caso queiram, podem indicar mais 7 blogs que fazem pensar.
Marcelo e Fê, eu nem sei como agradecer. Fico muito feliz, mesmo, pela lembrança. E eu vou indicar, sim, porque conheço muita gente que me faz pensar nesse mundo blogueiro. Repasso o selo para Juliana Caribé, Filipe Garcia, Edu, Van, Thiago, Leila Saads e C..
É isso. Beijo pra todo mundo!
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Meme e Papo Sério
Atualmente é incontável o número de animais domésticos que são abandonados nas ruas pelos seus donos; milhões de porcos e vacas são criados para serem abatidos em sistemas industriais sem o menor bem-estar; existem incontáveis animais sivestres mantidos em cativeiro para puro entretenimento; sem contar nas crueldades que fazem com os animais de circo.
Entrem no
As Cem Melhores Crônicas Brasileiras (autores diversos): é o livro da vez. A melhor aquisição que fiz no ano. Classificado cronologicamente, por décadas; o organizador, Joaquim Ferreira dos Santos, teve o cuidado de escolher trabalhos muito representativos de cada período, numa precisa e deliciosa mostra do que de melhor já se escreveu nesse gênero, no país. A leitura das mais de 300 páginas é só prazer: o livro traz Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz, João do Rio, Lima Barreto, José de Alencar, Rubem Braga, Vinicius, Oswald e Mário, Graciliano, Paulo Mendes Campos, Drummond, Millôr, Clarice, João Ubaldo, Cony, Ferreira Gullar, Jabor e tantos outros craques da nossa literatura. Biscoito fino, daqueles que a gente saboreia estalando a língua de gosto...
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Crisálida
Enfiou novamente a cabeça debaixo dos lençóis na tentativa de voltar para o sono letárgico do qual despertara a contragosto; o quarto, mergulhado na penumbra proporcionada pelas cortinas cerradas e janelas fechadas, lhe parecia atraente demais para que ela ensaiasse qualquer tentativa de levantar e encarar o mundo lá fora. Foi necessário um grande esforço para que, finalmente, decidisse se desencasular de sua crisálida de cetim e voltar à realidade, embora esta não fosse exatamente a melhor opção segundo seu confuso e peculiar ponto de vista.
Levantou-se lentamente e caminhou, ainda cambaleante, até a janela; experimentou entreabrir as cortinas escuras. Um facho de luz quente e sufocante atingiu-lhe em cheio o rosto que, acostumado à escuridão das últimas horas, contorceu-se em uma careta. “Mais tarde”, ponderou. Agora precisava de um café. Forte, bem forte. Bem quente, para incendiar todo aquele torpor que a envolvia como tentáculos de polvo. Amargo, como o gosto teimoso e impertinente de não sei o quê a habita-lhe permanentemente a boca. Precisava de um café. Colocou a água para ferver, imaginando as moléculas do líquido a se agitarem com o calor do fogo; a idéia de uma ducha morna brotou, lhe parecendo a chance de uma carícia para o corpo martirizado pelo vinho, pelas contrariedades, pela solidão tão odiada e companheira... Sim, tomaria um bom banho e depois, com corpo e alma limpos, sorveria a negra bebida dos deuses.
Abriu as torneiras, regulou a temperatura e, como de costume, observou a água fluir, por alguns segundos desejando que o curso dos acontecimentos que permeavam seus caminhos fosse assim cristalino e previsível. Deixou-se molhar, se permitindo a sensação reconfortante e há tanto ignorada de extirpar tudo o que a incomodava – ao menos por breves instantes – apenas para entregar-se ao prazer de pensar em absolutamente nada. A água quente a escorrer pela pele funcionava como um resgate de si própria. Ouviu o ruído da chuva anunciando-se do lado de fora, o burburinho tímido e sussurrado crescendo e se transformando no majestoso som dos pingos desabando sobre ruas, telhados e paredes. Água, por todos os lados. Água. Como a que lhe inundava os poros. Revisitou os últimos acontecimentos de sua vida: estava cansada desse dormir e acordar sem expectativas, cansada do trabalho desempenhado maquinalmente, cansada dos relacionamentos infrutíferos, cansada, cansada, cansada. O banho lhe trouxera mais do que relaxamento: suscitara o questionamento de estar protagonizando uma existência que não era a sua. Uma idéia louca ecoou em sua mente: se aquela não era a sua vida, qual seria, e quem a estaria vivendo em seu lugar? Quem estaria morando na sua casa, amando o seu amor, passeando com o seu cachorro e fazendo todas as coisas que ela certamente faria, não fosse aquela despropositada troca?
Fechou as torneiras e olhou-se no espelho embaçado com o corpo ainda molhado. Limpou suavemente a superfície de vidro com as mãos; viu um rosto igual ao seu, porém, sob algum aspecto, diferente, a fitá-la com olhos inquiridores. Castanhos como os seus, mas vívidos, curiosos, contemplativos. Pela primeira vez não enxergou as cicatrizes que as tristezas e aborrecimentos haviam entalhado em sua pele clara. Percebeu um esboço de sorriso no rosto à sua frente, retribuiu a gentileza, o rosto lançou-lhe então um dos sorrisos mais bonitos que já havia visto. Decidiu que aquele rosto seria seu a partir daquele momento, o rosto que se havia perdido por tanto tempo mas que reencontrara na água, no espelho, em si mesma, talvez.
Lembrou-se da garrafa de vinho. Não fora a primeira, provavelmente não seria a última. Já não importava; a cabeça não pesava mais. Corpo e alma limpos. O gosto amargo da boca desaparecera como por encanto. Foi até as janelas, abriu as cortinas, deixou que o cheiro bom da rua molhada invadisse o quarto, desistiu do café. Escolheu o vestido mais bonito, justamente o que ficara esquecido no canto do armário por tanto tempo que ela nem conseguia lembrar quando o usara pela última vez. Vestiu, nunca parecera tão bonito quanto agora, percebeu que a lagarta finalmente se havia tornado borboleta. Desceu as escadas correndo, cantarolando uma música antiga, fechou a porta e partiu sem hora para voltar. Saía em busca da sua vida.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Um
Buscou-se ainda uma vez mais no coração outrora seu, que agora era do outro; viu no rosto inteiro sorriso-olho-imensidão-azul a posse de que já não dispunha, que fora dada de vontade própria e descalçada de reservas – e por que haveria de retomar para si aquele tolo, insensato coração que, assombrosamente, tão feliz batia acolhido em peito alheio? Deixou que ficasse lá, que um dia haveria de voltar – no fundo não o querendo mesmo novamente consigo, tão bonito era olhar para si e se encontrar em outra gente.
Tão bonito. Tão bonita, tão bonita aquela existência híbrida. Partira-se ao meio, o coração lhe saltara inopinadamente das mãos indo parar naquele outro ser que se escancarava afeto, virando coisa a princípio coexistida e logo depois inteiramente abdicada, tamanho o aconchego dos braços abertos da alma destinatária. Confiança desinibiu-se, entrelaçada nos dedos da alegria enfeitada de cumplicidade irmanada no amor. Tão grande e irmão amor que se fez soar individido, neste peito e naquele – e o que, outrora, fôra um, era agora parte: metades viventes uma na outra. Corações trocados, transfusão de vida. Caminhar sincronizado, passos enlaçados de amizade pura e simples. Notas consoando inteiras num sereno e retumbante bater em uníssono.
P.S.: queridos meus, tem postagem fresquinha da Anne no Espasmos de Riso - um "causo", digamos... de urgência urgentíssima... quase um alerta vermelho pra quem gosta de chocolate Charge... não deixem de conferir. Beijos a todos!