domingo, 25 de maio de 2008

Nobreza

"Entrou no ônibus semivazio dividindo o equilíbrio entre o filho de colo e uma sacola plástica abarrotada de cacarecos; era tão esquálida que parecia na iminência de vergar sob o peso da criança que trazia nos braços. O arranque displicente do veículo quase a derrubou no chão, teve de largar a sacola para proteger a si e ao menino da queda. Nem esperou que alguém se oferecesse para ajudá-la: abaixou-se, as pernas ligeiramente afastadas, o bebê colado ao seu tronco com firmeza cuidadosa por uma das mãos enquanto a outra se espichava, elástica, para recuperar o objeto momentaneamente perdido. Ergueu-se com cuidado, o corpo se apoiando nos assentos, pagou a passagem, cruzou a roleta e, a passos vagarosos, acompanhados pelos olhares dos outros passageiros, se dirigiu a um lugar próximo à saída.

Acomodou-se como pôde, quase desaparecendo sob a montanha formada pela sacola e pela criança, esta já se agitando num choramingo de impaciência faminta. Ajeitou com capricho a manta e touca do filho, lhe ofereceu o seio, deixou que o menino abrandasse sua fome naquele peito magro. O calor do meio-dia transformava o coletivo em uma estufa; o ar quente e em movimento inundava-lhe as narinas de odores, despertando a fome naquele corpo tão acostumado a privações. O garoto sardento de óculos e uniforme escolar, sentado no banco paralelo ao seu, a observava fixamente desde que ela pusera os pés naquele ônibus. Estava acostumada a ser alvo de análises e observações; gostar, não gostava, mas fazer o quê, era ignorar e pronto. Aquele garoto acabaria encontrando distração melhor.

O bebê, faminto, lhe abocanhava o mamilo com voracidade, as gengivas comprimindo a aréola dolorosamente, sensação que se traduzia na expressão de seu rosto contraído. O coletivo corria aos solavancos; mais de uma vez teve de se agarrar ao assento da frente para não se machucar. Onde será que aquele motorista havia aprendido a dirigir? Tornou a arrumar as roupinhas do filho, vestido com capricho apesar da pobreza; o pequeno era cuidado com todo seu esmero de mãe. Preocupava-lhe o futuro do menino – e o futuro, no caso dos dois, era o dia seguinte, tão próximo e, ao mesmo tempo, tão incerto. Tão incerto."


Essa história continua aqui, em Novas Visões. Espero vcs por lá!


P.S.: ainda tem post da Mila no Espasmos. Quem curte escatologia e ainda não leu, não perca.

Beijos!