domingo, 11 de outubro de 2009

Madrugada

Ele disse que aquilo não se repetiria. Por isso, quando, interrompendo o silêncio sonolento da madrugada, o telefone tocou, senti o corpo estremecido pela sensação brusca da iminência desagradável de nossos pés nos levando em direções opostas.

"Você é a mulher da minha vida."

Esperei que ele não atendesse; ele atendeu. Levantou-se da cama e, em pouco tempo, vestiu-se e apanhou suas coisas. Observei-lhe a movimentação enquanto o ouvia dizer que alguém, um amigo, precisava de uma carona.

- Você volta?
- Preciso saber o que fazer com ele, instalá-lo, essas coisas.
- Você volta?
- Volto. Só não sei a que horas.

"Você tem um rosto lindo. Mas visto daqui, desse ângulo... é o rosto mais lindo que já vi."

- Agora já é 01h30min.
- Não sei quanto tempo vai levar.
- Pra instalar alguém?

"- Escuta, me responde uma coisa.
- Claro.
- Casa comigo.
- Caso.
- Falo sério.
- Eu também. Mas se for pra casar, que seja agora.
- Ok.
- Ok. Dá a sua mão.
- Mas não temos aliança.
- Dá a sua mão."

- Já conversamos sobre isso.
- É.

Já havíamos conversado sobre tanta coisa. A verdade é que nenhuma daquelas tentativas de conciliação de ânsias e gênios nos levara a um entendimento real. Ele jamais cederia. Eu jamais me adaptaria. Conviver se tornara tenso, a lembrança da leveza dos primeiros tempos era tão sufocante quanto a certeza de que as coisas jamais retomariam aquele rumo. Eu não sabia o que ele estava pensando, eu não sabia o que eu estava pensando: o dia fora bom, mas tudo o que eu sentia era uma frustração estranha, cansada. Cansada. Eu estava cansada. Ele estava parado diante da porta, me olhando.

- Você volta?
- Venho de manhã. Cedo. Levo você para o trabalho.
- Não precisa.
- Eu disse que venho.
- Eu ouvi. E disse que não precisa.
- Você está começando tudo de novo.
- Não. Você está começando tudo de novo.
- Eu amo você.
- Você volta?
- Vou dizer pela última vez. Preciso atender o cara. Venho de manhã, tomamos café, levo você para o trabalho. Pode me esperar.
- Não precisa. De manhã, não precisa.

Ele deu meia-volta, entrou no carro e se foi. Eu também já havia partido.

19 comentários:

Anônimo disse...

Você já sabia que quem não voltaria era você.

Bjos

Érica Ferro disse...

Não é fácil não essas situações. =/

Adorei o mini-conto, como tudo o que tu escreves, ficou bem escrito e bonito.

Beijo.

Anônimo disse...

É.

E cada partida, instantes depois, é uma chegada. E o mundo é pequeno demais pra ir-se tão longe.

Meu beijo, amiga. Sempre.

meus instantes e momentos disse...

saudades daqui.
Um prazer voltar, redescobrir.
Muito bom teu modo de contar.
Tenha um ótimo domingo.

.a nega do neguinho. disse...

Flavinha como sempre arrasando né?
=)


saudades um moiooo daki!
* a decisão de voltar nem sempre é tããã~fácil mesmo!

Jaya Magalhães disse...

Foi lindo te ler, vendo relatos daquilo que me foi contado um dia. Foi lindo.

Mas depois, doeu. Porque eu queria diferente, o final. Queria que fosse como eu disse.

Mas, quem falou de final, nesse texto, não?

Beijo, Flá.

Fernando Ramos disse...

Bolaço na galera, hein, Flá.

Coisa feia.

Não pelo bolo. Mas acho que por mais que tenha acontecido qualquer coisa a ti não custava nada uma tuitada, e-mail, DM, sei lá.

Enfim, vida que segue.

Beijocas.

Natália Mylonas disse...

Perfeito.
Só digo isso, muito perfeito o que vc escreveu !! Chorei aqui, juro !!

beiijos lindona!!

raai. disse...

isso me lemrbou uma frase
'eu desejo anciosamente a sua partida, só para desejar desesperadamente a sua volta' eu amei o texto, voltei e to linkando de novo ;]
;*

Anônimo disse...

Uma das coisas mais difíceis que existe é a convivência numa relação. É preciso ser muito par, muito cúmplice e ceder muitas vezes para que se possa entender.

Parabéns pelo conto e pela ritmo imposto a ele! Você sempre foi mestre nisso!

Beijos!

Kari disse...

Eles nunca entendem que nós não gostamos de esperar...


Belas palavras.
Beijos

george araújo disse...

olá
o doavessodoavesso vai fazer dois anos dia 19.10 e vc fez parte dessa história...

volte lá e comemore comigo!
:P


beijos e obrigado
>>

Gustavo Martins disse...

Nossa posição a respeito é diatralmente oposta. E se fosse pra dizer uma coisa, seria um toco.

Mas não vai ser do MCP que sairia o toco.

Mas que vc tá merecendo, tá.

Anônimo disse...

mas eles, voltam?


:*

Taynar disse...

Tu escreves textos que não precisam de comentários.
Eles são tão reais, tao certeiros, que não tenho, quase nunca, o que dizer.
E dói, ao mesmo tempo que é um alívio [não pelo lado negativo] saber que alguém entende, levemente, o que se passa ao nosso lado.

Beijos, mulher

Marguerita disse...

aperto no peito....

:s

Jaqueline Lima disse...

tudo que vai. pode voltar. essa é uma proposta eminente da vida.

beijos!

Cecília Ferreira disse...

Nossa vc escreve muito bem...
amei seus textos,li os outros também e são maravilhosos.
bjo

Unknown disse...

Belíssimo texto. Realidade crua.
Parabéns.