terça-feira, 18 de março de 2008

Outros Dias

“Não era ainda o meu nome.
- E agora, José?
Também não era.
- E agora, meu rei?
Adiantava ser rei?”

(Orígenes Lessa em O Mundo é Assim, Taubaté)



Às vezes despertamos tarde demais para o fato de que algumas coisas não podem ser recuperadas. Tempo é uma delas; e nenhuma outra perda acontece de forma tão silenciosa, como se nada fosse. O tempo se dilui diante dos nossos olhos e só nos damos conta disso quando, entre surpresos e incrédulos, nos pegamos perguntando a nós mesmos onde foram parar aqueles dias em que a vida era quase leve.

Onde foram parar aqueles dias em que a vida era quase leve? Pessoas chegando, partindo, ficando, a gente correndo, amando, sofrendo, fazendo. Passando. Crescendo. Outra hora eu digo. Outra hora eu faço. Outra hora, que sabe-se lá onde foi parar. O Fulano que morreu, a Cicrana que casou, o filho do Beltrano, que nasceu no ano passado. O Beltrano. O ano passado. A camisa assinada no último dia de aula, há tanto tempo. Tanto tempo. A gente, onde a gente foi parar.

Onde foram parar os pequenos prazeres. Aquele disco, daquela banda, com aquela música, aquela. Todas aquelas músicas. As cartas – as escritas, as pensadas, as aguardadas. A tranqüilidade cantarolante de dedos sujos de chocolate. A alegria descalça e de cabelos empapuçados d’água da chuva. Os caminhos todos que levavam a lugar algum – não pelo medo de ir, mas porque era seguro ficar. Os dias em que se caminhava contra o vento, sem lenço e sem documento. Aquele vento, ah, aquele vento.

Onde foram parar as promessas. Todas elas.

O dia de fazer as pazes, onde foi parar. As certezas – hoje resquícios enevoados de um discurso cujo sentido se perdeu em alguma esquina turbulenta por aí. Os desejos empoeirados esquecidos em um canto qualquer da lista de prioridades. As intenções: do cinema no fim de semana, do fim de semana na praia, da praia com os amigos, dos amigos no cinema. Onde foram parar todos os paradeiros desconhecidos que, antes, encontraríamos sem a necessidade de trilhar a nós mesmos guiados por instáveis migalhas de pão.

Nem dá para reconhecer, ao certo, como – e quando – deixamos de ser parte daquilo que éramos. Porque uma boa porção de nós mesmos, indiscutivelmente, se vai junto com o tempo; não o tempo cronológico e britanicamente compassado dos ponteiros do relógio, mas o tempo particular de cada um, relacionado com as peculiaridades de cada cotidiano. O Tempo-Instante, muitíssimo mais precioso – e fugaz – que o Tempo-Ampulheta. O Tempo como uma malha de instantes únicos e decisivos para que uma pessoa não se torne pura e simplesmente um esboço de si mesma. Às vezes, ter a exata dimensão dessas perdas assusta mas, no fim das contas, tanta coisa impressiona – e é preciso saber que foi preciso perder para não perder mais. Tanto tempo. A gente, onde a gente foi parar.

A vida era quase leve.

39 comentários:

Edu Grabowski disse...

Porque o tempo voa e não volta. E tem coisas, momento que se fecharmos os olhos...ou se nos deixarmos levar pela brisa, pelo vento..ou cheiro de terra molhada de chuva flutuamos sobre eles..vemos tudo e bate aquela falta, saudade... e a pergunta que materla insistentemente...O que houve com esse tempo? O tempo que era tudo tão simples e sem pressa? O tempo...que a vida parecia ter mais tempo pra tudo!

Lindo texto Flavinha. Música perfeita!
Beijo grande do amigo que adora vc!
Edu.

Kari disse...

Quando vi um comentário teu, não fiquei feliz apenar por receber tal comentário, mas por saber que teria algo novo por aqui...

E sim... O tempo é tão precioso... Essa semana tava lembrando dos tempos de colégio, dos amigos nas horas do intervalo, das conversas diárias... E onde fomos parar? Cada um seguiu seu rumo, seu caminho... E cada um deles levou um pouco de quem fui, assim como fiquei com um pouco de cada um.
Quantas vezes ficamos vendo o tempo passar sem aproveitar, não é? E segunda chance? Raramente existe...

Beijão

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Onde foram os tempos em que sorríamos faceiros, em que dávamos as mãos, nos deleitávamos em abraços sinceros? Onde foi para esse tempo de coisas boas, de sutileza emocional, de caráter suave?
Cadê a leveza que sentíamos nos dias que plantávamos aquelas flores em nossos corações? Cade tudo de bom que ficou?

Saudade dos outros dias, desses dis em que realmente nos conhecíamos.

Aiai...

Belíssimo texto minha cara.
Beijo enorme Flavinha
Te adoro
;D

Gabriela Gomes disse...

Ai meu Deus!

Eu que antes de ler isso tudo achava estar tão encontrada e centrada e certa. Já nem tenho certeza nem mais de mim. Onde parei?

Apesar de doído, que foi lindo, foi. Amei. De verdade, Flavia!

P.S.: A habilidade com imagens são ossos do ofício. ;)

Um beijo e adorei o conto pro Novas Visões tb.

Isaque Viana disse...

Flavim... Flavim...
se vc queria emocionar, fique sabendo que conseguiu.
Fiquei muito emocionado.
Juro pra vc. Lágrimas e pá..
saca?
Tudo muito lindo.
Tudo muito emocionante.
A música, sua escrita poética... ai, ai...

Beijo grandão!

Nota: É, eu reparei que a gente falou da mesma coisa... Muito bacana, né?

Nota2: I miss you, cabeça!

Atriz disse...

Gostei muito do texto: impertinente e reflexivo!!!!

O tempo que passei não volta mais e espero que nem no meu cérebro ele volte....

"Acabou, não tem mais jeito..."

bjs, Gisele
www.inventandoagentesai.blogspot.com

MH disse...

Não tem nada que me de mais medo do que perder tempo. Pior de tudo é que acho que perder tempo faz parte do SER HUMANO. Acho que desde que nascemos ja desperdiçamos nosso tempo. Por isso, acho um absurdo que a gente so viva uma vez....sei la...sei que isso é meio filosofico...mas tomara que role reencarnação...pelo menos assim, a gente vai ter mais tempo pra perder.

Van disse...

Onde foi que eu me enfiei?
Sou um quase-eu.
Um quase-tempo.
Um quase-tudo.
Quando eu me encontrar vai ser lindo.
Só não sei se será a tempo de....

Beijuca Twin sumida.

˙·٠•● ѕεறிoτιvo ◦ disse...

Que engraçado, não seu post, e sim a coincidência. Estava falando isso com meus amigos esses dias.

A vida até certa idade demora a passar, mas depois, passa tão rápido...

Saudade... vontade!

Incrível sua visão.Muito bem detalhada e interessante, tanto que não consegui desgrudar o olho da postagem!


Beijo

Ray

R Lima disse...

A vida e o tempo galopeiam em passos largos justamente quando precisamos deles.

Tudo o bom vivido se dilui em face das horas. O que era talvez a forma intuitiva e graciosa de viver exaure na ânsia do amanhã.

Fica só o mal vivido.. o sentido inócuo do existir.. a perpetuação do nada.

Isso sim incomoda e nos paraliza.


Bom moça retorna aqui.. retornar a ti.

Bjs,





Texto de hoje: dItos...

Visite e Comente... http://oavessodavida.blogspot.com/

O AveSSo dA ViDa - um blog onde os relatos são fictícios e, por vezes, bem reais...

Thiago Lira disse...

Aquilo ainda rola.
Mas tenho que arrumar tempo pra selecionar uns textos legais.
Se vc quiser fazer o papel de organizadora, eu dou o maior apoio (rs).
Ai pra diagramar é rápido.
O que acha?

Renata Silva disse...

Me pergunto as mesmas coisas... o tempo é tão sútil que só percebemos que ele passou quando é tarde demais.
Beijos

Marcelo disse...

"És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo, tempo..."
Nada se perde, Flavinha, tudo se transforma com o tempo.
Se para melhor ou para pior só depende de nós.
Uma bela reflexão atemporal a sua.

Beijos, lindeza.

Kiara Guedes disse...

Não é a toa Falvinha, que meu blog se chama "neste instante". Quão dificil é viver esse minuto, o agora... é uma dor...
Aí a gente esquece da dor e vai pra frente meio sem rumo e depois que o tempo passou ficamos com cara de "onde estamos"?...
Neste instante quero te dizer que vc sabe bem dessa coisa e trabalha isso muito bem em seu texto. Confesso que ele é um daqueles que pensamos: "onde eu estava que não escrevi isso.." aí percebemos que passou, mas ainda bem que não despercebido por alguém.
Bj Linda

Aline Ribeiro disse...

Eu simplesmente a-mo o Keane, principalmente essa musica, o clip dela entao? que sacada dos produtores!

Ah o tempo, meu melhor remedio pra tudo. Aprendi com ele a ser paciente e sempre esperar, qdo necessario.

Bjm moca, apesar de vir aqui vez ou outra, essa eh a primeira vez que comento ;)
mas jah ando ha tempos nos blogs das tuas cumplices, Mila a Ane, inclusive estreitei lacos com a Anne.

bjm de novo! rs...

Ricardo Rayol disse...

o pior é quando à perda de tempo vem associado um fato relevante.

Fernando Ramos disse...

Pôxa, Flavinha, além do tom triste do texto, senti um tom triste na tua escrita. Nas palavras. Nas palavras repetidas...

O tempo-instante a que você refere é o que mais prezo. Vivo cem por cento o hoje. Amanhã nem sei de mim. Talvez por isso, não tenha planop concretos, o que não deixa de ser uma loucura irresponsável. Mas me faz leve.

Quando escreveu sobre isso, fiquei lembrando um monte de canções pra te dizer. Já é do Lulu Santos fala perfeitamente disso que escreveste. Não irei postar, mas caso se interesse irá entender. Assim como Semana que vem, das Pitty.

Mas fazer o quê se os instantes da vida também são cronológicos? Por mais que tentemos fazer algumas coisas que amamos, não conseguimos mais. Pela falta do tempo ou por "Já sou velho demais pra isso.". Quer saber? Puta frase besta. Mas não cansamos de entôá-la.

Tem indicação pra ti lá no blog, além de uma recomendação e citação de um texto teu. Passe por lá.

Beijocas!

Fernando Ramos disse...

Em tempo: te indiquei pro meme também.

Andréia disse...

Oi! Encontrei seu blog no Subterfúgio e estou encantada!!!!
Estou amando seus textos, tudo muito lindo!


Beijos!!!

Ceisa Martins disse...

Tb me pergunto onde estão essas coisas boas que não voltam mais!

Queria todas de volta!


Beijs!

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Tem homenagem a você no meu Blog Flavinha. Muito me estima a sua doce e especial presença por lá.
;)

Beijos
Linda

Mariliza Silva disse...

Falando do tempo, meu lema predileto!

Querida,

Desculpe a ausência, mas ando ausente até de mim mesma...rs

Beijos e Feliz Páscoa

Mariliza

Buda Verde disse...

você tem que escutar uma música no noel rosa.

beijo
saudade

Oliver Pickwick disse...

"A long time ago in a galaxy far, far away..."
É o fim da infância, garota! Nada demais. No entanto, conserve-a pelo menos um pouco desta fase que parece distante, muito distante. Eu, por exemplo, até hoje ainda me divirto muito com jogos de computador. Jogarei até o fim dos tempos.
Descubra o seu jogo.
Beijos, e dias felizes!

Renata Livramento disse...

Nossa que texto mais lindo, mto verdadeiro e mto profundo! Sabe, eu acho que lidar com o tempo é uma das maiores lições desta vida, e pelo menos para mim, não é nada fácil...

Bjos e ótima páscoa!

Anônimo disse...

É. Tudo tá virando quase.Quando a gente vê o quase virou 'era'.
Sabe o mundo tá ficando grande demais e não estamos suportando sua grandeza. Quando vemos, já se foi e não peecebemos nada, porque não somos grandes suficientes, ou porque somos grandes demais.

Lindo blog!
Feliz Páscoa!
Beeijão!

Mila Cardozo disse...

Esqueceu o endereço la de casa????
Passando pra te desejar uma Feliz Páscoa!!!!
Beijos Mila

Van disse...

Boa Páscoa, gasparzinha querida!
Saudadona docê!
Beijuca

Paula Calixto disse...

Entendo o que você quer dizer. mas, para mim, não foi parar porque só pára quando o EU já foi. E a pergunta nostálgica é a tradução do fantasma que assombra e move a pessoa: frustração.

Onde foi parar, onde foi parar...?!

Em lugar algum. Digo: por entre o tempo em que se estava ocupado vivendo. (;

Beijos.

Duas estranhas não tão estranhas disse...

Olá!

O tempo,simplesmente a única coisa que realmente não volta.Não adianta.Ele não pára para a gente,ele não nos dá um "tempo".Ele corre,ele voa,ele some.Quando a gnete se dá conta tem 90 anos e muita coisa para ser vivida e que muita coisa que a gente priorisou tomou nosso tempo.Mas o pior,é que muitas das cosas que a gente prioriza agora,descobrimos depois que simplesmente não valem realmente a pena.E não tem como voltar.Mas pelo menos,a gente adquiri experiecnias,sabedoria e mesmo com minutos e segundos jogados fora qndo jovens.Ainda estamos vivos.E ainda dá p/ viver o q n foi vivido.

Beijão!

Miss T!

A que está escrita. disse...

Ah, quantas vezes já me perguntei isso que você disse tão lindamente aqui! Onde é que a gente se perde em meio à areia do tempo, aos gostos que mudam, à vida que segue? E como é que a gente se acha?
Lindo texto!

Tudo ou nada ... disse...

Infelizmente o tempo passa para tudo e todos. Quem me dera poder congelar tudo de bom e maravilhoso que já me aconteceu, para que possa reviver.
Bjos

Fernando Ramos disse...

É o meme da foto, Flavinha.

E juro que vou torcer pra ti. E quando publicar quero meu autógrafo!

Beijocas!

Fernando Ramos disse...

Ah, tem conto novo na Coluna...

Carmim disse...

Flavinha,

vivemos com tantas certezas de que o tempo nunca nos pregará uma rasteira que nos tornamos excessivamente distraídos.
Já fui assim, sabe, mas aí veio a rasteira e eu comecei a viver o hoje do melhor jeito que sei, porque há em mim a certeza de que o amanhã pode não chegar!

Um beijo.

Anônimo disse...

nina muito lindo seu blog..e suas palavras tb!parabéns!
concordo plenamente com vc...
um xero!!
(obs: adicinei seu blog nos meus favoritos)

.raphael. disse...

"A vida era quase leve"

Que maravilha isso Flá! O tempo muda a vida mesmo e ao mesmo tempo ele deixa saudades do tempo que passou. Como na música que vc deixou do Keane, Everybody's changing! Forever!

Bjoss

Anônimo disse...

Ao ler seu texto foram derramadas algumas lágrimas...
Ah! Não ligue deve ser a tal da TPM...
O tempo foi justamente esse bendito que eu tive vontade de matar...
Beijos

Anônimo disse...

Muito bom seu blog, vou add nos favoritos! Bjos