sábado, 28 de janeiro de 2012

Sobre um dia sem nome.

"Eu me lembro que um dia acordei de manhã 
e havia uma sensação de possibilidade."

Virginia Woolf


Deixo o corpo cair no sofá, olho em frente, o dia de ontem pendurado na parede parece mesmo meio torto. Um gole de água, outro de paciência minimamente invasiva com cara de poucos amigos. Há tanta coisa para arrumar que nem sei se começo por mim ou se pela palavra que caiu da minha boca e ficou assim toda riscada, sempre deixo as coisas pela metade; saí jogando tudo fora, inclusive aquele velho pedido de desculpas que não fiz e ficou se repetindo pela sala, arranhando no toca-discos. Ao contrário do que se possa supor, não sirvo em roupa bonita, linha reta ou confissão. E se guardar segredos de fato poupasse o mundo de alguma verdade terrível, quem sabe valesse a pena manter o silêncio quando até os vincos da nossa pele reclamam amor e nos pedem asilo. Não foi o vento, mas um pedaço de egoísmo quem trincou os vidros das janelas – e vou deixar assim pois desisti de tentar consertar toda e qualquer falha que não seja minha, e não nego que pelas minhas próprias chego a ter desvelo de mãe. Vou desalinhar um pouco mais o passado na parede. Não estou aqui para ser perdoada.



11 comentários:

Anônimo disse...

Impressionante como temos momentos desses, em que o sofá se torna o maior amigo de nosso cansaço de tudo.

Flávia disse...

Mi, impressionante também o fato de que, nesses dias, apareça quem nos cobre justificativa para a introspecção...

Fabrício César Franco disse...

Flávia,

Tão bom quando nos assentamos na nossa auto-aceitação, não?

Beijo!

Flávia disse...

Fabrício, bom, necessário, revitalizante. Acho que é aí que começa a sensação de possibilidade a que Virginia Woolf se referia.

Dario B. disse...

Vim te agradecer pelo carinho da visita, e deparei com este desabafo(?)/partilha(?). É natural que quem escreva, em algum momento se valha disto para verbalizar a dor que sente. Depois de reler fiquei aqui pensando, egoismo? Ou auto preservação? Um beijo carinhoso, mocinha.

Nicast disse...

Oi, Flávia.
Esse seu texto, me caiu como uma luva. Além do mais, gostei muito.
beijo

Patrícia Garbuio disse...

Te entendo completamente e ler seu texto nem dá para descrever. Ô coisa gostosa demais! Vou fazer o mesmo, desalinhar o passado porque não estou aqui para ser perdoada. Perfeito. Como é bom conhecer gente interessante, bjs.

Ariana Luz disse...

tu escreves tão bem, que chego até a me sentir próxima dessa situação.

Acho que sinto, então. Me deixo sentir, e ai vão-se as palavra e, olha só! o que vc faz com a gente não é certo, viu? Acaba por ficar a total certeza que isso aconteceu e doeu, e você voltou só pra *alertar*. Psiu, a vida tá chamando pra não cair ai de cima.

Ai só resta concordar: Não estou aqui para ser perdoada. Não estamos, Flávia.


Flores.

Ariana Luz disse...

tu escreves tão bem, que chego até a me sentir próxima dessa situação.

Acho que sinto, então. Me deixo sentir, e ai vão-se as palavra e, olha só! o que vc faz com a gente não é certo, viu? Acaba por ficar a total certeza que isso aconteceu e doeu, e você voltou só pra *alertar*. Psiu, a vida tá chamando pra não cair ai de cima.

Ai só resta concordar: Não estou aqui para ser perdoada. Não estamos, Flávia.


Flores.

Jéssica Souza disse...

Nossa, a impressão que tenho é que todo mundo sabe da minha vida e sai escrevendo canções, poesias e prosas a meu respeito, porque sou eu nesse texto.
Mas não: alguns sentimentos são universais.
Lindo.
Beijo

Fernanda Fraga disse...

Talvez um ato corajoso de entrega de si pra si mesma, confissão sem juízes e nem pena.

PS.: Estou vivendo algo assim nos últimos meses... Vc leu-me na alma.
Um beijo.
Fernanda.