terça-feira, 1 de abril de 2008

CTRL+ALT+DEL

“Não fiz mal algum. Mas agora ocorre-me que
estou neste mundo terreno, onde fazer o mal
é muitas vezes louvável, e fazer o bem, algumas vezes,
foi considerado ato perpetrado por louco perigoso.”

(Lady Macduff em Macbeth – W. Shakespeare)

Ao som de The Flaming Lips - "The Sound od Failure"





Há dias em que eu desejaria deletar alguns dos meus próprios sentimentos. Surpreendentemente, os arquivos destinados à exclusão seriam não aqueles de maior vileza – mas aqueles mais elevados, mais nobres, cuja natureza imaculável se constitui em empecilho moral diante das tentativas de insurreição do meu alterego anárquico, permanentemente em id mode, contra seu arqui-rival: meu imperturbável e quase monástico superego.

Eu deixaria de acreditar. E ir-se-iam as esperas e esperanças, e até mesmo algumas crenças, dissolvidos que estariam seus significados na mais invulnerável das incredulidades – a de quem não acredita por convicção. Poupar-me-ia, benção das bênçãos, de confiar e, finalmente, passaria incólume pelas frustrações e desencantos. Teria, é verdade, de aprender a viver sem a euforia pueril das expectativas, aquelas, as expectativas que são o sentido maior de tudo que diz respeito a elas e, principalmente, do que não diz respeito a elas. Um preço razoável a ser pago para existir intransitivamente.

Eu deixaria de oscilar entre a perplexidade e a ojeriza quando dos inevitáveis confrontos com as grosserias, leviandades, deseducações e outras mediocridades tão características de quem ainda não descobriu que a estupidez é uma viagem sem escalas para a mais completa e amarga solidão. Abster-me-ia de nutrir piedade pelas personalidades turvas e infantilóides e cortaria, de uma vez por todas, os pulsos às obliqüidades; feriria de morte a covardia das indiretas que me são oferecidas aqui e ali – e as abandonaria, moribundas e exangues, ao sabor de sua própria nocividade. Experimentaria uma anérgica indiferença diante das incompreensões, blindar-me-ia com a couraça das distâncias olímpicas para que não mais me alvejassem os egoísmos e egocentrismos daqueles que se ufanam da própria pequenez, full time e loucamente enamorados de seus umbigos.

Eu deixaria de querer bem. Simplesmente deixaria. E pouco me importariam as eloqüências do não dito, não feito, não quisto. Os amigos cuja amizade pontilhada de lenitivos jamais teve fôlego para transcender a infeliz condição de "pseudo". Um estalar de dedos e adeus, saudades, adeus, lembranças, adeus, paixões... Adeus, coração saltando no peito. Adeus, coração. Peito, adeus. Sem mágoas, sem tristezas, sem decepções... e sem alegrias, nem amores, nem todos esses detalhes sentimentalóides, idílicos e nada práticos que eu já não saberia compartilhar e, pensando bem, compartilhar para quê? É certo que eu perderia também as amizades verdadeiras – pois alguém sem coração é incapaz de separar joio e trigo. Paciência – todo remédio tem inevitáveis efeitos colaterais. Ao menos eu já não sofreria.

Nesse dia, eu deixaria de me importar. Deixaria de me preocupar. Reiniciar-me-ia livre do peso dos tantos arquivos corrompidos e inúteis que abarrotam minha exaustivamente solicitada memória emocional. Quando esse dia chegasse, eu, enfim, seria... seria... eu seria... eu seria?

Por sorte, alguns dias nunca chegam.

17 comentários:

Van disse...

Não-sentir é para os fracos e covardes, amore. E isso certamente você não é.

Que esse dia nunca te chegue, Twin.
Porque viver assim não é viver!


"Porque a vida só se dá pra quem se deu.
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.
AI DE QUEM NÃO RASGA O CORAÇÃO!
ESSE NÃO VAI TER PERDÃO."


Continuo por perto.
Beijuca.

Aline Ribeiro disse...

Amada, vivo algo parecido, sabe' liguei no botao autom+atico e quase não sinto nada, por isso andam me chamadopor aí de robô!
Queria isso não, dá uma ang´stia forever!

bjm

Antonio Ximenes disse...

O ato de "Sentir" é o nosso maior e melhor "link".

Nosso canal de comunicação com o mundo externos e o nosso cartão de visitas para eventuais análises de essências e mistérios que nos cercam.

Concordo com a Van.

Que este dia nunca te chegue.

Quero que você aumente seu banco de dados e guarde TUDO.

Use o que você quiser... sempre no momento certo.

Crie... gere... dados novos... e continue sempre evoluindo... lembrando sempre de onde veio e dos obstáculos que venceu.

Também estou por perto.
Abração forte.

Edu Grabowski disse...

Haja fôlego!
=))

Muito bom o texto!
Adorei isso:
"Experimentaria uma anérgica indiferença diante das incompreensões, blindar-me-ia com a couraça das distâncias olímpicas para que não mais me alvejassem os egoísmos e egocentrismos daqueles que se ufanam da própria pequenez, full time e loucamente enamorados de seus umbigos."

Tem dias que é uma alegria imensa sentir tudo. E outras o desejo de ser totalmente indiferente. Até quem é cruel, sente!

Mas como você disse no final, "ainda bem que certos dias nunca chegam."

Acho que a frase 'Penso, logo existo.'(Descartes),deveria mudar para: 'Sinto, logo existo!'

Beijo grande Flavinha,
Edu.

Flávia disse...

Gente, tem dias em que a gente acha que o que sente não cabe mais em nós... mas o legal deles é que passam. E no dia seginte, a gente percebe que cabe, sim! E melhor, que a gente quer continuar sentindo as coisas... Esse texto, ainda bem, não é reflexo do meu estato atual. Hoje eu tô feliz, tranquila. Postei mais por causa da música - aliás, que não conhece, não deixe de ouvir. Merece um palavrão de tão boa...

Obrigada pelo carinho de sempre!

Beijo, beijo, beijo!

Liz / Falando de tudo! disse...

A inversão de valores e a flata de respeito com os seres vivos é que vão acabar com isso que chamamos de mundo...
Meu anjo passo agora aqui simplesmente pra te deixar um carinho, te dizer um um obrigado pela visita no meu cantinho e te desejar uma otima semana!
Um grande abraço, tens andado sumida...
Liz

Renata Silva disse...

Não ter sentimentos é estar vazio. Por mais que eles nos tragam dores, são eles também quem nos trazem os alívios.
É como foi dito: "Por sorte, alguns dias nunca chegam."

Beijos


http://devaneiosinsanidade.blogspot.com/

Marcelo disse...

Ah, como eu gostaria de possuir esse poder da desencanação, viu...
Cara, como sou encanado.
Como levo a sério os relacionamentos, os romances, as amizades.
Preciso aprender a me conter mais, a ser mais eu, a ser menos entregue em tudo o que me envolvo.
Quem sabe assim eu consiga viver a vida que EU quero viver, e não me importar tanto em viver COM quem está comigo.

Ainda chego lá...



Beijos, fofa.

Isaque Viana disse...

Flavim...
Entendi o q vc disse, mas acredito que o melhor é ser o que somos.
O q realmente somos na essência.
Quem disse q é fácil ser gente boa?
Mas ó, eu gosto de você assim, muniita, gente boa e dona dessa alma linda.

Beijo super big,

zac

Ricardo Rayol disse...

eu vom com defeito, não tenho esse comando formatado na minha CPU

Sunflower disse...

Ah, Fla conterrânea, a cada dia eu efervesço em um diferente sabor de fruta.

Beijos, mana.

.raphael. disse...

Flá, por mais que às vezes queramos apagar os sentimentos em determinados momentos, depois percebemos que sem eles nao vivemos! Há um equívoco grande em sempre buscar essa saída! E no final acabamos sempre nos questionando porque fizemos isso!

Transborde sentimentalmente, principalmente consigo mesmo, assim o sentimento alheio se unirá ao seu, mesmo sendo inperceptível!

Beijos!!

Anne disse...

Não to falando que o botão de delete seria uma preciosidade???
Quando inventarem, por favor, me avise! Seria útil para algumas coisas...rs

Bom te ver devolta, moça, sentia a sua falta por aqui!

Bjos, love u!!!!

Anônimo disse...

Ah! Esses sentimentos Flavinha...
Fiquei contente por saber que você está feliz e tranquila.
Beijos

Isadora disse...

crtl+alt+del é um dos comando ideais pra nossa vida de vez em quando, não é?

eu não uso muito o INSERT. não mesmo.

mas adorei aqui :)

Fernando Ramos disse...

CLAP! CLAP! CLAP! CLAP! CLAP!

BRAVO! BRAVÍSSIMO! SOBERBO!

Esta foi a melhor forma que já vi de falar da teoria do escudo, que todos erguemos após uma desilusão!

Inclusive, tu citas isto no teu texto, quando diz "...blindar-me-ia com a couraça das distâncias olímpicas...". Neste ponto, lembrei da Pitty em "...desta vez eu já vesti minha armadura...".

Há de se lembrar do esplêndido final, cujo sem ele, todos passariam por aqui comentando como você conseguiria viver assim, without life. E aí desfecha dizendo que "por sorte este dia não chega", o que leva e nos faz notar e entender toda tua essência, de se doar, não conseguir ser indiferente...

Ah, e o terceiro parágrafo? Destilado de um ironia, um veneno bom de ler sem igual!

Muito bom, Flavinha! Muito bom!

Fernando Ramos disse...

Ah, e ao invés de deletar tais sentimentos, apenas jogue na lixeira. Daí só restauras quando achar que deve. :)