quarta-feira, 16 de abril de 2008

Vampiros


“Era a sensação de algo gelado, um abatimento,
um aperto no coração, uma irremediável aridez
de pensamento que nenhum estímulo da
imaginação seria capaz de elevar ao sublime.”

(Edgar Allan Poe em A Queda da Casa de Usher)

Soundtrack: Bauhaus - Bela Lugosi's Dead*






O mundo está infestado por vampiros.

E essa não é uma afirmação fundamentada em terrores noturnos originários da infância, nem a verbalização de uma realidade alternativa resultante de histórias sanguinolentas bombardeadas sobre um indivíduo influenciável aficionado por horror tales. É um alerta sobre uma praga recalcitrante e dissimulada que, há séculos, vem fazendo vítimas entre a humanidade desavisada. Vampiros. Por toda parte.

Engana-se, porém, quem acredita que os sugadores do novo milênio perambulam por aí com os caninos perfurantes e retráteis à mostra ou com sua sede de sangue escancarada na palidez mortiça do rosto, esgueirados nas sombras sob pena de morrerem estorricados ao sol. Nada. Os congêneres contemporâneos de Drácula e cia. desfilam entre nós em plena luz do dia – alguns bronzeadíssimos, com dentes de fazer inveja a qualquer modelo de propaganda de aparelho ortodôntico. Dormem em camas confortáveis (há, inclusive, os que preferem os modelos Box) e muitos deles são alucinados por torradinhas de alho, brócolis ao alho e óleo e outras iguarias preparadas com esse elemento outrora visceralmente abominado. Desenvolveram imunidade completa e permanente à antes tão temida água benta: alguns são batizados e, sacrilégio dos sacrilégios, até comungam nas missas dominicais.

Os vampiros do século XXI perderam a prerrogativa da imortalidade e tiveram sua expectativa de vida drasticamente reduzida – hoje vivem tanto quanto qualquer ser não-vampiresco e morrem, também, pelas mesmas causas. Talvez por isso sejam infinitamente mais vorazes que seus antepassados e tenham modificado os próprios hábitos alimentares ao longo da sua evolução. Já não vivem à caça de pescoços indefesos e suas carótidas palpitantes, túrgidas de sangue quente – se tornaram mais discretos e perspicazes e, em razão disso, muitíssimo mais perigosos: os neovampiros são, por excelência, exímios praticantes do predatismo de energia vital. E não o fazem metamorfoseados em morcegos ou cadáveres andantes, mas disfarçados sob carapaças aparentemente inócuas, acima de qualquer suspeita: alguns são capazes de mimetizar um pseudo-halo de santidade e, quase sempre, vampirizam um indivíduo – ou um grupo inteiro, dependendo da periculosidade do predador em questão – por longos períodos, sem que as vítimas se apercebam de sua triste condição de base da cadeia alimentar. E vampiros, quanto melhor nutridos, mais prazer têm em se refestelar no menu: a vítima vai ficando pálida, enfermiça, magricela, feridenta, azarada, neurastênica – e o vampiro em cima, porque vampiro que se preza rói o osso até o fim. Vampiro que é vampiro moderno não sai por aí arrebentando o pescoço de ninguém: ele arrebenta os bolsos, a saúde, a paciência, a sanidade da pobre criatura que escolheu para parasitar.

Vampiro que é vampiro moderno sabe que esse negócio de canino ensangüentado já era: toda a sua fome furiosamente destruidora está concentrada nos olhos. Neovampiros têm o olho gordo. Gordo não. Obeso mórbido, hipercalórico. Toneladas e toneladas de pura sucção espiritual permanentemente irradiadas de suas irisinhas malévolas. Sim, eles secam pimenteiras. Sim, eles são mais eficientes que o mais negro dos vodus ou que qualquer costura “overloque” na boca do sapo. Coisa de aterrorizar até mesmo o próprio Nosferatu e de causar pesadelos regados a vergonhosos litros de xixi na cama a Bento Carneiro, o Vampiro Brasileiro – aquele mesmo, cuja vingança “será malígrina”. Que ninguém duvide de sua existência – eles estão por aí, disfarçados de gente comum, prontinhos da silva para abocanhar o primeiro ingênuo disposto a ignorar sua malignidade potencial. Vampiros não são coisa do outro mundo. São deste aqui, mesmo. O mundo está infestado por vampiros. E quem estiver lendo esse aviso, muito cuidado: neste exato momento, pode haver um deles bem perto de você...


*Bauhaus é uma banda musical fundada em 1978 em Northampton, Inglaterra, composta pelo guitarrista Daniel Ash, o baixista David J e o baterista Kevin Haskins - que atuaram como trio até formarem quarteto com o vocalista Peter Murphy. Inspirados no horror dos filmes de vampiros, criaram a música Bela Lugosi's Dead, a qual acabou fazendo com que fossem considerados um dos fundadores do rock-gótico. Criaram um estilo minimalista e experimental, apoiado em guitarra reverberada e acordes frios e distantes de teclado. Em 2008 os Bauhaus lançaram um novo album de estúdio, "Go Away White", que garantiram ser marco final da banda.

30 comentários:

Edu Grabowski disse...

texto simplesmente F@#$%%$ !!!!

Com essa música então...caraca, de arrepiar!!
É verdade, os vampiros mudaram a tática...os costumes. Mas continuam sugando as pessoas por aí a fora!... O mundo tá cercado deles!
Beijo grande Flavinha,
Edu.

Flávia disse...

Essa música é boa pra %¨&*#@$, né? E vampiros tão aí... mas um dia a gente arruma um jeito eficiente de acabar com esses "maledettos"...

Beijo!

Fernando Ramos disse...

O pior não é isso, Flavinha. O pior é que eles agora são invisíveis. Quem nunca teve um vampiro embaixo do nariz e nunca percebeu?

Às vezes um ex-amigo pode ser um ótimo vampiro.

E ex-namorados ou ex-namoradas então?

Afff, contra esses daí, até Chico Anysio ficaria perplexo.

Bom texto, Flavinha! Mas faço duas observações: uma é que sempre aprendo palavras novas quando te leio.

A segunda é que quero saber que tem secado você. Já pesnou em comprar uma pimenteira? É melhor que água benta...

Fernando Ramos disse...

Já te disse que sempre aprendo palavras novas contigos? Ah, já. Droga.

Flávia disse...

Menino, ex-amigo. Mas se é ex, um dia realmente foi amigo? Amigo vira ex? Eu sou da partidária da teoria que versa que amigo que vira ex-amigo, nunca foi amigo coisa nenhuma... Tava só esperando pra dar um bote - ou aquela vampirizada básica.

E parece mentira... mas toda vez que a minha mamis tenta plantar uma pimenteira em casa, a coitadinha murcha!! Juro. tudo bem, eu tento me convencer de que o problema é a terra, o adubo ou outros detalhes práticos... mas, de todas as plantinhas, a única que "vai a óbito", coitada, é a pimenteira. Very strange, não? Nem quero saber quem anda me parasitando. Ando numa fase meio tolerância zero e sou bem capaz de partir com uma estaca pra cima do dito cujo. Melhor que ele continue anônimo.

E sim, vc já disse (rsrs)...

Beijo, moço.

Menina da Imprensa disse...

Lindaaaaaaaaaaaaaa! Fico biito lá né... Vai ficar mais biito ainda no próximo post. Adianto que falarei de uma grande poetisa e futura escritora do século XXI, aguarde... rsrsrs
Agora ando pentelhando a vida dos outros pra TUDO pelo menos começar a acontecer... Tenho outras coisas pra falar contigo, entro no msn hoje ainda ou no fds... Kisses
Ah, eu não fujo de vampiro não, enfrento com a cara e a coragem... rsrs

Anônimo disse...

E sabe de uma coisa? Eu conheço gente vampira com olho obeso. Triste, mas verdadeiro.
E Bauhauss não é a banca que a Mônica gostava? (Eduardo e Mônica, Legião Urbana)

Beijos

A que está escrita. disse...

Flávia, adorei o epíteto do seu texto, eu sou uma apaixonada por Poe!
E você tem toda razão! Tantos vampiros nesse mundo! Ontem mesmo, abri uma revista porque estava interessada no tema de um texto. Qual a minha surpresa quando encontro o artigo de uma amiga totalmente sugado, chupado, vampirizado! Flávia, até as notas da autora estavam lá!
Ok, a vampira citava fonte. Mas acho muita cara de pau assinar um artigo com idéias que são de outra pessoa! Até a introdução era "paráfrase"!

A que está escrita. disse...

Ah, pimenteira tira olho gordo??? Bom saber! rsrs

Mafê Probst disse...

Nossa Flavinha, o conjunto música mais texto foi de arrepiar!
Os vampiros estão aí... E eu que pensei que histórias de Drácula somente no cinema. Deu medo.

Carmim disse...

Gostaria de ter lido esre texto e ao chegar ao final pensar "ainda não conheci nenhum vampiro", mas infelizmente parece que já todos conhecemos um ser do mal...
O que me conforta é a ideia de que muitos acabam por se intoxicar com aquilo que sugam dos outros. Deus é pai, não é padrasto!

Flavinha, qual a ligação da pimenteira com olho gordo?
Tá, provavelmente deveria perguntar o que é para vocês uma pimenteira.. rs

Um beijo.

Antonio Ximenes disse...

Moça.

Concordo contigo sobre a existência e atuação desses "vampiros de energia vital".

Eles podem ser teus colegas de colégio... de faculdade... de trabalho.

Podem ser até parentes... mesmo que tu não tenhas nascido vampira também.

São pessoas que se sentem bem ao prejudicar... fazer mal... como se isso fosse um esporte... ou uma inocente e jocosa maneira de saciar a sede.

Vamos empunhar nossos crucifixos simbólicos e nos afastar... nos defender desses entes maléficos.

Mais um texto maravilhoso.

Estou esperando pela tua noite de autógrafos.

Abração do teu amigo e fã pitoresco.

Gustavo Martins disse...

PQP, vc escreve bem, hein, prima? Dez seu texto.

Continuamos precisando de consultoria.

Ah, e você já está pendurada lá nos links quase perversos.

Bjus!

Gustavo Martins disse...

Ah, sim, que lábios! (nada de olho gordo nesse elogio)

Flávia disse...

VANESSA,

Ah, mas que PHOPHA que vc é!!As coisas vão acontecer, sim - porque vc merece que elas aconteçam! Obrigada pelo carinho de sempre... e pela amizade, também, né? hoje a gente se fala, sim. Pode esperar. Beijo!

RENATA,

Triste, mesmo... e, se eles tem o olho obeso, a gente tem que ficar com o olho vivo... como diz minha mãe: "orai e vigiai" - e dá-lhe orai e vigiai! A banda que o Renato Russo cita na música Eduardo e Monica é essa, mesmo. Não é muito conhecida no Brasil mas o vocalista, Peter Murphy, fez grande sucesso por aqui lá pelos idos dos anos 80, com a música "CUTS YOU UP". Vale a pena dar uma conferida. Beijo!

PALOMA,

Menina... não vou dizer que é concidência porque Poe é POE, né? Mas eu também sou apaixonada pela escrita dele. Poe, Dickens e Baudelaire são alguns dos nomes que determinaram o meu amor pela literatura. E isso que aconteceu com a sua amiga já aconteceu comigo também, e não foi uma única vez, pasme... a última foi ainda esse ano, quando uma entrevista informal sobre sexo que dei para um amigo também blogueiro foi parar na revista Época exatamente como eu havia escrito, e pior, sem os devidos créditos. E nem adiantaria fazer guerra, porque nunca vi um blogueiro levar a melhor contra a rtevista Época... e assim a gente vai levando. Aqui no Norte o povo acredita que as pimenteiras absorvem o mau-olhado, e muita gente cultiva essas plantinhas no quintal ou em pequenos jardins, no estilo "No creo en brujas, pero que las hay, las hay" (rs). Beijo!

FÊ,

Assim... eu ouvi primeiro a música, na verdade. E enquanto a música rolava eu fiquei pensando nesse negócio dos vampiros modernos. Acho que por isso casou tão bem texto e trilha. Beijo!

CARMIM,

Pimenteira aqui no Brasil é o pezinho de pimenta mesmo, flor. Deve ser a mesma coisa aí em Portugal. Aqui as pessoas tem uma relação meio mística com essa plantinha, e acreditam que ela absorve o mau olhado - herança, talvez, da nossa colonização. Beijo!

XIMENES,

É isso aí, querido. O negócio é se defender, né? Olha, me sinto muito feliz cada vez que vc fala que gosta do que eu escrevo - pois tenho uma admiração muito grande pelo teu trabalho também. quanto à noite de autógrafos... vc esperando pela minha e eu esperando pela sua, rs... beijo!

GUSTAVO,

Continuamos aqui pro que der e vier, primo (rs)! Fico feliz que tenha curtido o texto, apesar de não ser lá um tema dos mais agradáveis... E valeu por me "pendurar" no MCP! Ah, sim, obrigada ainda pelo elogio (rs)... beijo!

C. disse...

mulher, tu escreve bem que só, visse?
e não só textos poéticos, como puder perceber!

aliás, concordo com teu comentário aqui:
"Menino, ex-amigo. Mas se é ex, um dia realmente foi amigo? Amigo vira ex? Eu sou da partidária da teoria que versa que amigo que vira ex-amigo, nunca foi amigo coisa nenhuma... Tava só esperando pra dar um bote - ou aquela vampirizada básica."

música massa também!
um xêro

C. disse...

aah, voltei pra agradecer pelo link e por ser "bem vinda sempre" ;)
=**

Flávia disse...

C.,

Pois é... toda vez que eu penso nesse troço de ex-amigo eu chego à mesma conclusão: ex-amigo não existe. Ou é, ou nunca foi. Amigo não deixa de ser. Existem hiatos, é verdade, porque as relações humanas refletem a complexidade inerente a cada pessoa. Mas chegar ao ponto de virar ex... sei não. Não acredito, não. E nem precisa agradecer nada! Eu gostei muuuuito do teu blog. E gostei muuuuuito de você ter voltado. E gostei muuuuito de vc ter gostado daqui (rs)... então, eu é que te agradeço! Beijo!

Ciça. disse...

É verdade. E eu, não sei se é por ser canceriana [minhas amigas cancerianas também são assim] acredito e confio muito nas pessoas, até perceber o 'vampiro' que ela era... É foda!


Ah, e que existe coisa melhor que ganhar selinhos, isso existe! huaeuhaehuae.


:*

Nathália E. disse...

Tem que tomar muito, muito cuidado MESMO!
Vampiros malditos que que querem atacar a todos, todos ao mesmo tempo.

E a frase final do texto me deu até um arrepio na espinha!

Beijo!

Flávia disse...

CIÇA,

Hahahahaha! Néam?!
Cancerianos... ô, raça crédula! Eu também sou. Não sei se é culpa dos astros, ou se nós somos coincidentemente agraciados com uma venda nos olhos para esse tipo de coisa... mas, enfim... a gente aguenta. Beijo!

NAT,

Oxe, sério? Rsrsrs... ah, mas todo cuidado é pouco mesmo... beijo!

Anônimo disse...

Só posso dizer que fico muito feliz em encontrar textos assim valiosos nessa bagunça que é a nossa internet...

Parabéns!

(estou começando um blog também, se quiser pode visitar clicando sobre meu nome; se você achar que eu sei das coisas, podemos até trocar links. Gostaria muito do seu apoio)

Abraço!!!

Marcelo disse...

E você tem toda a razão.
O mundo está mesmo infestado de vampiros, mas aqueles que sugam a nossa energia e não o nosso sangue.
Conheço alguns, viu...
E procuro ficar bem longe deles. Cruz-credo,rs.

Flavinha, sei que já disse isso algumas vezes mas vou repetir: CARA, VOCÊ ESCREVE BEM DEMAAAAIIISS!!!!
É impressionante o seu talento, sinto-me humilhado quando te leio,rs.

Lindo, lindo, Flavinha.
Você cada vez melhor, putz eu desisto...

Smack!!!

Flávia disse...

JEAN,

Uia, blogueiro novo! Bem vindo!Valeu pela visita e pelo elogio pra lá de bacana ao blog. E não precisa saber das coisas não, moço: tô passando pra te visitar. Quanto ao apoio, tamos aqui pra isso. Beijo!

MARCELO,

Caraca, Marcelo, rsrs! Eu adoro quando vc fala que gosta do que eu escrevo, mas pq adoro o que vc escreve também... ultimamente, aliás, vc vem dando um banho de emoção... eu leio e fico besta. E tu queres me convencer de que eu ecrevo mais do que tu?! Neeeem... Hehehe... Obrigada pela força de sempre, querido. Beijo!

Anônimo disse...

É, realmente voçe esta com toda a rezão,me vi sendo sugado pela ambição de meus ´´amigos`` mas pelo menos não me sugaram todo o sangue,graças a voçe resolvi tirar o meu das garras destas feras.
te amo muito,bjs.
ass?:lucio lopes

Anônimo disse...

Blog linkado, parceria consolidada!
Valeu pela visita e pela força!
Abração!

Flávia disse...

Beleza, Jean. A gente se vê!

Beijo!

Anônimo disse...

Flavinha, então...
Já li o livro vampiros emocionais.
Adorei seu post!
Penso que não foi o mosquito da dengue que me deixou arreada deve ter sido coisa de vampiro amiga.
Esse post é fod@stico.com. huahua

Amei!
Beijucas

Anônimo disse...

Ih! Sorry, palavrão.

Flávia disse...

PAOLA,

Mulé, adorei o palavrão! rsrs... beijo!