quarta-feira, 23 de abril de 2008

Quarto Escuro

Eu ali; aqui, quem sabe.

Soundtrack: Herbert Vianna & Zélia Duncan - Partir, Andar*


Nessas horas mortas – quando a única coisa que me conecta à realidade é o rumor da minha própria respiração – sinto que há algo de mim perambulando além dos limites deste quarto escuro.

Nessas horas de pensamentos vazios e espírito repleto, alheado das paredes e cercos, é absoluta minha solidão – pois, aqui, tampouco eu permaneço comigo. E nem sei por onde ando, ou por quanto tempo estarei ausente de mim: sei apenas que é bom estar nesse lugar tão ignorado e de acolhida assim fiel. Abandono-me de tal maneira a esse nada-ser – ocaso das idéias, berço das sensações – que é impossível não crer que o que me falta seja justamente o que me completa.

Abstenho-me de qualquer consciência inclemente, inoportuna, e me permito, assim, caminhar com os pés mergulhados nessa falta dissimulante – a ignorância é, por vezes, alívio, elo das minhas metades desencontradas. E pouco me importa se a letargia que me sobrevém o faz com pretensões felizes ou tristes; a felicidade não é inócua – é provável que fira ainda mais profundamente que a tristeza, e a ambas respeito, e temo. Porém, embora as tema, não as repreendo: a elas me entrego com a mesma devotada e servil docilidade, querendo alcançar-me sem saber onde, como sombra desavisada cujo dono desnorteou-se para rumo não percebido. É esse o meu eu, nessas horas mortas. Perambulante e ignorada, mas inescapável de mim.


*A faixa Partir, Andar, com sua suave quebra bossa, arranjo idem de Eumir Deodato e vocal sóbrio de Zélia Duncan em parceria feliz com Herbert Vianna, integra o disco "O Som do Sim" - lançado em 2000, este trabalho solo de Herbert traz um pop-rock mais grave e circunspecto, com inclinações para a bossa e participações de Fernanda Abreu, Cássia Eller, Érika Martins, Henrique Portugal, Nana Caymmi, Fernanda Takai, Negril, Karnak, Dado Villa-Lobos e Daúde, entre outros.

24 comentários:

Vinícius Ghise disse...

Mas que percepção sutil e cheia de sentidos, sensações. Só quem conhece os mais belos sons sabe dar o devido valor ao silêncio.

Muito obrigado pela sua visita moça. Realmente, já não fazem mais crianças como antigamente.

Bjos³ ;)

Anônimo disse...

É, um pouquinho de flutuação e inconsciência deliberada podem fazer milagres... pelo menos a mim, revigoram o corpo e me fazem despertar com a percepção muito mais aguçada.

Abraço!

Fernando Ramos disse...

Flavinha, sabe que este texto pode ser hino ou ícone de todos os blogueiros notívagos, não é?

São nesses poucos limites que citou, nessas horas de pequena solidão que encontramos a nós mesmos, perdidos nas escritas, nos pensamentos e no sem fim pesquisante de algo que nos preencha...

Beijocas!

Anônimo disse...

As paredes parecem desaparecer nesses momentos, não é?!Eu crio outros braços e quase sinto um abraço em mim.


Você não se escapa nunca.
A gente aqui, num texto assim, desmonta solidão. Lindo!
beijomeu.

Anônimo disse...

Nessas horas em que me perco são as horas em que mais me encontro.
Perfeito.

Beijos

Aline Ribeiro disse...

O silêncio em nós pode falar muito mais que ummontão de discursos e palavras ao vento...

Bjm moça bonita

A que está escrita. disse...

Olha, é mesmo preciso respeitar felicidade e tristeza e não as repreender nessas "horas mortas" é um aprendizado difícil para mim.
Texto bom demais!

Natália Mylonas disse...

Nossa, muito bom o sonzinho ..
Faz vc flutuaar ...

Otimo texto moça !
Bj bj =)

Flávia disse...

VINÍCIUS, JEAN, FERNANDO, P., RENATA, LORITA, PALOMA, NATALINHA,

Gente, brigadão pela visita e por terem feito uma pausa para comentar o texto. Eu sempre me dei bem com a dupla solidão/silêncio - e, pelo vidto, não sou a única... ;-))

Beijoca nas testas.

Nathália E. disse...

Esses momentos de divagação em cantos solitários são os que mais prezo.

Lindo o texto!

Beijo!

Si disse...

De uns tempos para cá, passei a apreciar esses momentos de isolamento. É como se o concreto do meu quarto pudesse comprimir o que há em mim, fazendo germinar novas essências, que, na luz ofuscante do dia-a-dia, são escondidas.

Seu comentário meu deu um acalanto. Pois eu VIVO!!

Beijos, moça linda (e que sabe das coisas).

Ana Bella Carolina disse...

Nessas horas sinto um afagar nos cabelos, e quando volto da minha inércia reparo que não tinha ninguém só a mim e minhas próprias mãos. =)
Adorei o texto!
*Obrigada pela visita ao meu cantinho ;)
Super Beijo
=*

. fina flor . disse...

é, bela, escapar da gente mesmo é impossível......

beijos e até,

MM.

ps1: adoro essa música

ps2: obrigada pela força no caso "vizinhos", rsrsrs*

se quiser, passe lá para ver as cena do próximo capítulo.

Flávia disse...

NATHALIA,

Obrigada!! Beijo!

SI,

Ah, menina! Fico mais sossegada em saber que algo que eu tenha dito pôde contribuir para deixar vc mais leve... Vc é alguém que admiro muito. E precisando - ou não - eu tô aqui... beijo, flor.

BELLA,

imagina, eu é que te agradeço pela gentileza de vir me visitar! Seja bem vinda sempre. Beijo!

MM,

Agradeça não, flor. Esse caso é um absurdo. Passei o dia lembrando disso. Asurdo, absurdo, absurdo. Tô passando pra saber o que houve. Beijo!

Menina da Imprensa disse...

Ah, poetisa... Seu eu, sua solidão, seus desencontros... Até isso é poesia fecunda... Profundo e sútil!
Kisses

Belinha disse...

Oi! sei que tenho andado ausente, mas tem sido por uma boa causa.
passei para desejar um bom fim de semana porlongado.
voltarei com mais calma.

Jokas ;)

Ciça. disse...

Adoro a voz da Zélia Duncan.



:*

Ricardo Rayol disse...

no fundo todos queremos viajar para longe de nós mesmos.

Flávia disse...

VANESSA,

Linda! Obrigada pelo carinho de sempre, flor. Beijo!

BELINHA,

Não se preocupe com isso não, moça... sempre que puder vir, será recebida com o mesmo carinho! bom fim de semana pra vc também. Beijo!

CIÇA,

eu tb, rs. Beijo!

RAYOL,

E no fundo todos nós estamos sempre a meio caminho dessa viagem. Beijo, querido.

O Antagonista disse...

Oi Flavinha, passei aqui para agradecer a visita e os elogios... e olha que achei seu blog lindo... quer dizer, lindo não, lindo é "muito afrescalhado" e eu sou um blogueiro espada... kakakakaka.... mas é lindão mesmo, parabéns!

Abraço!

Citadino Kane disse...

Flavinha,
Pôxa! Queria saber me perder assim... de maneira tão silente e deliciosamente exposta por ti.
Perder-me para sempre caminhar tranqüilamente ao meu encontro... e tem sido tarefa árdua esse encontro, nem sempre bem sucedido.

Agora mudando o rumo da prosa, anotei o teu telefone, não te liguei ainda porque sei o quanto os médicos são ocupados, mas faço questão de levar um "mimo" para ti - poetisa da alma blogueira!
Já posso ver o amigo Oscar "babando"... ahahaha... é claro que seria ótimo tê-lo conosco, foram dias maravilhosos com o nosso blogueiro-amigo.
Beijos "dôtora"!
Pedro

wendell penedo disse...

valeu pela visita (:
infelizmente os textos têm mais da gente do que gostaríamos, mas ninguem sabe disso né?

˙·٠•● ѕεறிoτιvo ◦ disse...

É incrível como seu post toma ooutra vida quando a gente ouve a música.
Ele tomou um ar tão mais calmo...
adorei o texto e a música. muito bom gosto.


Beijo

ray

C. disse...

...tampouco permaneço comigo

... inescapável de mim

lindo, flavinha.
d'uma sensibilidade que eu não sei comentar.



um xêro bem grande