quarta-feira, 28 de maio de 2008

Correspondência

R.S.V.P.
Soundtrack: Rita Lee - Cartão Postal


Quando aquele cartão escorregou pelo vão da porta – sem remetente, mensagem ou assinatura – a intenção primeira foi largá-lo ignorado em meio à confusão de papéis sobre a mesa. Ela então não sabia que algumas pessoas tinham o poder de, disfarçadas de postais, cruzar o espaço para se materializar diante de outras; se deu conta disso quando, ao reter nas mãos aquele pequenino retângulo de papel, se surpreendeu com a nítida sensação do corpo arrepiando-se, solicitado pela carícia inusitada das mãos do outro. Sorriu diante da sua momentânea ingenuidade – ele, que tanto já se metamorfoseara em música, intenção e memória, por que não haveria de chegar até ali sob aquela forma tão insuspeita e, ao mesmo tempo, tão incontestavelmente característica? Estava lá, se impondo sobre o que, à primeira vista, era não mais que uma reprodução da paisagem do Jardim Botânico, os detalhes inconfundíveis lhe saltando aos olhos, tomando corpo, criando covinha no queixo, barba por fazer, camiseta branca, tatuagem no peito. Sardas, muitas sardas, nos ombros, nas costas, como pequeninos beijos fincados na pele. A risada contida e o meio-sorriso. Despropósito dos despropósitos, mas perfeitamente possível.

Observou o cartão com minúcia desapressada, deixou que os dedos deslizassem com carinho pela superfície lisa, uma, duas, três, muitas vezes. Nenhuma frase, nenhuma palavra. Desnecessárias, ambas; o que havia de ser dito, fora dito naquela fotografia – uma cidade, um destino. Sem carimbo do correio. Sem intermediários, entremeios, entrelinhas, subterfúgios, subliminariedades, mas com endereço certo: ele. Sentou-se diante do computador, ensaiou escrever um e-mail, desistiu logo em seguida, tantas coisas queria dizer e as palavras parecendo inapropriadas, insossas, furtivas. Então rabiscou um bilhete imaginário, perfumou-o, beijou-o demorada e cuidadosamente – para que nele ficasse o desenho dos lábios pintados com o batom preferido – e lançou ao vento a inusitada correspondência onde se lia, em letras caprichadas: “Sabe vontade? Além.”

51 comentários:

Bill Falcão disse...

Correspondência surrealista! Na base de Salvador Dali, por aí, né?
Magritte, talvez...
Flávia, finalmente "me toquei" e descobri o óbvio: como assinar "Bill Falcão" e, de quebra, colocar uma foto que remete ao blog hehe!! E tô fazendo minha estréia aqui!! Agora, fico mais tranquilinho hahaha!!!
Bjooooooooossssssssss!!!

.raphael. disse...

Que coisa mágica Flá, surrealismo total!
Belissíma a descrição de detalhes sentimentais! :)

Beijaooo

Anônimo disse...

Flavinha, você é perfeita mesmo! Em contos, mini-contos, textos em prosa, opiniões, crônicas... incrível a intensidade constante desse texto, presente em cada linha, cada sílaba. Tecnicamente bem construído, uniforme e sequencial, prendendo assim o leitor até um ápice inesperado!! Mais uma vez, meus parabéns!! EXCELENTE, pra variar!

Beijos Mil!

Anônimo disse...

Flávia, tu tens o dom de tornar a mágica possível, verossímil. Uma habilidade rara.
Texto carregado, impregnado de beleza natural, orgânica, embora toda essa levada metafísica...

Grande abraço, volto sempre aqui!!!

http://www.focolibre.co.cc
http://34deverdade.890m.com

Ingrith disse...

Nossa! Adora tudo que vc escreve, mas esse agora é meu preferido, lindo demais, adorei!

Um olhar para dentro disse...

Hj n li o texto, perdoe-me... vim apenas deixar um beijinho rápido!

Uma linda semana...
Se tiver um tempinho, Conheça também... http://www.mentesfemininas.blogspot.com

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leila saads disse...

Pareceu aquela propaganda da Claro, do "eu te amo" viajando, sabe? Ficou lindo!

Beijos!

Anônimo disse...

Ai que lindo!
Nhá!
Bjo

Thiago Gagante disse...

Até senti igual. E tô sentindo...

Anne disse...

Maravilhoso, como tudo o que vc escreve...mas esse eu gostei ainda mais! Quisera eu receber um postal assim, no máximo alguns bilhetinhos mandando beijos, uma amizade sincera e um "se cuida". Mas enfim, a vida é mesmo uma caixinha de surpresas...o futuro eu só vou saber quando chegar lá mesmo! Lá onde? Sei não...

Beijos, maninha. Perfeito!!!
Amo-te

Anônimo disse...

Você descreveu maravilhosamente essa arte do encontro... eu tenho uma teoria de que cartas são exatamente pedaços das pessoas, é física, paupável e pode se abraçar num momento de saudade...
Gostei daqui!
Beijos

MH disse...

quando era um jovenzinho, adorava receber cartas. Ficava esperando o carteiro (rsrs me lembrou uma musica brega "quannnnnnnndo o carteiro chegou e o meu nome gritouuuuuu com a carta na maooooo)...entnao, eu adorava receber a carta, abrir o envelope..tinha um que de misterio...ver o papel escolhido, a letra feita a mão...as vezes perfume...batom..rsrsrs...tinha uma certa magia que praticamente materializava a pessoa bem na sua frente. Mas nem ser nostalgico...eu lido bem com emails..menos romanticos...mas bem mais diabolicos.

Antonio Ximenes disse...

Flavinha.

O tempo passou e nem me lembro da última carta que escrevi... ou que recebi.

O E-mail veio para ficar e perdemos o romantismo da espera pelo carteiro.

Aqueles momentos mágicos torturantes que a ansiedade nos proporcionava.

Abrir a caixinha do correio e procurar aquela resposta... aquele sinal de vida.

Os tempos mudam.

A magia fica.

Abração forte procê.

Flávia disse...

BILL FALCÃO,

Ah, beleza! Agora não confundo mais. E o que seria de nós nessa vida sem um pouco de surrealismo, né? Beijo!

RAPHA, VINÍCIUS, JEAN, INGRITH, LOLA, THIAGO, LEILA,

Obrigada, gente... cês não sabem o quanto essa receptividade me anima. Beijos!

CAROL,

Tem problema não, moça. Beijo e linda semana procê tb!

ANNE,

Maninha... e vc já viu criatura mais largada no vento, sem lenço e sem documento do que eu? Meu coração me apronta cada uma... mas, mesmo não sabendo aonde, a vontade de ir é mais forte... e vc tem toda razão, a gente só sabe quando chega lá - onde que que seja "lá"... amor meu, seu. Beijo!

F. REOLI,

Ah, que simpatia vc, moço. Prazer em conhecer. Apareça quando quiser, será sempre mais que bem vondo. Tô passando pra conhecer vc melhor. Beijo!

MH,

Mas vc ainda é um jovenzinho, querido! Eu, criatura nostálgica e romantizada, confesso: as cartas ainda exercem um fascínio incrível sobre mim. Não que não curta e-mail, eu gosto, é bacana abrir a caixa postar e encointrar uma mensagem inesperada lá, saber que alguém - ALGUÉM - lembra da gente a ponto de parar tudo e escrever ao menos uma linha. Mas cartas... essas me derrubam. Beijo!

XIMENES,

É isso aí, querido. A magia fica. Tem que ficar. Ou a gente se vai também... beijão!

Anônimo disse...

Flávinha, que belo texto, você como sempre tocando sempre no fundo das sensações!!!

Eu, particularmente gosto das cartas, elas expressam um sentimento a mais, o sabor de escrevê-las, a letra...

beijos

Anônimo disse...

Eu é que fiquei encantado com a pitada de sensibilidade e a lufada de vida inteligente que emana daqui. Já fiquei fã. Beijos.

Caio "Sáraqui" disse...

Demorei.
Muito bom o texto.

Sabe aquele intervalo onde os sentimentos se escondem e o que sobra é o instinto que, faminto, corroe?

É o que "ele" sentiu ao receber a carícia na surpresa de um suspiro, olhando à lua.

Flávia disse...

BIA,

Cartas são como a personificação de quem as escreveu, né? Tem o cheiro, a letras, as marcas dos dedos... tudo. Obrigada pela gentileza de sempre, lindinha. Beijo!

F. REOLI,

Ah, que lindo! Obrigada... me espere muitas e muitas vezes lá no seu espaço, porque virei fá também. Beijo!

CAIO,

Eu sei. Conheço esse intervalo. Oscilo entre ele e aquele onde os sentimentos me dominam. E vc diz que ele sentiu isso? Beijo!

Caio "Sáraqui" disse...

Se sentiu...? Sentiu, deveras. Até senti daqui. Ou "eu" seria "ele"?

^^

Beijo!

Filipe Garcia disse...

Oi Flávia,

surrealismo ou não, essas fantasias que mapeiam nosso imaginário é que nos dão esse quê de poesia inacabada que carregamos no peito. Receber o físico do outro por meio de um cartão acaba nem sendo tão assustador assim. Porque o coração tende a nos pregar dessas peças... ah, e como prega!

Sobre o texto: impecavelmente bem escrito e articulado. A poesia rolando solta e as emoções escorrendo pra fora do computador. Mágica pura!

Beijo.

Sunflower disse...

Ei, psiu, mas vc não era o coração que se metamorfa em moça?

Nathália E. disse...

É, algumas pessoas tem o poder de se materializar o tempo todo.
E ainda assim, só aumenta a saudade.

Beijo!

Egon Henrique disse...

Fla´

bélissimo texto, um sentimento muito bom um destino carimbado e mandado pelo correio, entrelinhas, um e-mail.

grande texto parabens queridinha aquele abraço ;*

Kari disse...

Aí Flávia!!!!
Que lindo!!!!!!!!

"Sabe vontade? Além."
Lindo e mágico esse final!!!!


Beijão

Anônimo disse...

Aiiiiiiiiii... eu adoro correspondências! ADORO!
Gosto dessas de próprio punho, com a letrinha fazendo as curvas... Pq chega ao destinatário muito mais q o papel, assim mesmo como vc descreveu.

:)

Eu tenho o costume de escrever cartas para mim mesma. Sempre combino com o pessoal dos Correios para demorar um tempo para enviar. hehehe... É muito divertido entrar em contato comigo mesma, gosto de saber dessa pluraridade toda capaz! hehehe...

Lindo, lindo, lindo texto!
Meu beijo e meu amor infinitos.

Flávia disse...

CAIO,

Se vc diz, eu creio (rs). Beijo!

FILIPE,

É, coração tem dessas coisas. O meu vive me aprontando umas e outras. Obrigada pelas belas palavras dirigidas ao texto! Beijos...

SUNFLOWER,

Pois é - custava eu ser um coração que se metamorfa em moça tipo DDD, também a longa distância? Beijo!

NATHÁLIA,

Saudade é um bicho esquisito... parece que, quanto mais perto a gente tem alguém, mais quer. Saudade só aumenta... beijo!

EGON,

Quem dera que a gente pudesse mandar sentimentos assim, né? Beijo!

KARI,

Linda, vc. Beijão!

Flávia disse...

P.,

Hehehe... sério que vc faz isso? Sabe que vc me deu uma idéia? vou tentar fazer também. Quem sabe não me dá uma luz? Beijo e amor, amor e beijo, em combinações e porções infinitas!

Anônimo disse...

Ô minha linda....
que delicia que é chegar aqui ...
e te ler...
parece que o vida se abre pra tuas palavras e teu dece encanto...
As vezes sinto como se vc me lesse e colocasse no papel tanta coisa que nao sei dizer, ou que me recuso a dizer!!!

Ah....tem um montao de presente pra voce la em casa.....

Um beijo bem gotoso!

Auíri Au disse...

Quanta pureza e desejo, nas palavras....

Espero que o vento leve ao destino a emoção..


beijos

Secret Love disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Van disse...

Ai ai......
Viu o que eu fiz?
Postei com minha secret ID.....
Sorry... Agora vai com meu "real ME"!

Então...
Esse blog era pra ser menos pessoal, né?
Sei.....
Como se você conseguisse se desfazer de tanto sentimento que mora aí dentro, né, twin?

Sabe lindo?
Além.

Sabe perfeito?
Além.

Beijucas

Flávia disse...

TÂMARA,

ei, flor... todas as vezes que vou lá no seu blog, ler o que vc escreve, é exatamente essa a sensação que tenho. Essa é um dos maiores bônus desse mundo blogger... encontrar pessoas que, mesmo tão distantes e sob certos aspectos tão diferentes, são tão parecidas conosco... e fico feliz que vc se encontre por aqui também... e fico feliz ainda com os presentes (hehe)! Tô passando pra pegar. Obrigada! Beijão!

AUÍRI,

finalmente consegui escrever o seu nome certo, rs... pureza e desejo... a gente nunca imagina que esses dois elementos possam coexistir... mas podem, né? Beijão!

VAN,

Nuss, ainda bem que vc viu a tempo! E pois é... esse blog era pra ser NADA pessoal... pessoalidade por pessoalidade, nem adiantou ter blogcidado o Cotidianidades, né? Eu e meus planos infalíveis. Por isso desisti dos blogcídios e de medir forças comigo... e sabe eu te amo? além. Beijuca!

janao disse...

É duro como sofrem esses muitos "eles" e "elas" espalhados pelos blogs no mundo...
Diga a ela que não está sozinha, tem uma prima de uma amiga da minha vizinha, que passou por isso... Não sei se o "ele" em qustão foi mesmo, afinal existem muitos hominomos por aí.

inté. ;)

Renata Silva disse...

Esse texto me fez sentir saudade do que eu ainda não conheci.
Adorei.

Beijos

Atriz disse...

Que sensação boa deve ser esta, não???

Me fez lembrar do caso de uma amiga minha, que qdo viu a carta de seu futuro namorado, embaixo da porta de sua sala, na msma hora ela sentiu tesão! é sério!!!! ela me contou e eu nem sabia o que dizer, agora lendo seu texto, imagino como foi verdadeiro.

beijo!!!!!!! Gisele

Ricardo Rayol disse...

o pior quando os cartoes chegam, com remtente e contudo, vai se explicar ehehehehe

RENATA CORDEIRO disse...

Vc é como eu: não tem medo de se expor.
Postei sobre o filme Across the Universe.
Vá lá:
wwwrenatacordeiro.blogspot.com/
não há ponto depois de www
Um beijo,
RENATA MARIA PARREIRA CORDEIRO

Flávia disse...

JANAO,

Pode deixar que eu digo, hehe. Beijão!

RENATA,

Esse é meu tipo favorito de saudade. Beijo!

GI,

Depois vc me conta que que deu essa história? Beijo!

RAYOL,

Huahuahus... cê tem eazão! Beijo!

RENATA CORDEIRO,

Ah, não vai nessa não. Eu sou um bichinho medroso. Só que ás vezes acabo falando demais... aí já viu: sem querer, saio e tô mostrando mais do que imaginava. E eu amo Across the Universe... vou passar lá, sim, adoro as suas resenhas. Beijo!

Gustavo Martins disse...

(sem palavras)

(um suspiro trespassado de stress daquele que prepara a gente para um ato impetuoso)

(e olha que passamos aqui só pra fazer um convite)

(foi a coisa mais particular e linda que aconteceu com este contista vagabundo desde que colocou os dedos na blogosfera)

Beijos incontidos, prima

Gustavo Martins disse...

(f...-se a primeira pessoa do plural, vc merece)

Não consigo parar de ler. E é difícil alguma coisa me deixar sem ação assim, tá?

Bem... pesquisa num blog chamado meu continho e a gente conversa amanhã, tá?

Beijos

Gustavo Martins disse...

meu cAntinho

Unknown disse...

Eu sou uma péssima "comentadora" mesmo, admito. Mas é só porque eu não tenho palavras! Mas fiz questão de deixar meu racado de admiração, haha. Parabéns, menina!

iaiá disse...

ai o amor é tão lindo......rs

Flávia disse...

GU,

Eu conheço esse tipo de suspiro. Têm sido constantes por aqui... E que coisa mais linda vc sem ação (e aqui há sorrisos, muitos)... Tô indo ver o tal blog. Beijos, beijos, beijos.

NINA,

Que péssima, que nada! Adoro os seus comentários, vale é a espontaneidade mesmo! Obrigada pelo recado (rs)! Beijão!

IARA,

Hehe... e não é? Beijo!

Alessandra Castro disse...

Ah q belo!! Deixar um beijo bem feito em um papel realmente é uma atitude romantica. só naum pode ser confudido com coisa da xuxa.

Ruberto Palazo disse...

Cartas nos trazem lembranças, despertam cheiros, sensações, arrepios, gostos... e aquela vontade de se jogar ao vento, e que ele te leve aos braços daquele que escreveu tais linhas....

O poder de uma carta...
Só nao supera o poder da real presença ... =)

Beijos

PS: Posso demorar para vir aqui, mas quando venho leio tudoo...=)

Flávia disse...

MARY WEST,

Deuzulivre, menina, vira essa boquinha pra lá, rs. Beijão!

PAVÓN,

Moço, vc é sempre bem vindo, não importa quando - e o quanto - apareça, viu? Beijo!

C. disse...

nha... faz um curta, vai!
:P
mil idéias me pipocam quando venho aqui
=**


eee num pense que eu esqueci o presentinho não, viu| só ando sem tempo e sem internet. =P

Flávia disse...

C., eu tô doida pra fazer um curta, vc nem sabe o quanto. Mas nem sei por onde começar - então vou começar pelo curso de cinema que vou fazer no meio do ano. Aguarde as cenas dos próximos capítulos (rs)... beijão!

Mirian Martin disse...

Apaixonante! Apaixonante...

Isso me fez lembrar as não sei quantas cartas diárias que meu marido me mandou (antes de nos casarmos) e que não respondi a nenhuma (pirraça).

Agora, quando se tem uma covinha no queixo... delícia, né não? ;)

Adorei, menina!

˙·٠•● ѕεறிoτιvo ◦ disse...

uauuuuu
Cada dia surpreendendo-me com seus textos perfeitos.
Incrível como vivo a cada palavra escrita. Viajo demais nesse blog!! E ultimamente sua palavras fazem tanto sentido... incrível.
Um beijo Flávia, és demais!

Ray