quarta-feira, 10 de junho de 2009

Romaria

De volta à velha forma.



Foi então que eu desisti de caminhar no encalço das horas.

Eu ora preferia aquela quietude de coisa não dita, ora encharcava-me de alma de verbo vertendo sangue até desfalecer de tanto viver. Foi então que eu vi, na palidez da sensação que se esboçava ainda ambígua, de pernas trêmulas, no esquivo e pequeno espaço compreendido entre o meu coração e a minha razão, que o sentido que eu buscara para a minha solidão rasgara voluntariamente o peito em algum espinho trôpego esquecido sob a sombra do meu corpo ainda quente das lembranças do dia seguinte. É que o dia seguinte lega lembranças mais vívidas do que todos os dias que se foram; é que a hora passada morre e leva consigo todo e qualquer fogo. Do que não havia, nem jamais houvera, restava uma iminência pesando-me sobre os ombros; do que não havia, nem jamais houvera, restava um instante sufocado sob o que de fato foi – mas ora, o que, de fato, foi? Do que não havia restava tanto, eu nunca contente com meio-parte-nada-quase, eu nunca contente com menos que tudo, eu sempre engolindo faíscas do mundo e devolvendo-me inteira em permuta, eu que não barganho indulgência nem coisa alguma e me permito a cega inocência das paixões sem culpa, eu que já não me sabia, eu não me sabia: eu era a gota de caos a me fazer falta enquanto a vida seguida dolorosamente plácida, eu que não tenho sossego, eu não tenho sossego, eu não quero sossego, eu que já não me cabia, eu não me cabia. Mas era a vez de me recolher no calor de novos planos e de aquecer as mãos entre os dedos longos do tempo nascente, que o tempo sempre chega e parte e castiga e abençoa e pede perdão, que o tempo sempre morre e nasce de mãos enlaçadas às de quem lhe perdoa os desatinos.

25 comentários:

Vivi disse...

Oi Flávia, parabéns pelos seus textos. Gosto muito e coloquei seu blog nos meus favoritos.
Um aabraço

Anônimo disse...

Delicia, este. Um desarmar-se, derramar-se e fazer-se novamente. Fênix do Norte queimando-se e renascendo ao Sul. :)

beijos, querida

Ludmila Melgaço disse...

Nem consigo me expressar!
Tocou (demais) meu coração.

Beijos!

Grã disse...

Meu, você é muito foda, né???

"o tempo sempre morre e nasce de mãos enlaçadas às de quem lhe perdoa os desatinos"

Obrigado, menina linda das paixões sem culpa!

NiNah disse...

Moça bonita.
Adorei sua foto do perfil.
Seus textos sempre lindos.
Toca sabe?
Bjos

Kari disse...

Intenso, como sempre!
Um poema belíssimo!!!!!!

Beijão pra tu

Thaís Velloso disse...

texto genial.

;*

Paulo disse...

É assim. Vamos, fazemos, agimos e nos penalizamos instintivamente. Depois, bem depois voltamos e fazemos e agimos e pronto.

Beijo Flávia

Edu Grabowski disse...

Bom tempo sem vir aqui...Mais tempo ainda, sem comentar...

Sabe quando você fica cheio de palavras, porém elas não sabem como sair? É..., uma vez conversamos sobre isso... De ter um mundo de palavras, e uma apenas nem sair.. Saudades dos nossos papos... dos tbm por telefone...nossa, uma vez ficamos pouco mais de uma hora... Você ainda morava em sua antiga casa, cidade...Estado!

Adorei o texto, como sempre! A parte final...

"... que o tempo sempre chega e parte e castiga e abençoa e pede perdão, que o tempo sempre morre e nasce de mãos ençaladas às de quem lhe perdoa os desatinos."

Tempo sábio, sempre!

Beijos Flavinha.
Adoro você de montão.
Seu amigo,

Duds

Marguerita disse...

Ai, Dona flávia, eu também não me sei!


Lindooo texto!

Beijao!

Ruberto Palazo disse...

Faz tempo que eu desisti de andar no encaço das horas, prefiro caminhar do meu jeito torto e deixar as horas caminhar no lado dela... qualquer hora nos cruzamos, vejo as horas e o tempo e caminho sem pressa e acelerado pela vida, sem me importar com o tempo, apenas deixo sentir-me...

Beijos

Flavio Ferrari disse...

Sempe poesia ...
Mas a vida é a soma das verdades de cada instante ...

Ava disse...

Flávia, atraida pela dica do Flávio Ferrari...

Excelente dica.

Seu texto é visceral!

Seus sentimentos são vicerais...

E quando nos permitimos ser vicerais, conseguimos colocar em palavras, como vc o fez nesse texto maravilhoso, sentimentos que
jorram poesia!

Beijos e carinhos!

Luis Fernando Mifô disse...

Há quanto tempo você escreve poemas, Flávia?

Anônimo disse...

Eu também já desisti de caminhar no encalço das horas. Agora, apenas caminho.

Lindo texto, emocionante!

Meu beijo e minha saudade de você.

quehistoriaessa disse...

Olá Flávia!
td bem??
Sempre que te visito me surpreeendo com a quelidade do seu texto.

Parbéns!

Bjo.

Leonardo Pinheiro

Bill Falcão disse...

Ainda bem que o tempo tá do nosso lado, né, Flavinha?
Bjooooo!!!!!

KImdaMagna disse...

...ser e tempo ad eternum...

xaxuaxo

Junkie Careta disse...

Seus textos estão entre aqueles da blogesfera que me obrigam a alguns rituais:não estar com pressa,um momento onde eu possa me permitir a subjetividade, a introspecção necessária, que a correria do dia-a-dia nos rouba. Preferencialmente ler nas madrugadas onde a fauna interior está mais sóbria ou mais faminta, quando a poesia está circulando nas veias ou quando a hemorragia está latente, sempre no limite, como seus seus textos.Gosto dos espelhos que encontro aqui,(narcisismo?) tem sempre um pouco de mim entre uma letra ou outra, ou um muito. Deve ser por isso que quando retorno, a sensação de não ter passado por aqui antes, me dá a culpa de ter perdido a oportunidade de me emocionar.

Seu desasossego, seu desespero, seu lirismo,sua intensidade é sempre avassaladora. Esse vai pra minha galeria dos prediletos. Vc é um talento Flavia.


Voltei a vida intelectual depois de um longo e tenebroso inverno de trabalho e estudo. Retornei com um poema para ser apedrejado.

Se tiver um tempinho,apareça.

Grande bjo

WOLF disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cláudia I, Vetter disse...

esse lugar é sempre meu.
sei lá como.

;****

Monday disse...

Lembrei de ti no feriado, tocou Joss, tocou Rehab, tocou a saudade ...

Alguns dias afastado dos blogs, hoje sobrou tempo e a vista não estava cansada: outro bom motivo pra te visitar e te ler ... densa como sempre, texto rico e cheio, o eterno prazer de ler uma boa leitura ...

mais ainda quando se conhece um pouco da dona das letras ...

bjks e boa semana, Flah

isa disse...

Menina, às vezes até me espanto com seus textos de tão maravilhosos.

É engraçado mesmo que na hora que a maioria das coisas realmente importantes acontecem você sempre acha que vai ter mais, que vai ter pra sempre, e é só quando você as perde se lembra delas com aquele brilho especial que ela sempre teve, mas que passava despercebido pelo júbilo do momento ..

:*

OAlbergueiro disse...

Hoje em dia quem se permite a cega inocência? Hoje em dia quem é inocente? Hoje em dia quem é?

WOLF disse...

"Mas era a vez de me recolher no calor de novos planos e de aquecer as mãos entre os dedos longos do tempo nascente, que o tempo sempre chega e parte e castiga e abençoa e pede perdão, que o tempo sempre morre e nasce de mãos enlaçadas às de quem lhe perdoa os desatinos."

Flávia,
Permita-me apenas registrar aqui que acho essa conclusão maravilhosa. A gente encontra umas coisas aqui sem comparação. Tenha um bom Círio.